Opinião

Dez motivos para lutar contra o circuito fechado no fretamento de ônibus

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30 de outubro de 2022, 15h06

O fretamento de ônibus no Brasil acumula décadas de história. Seu surgimento remonta aos anos 1950, no ABC paulista, quando a indústria crescia e era preciso um transporte eficiente para transportar os trabalhadores. Esse setor evoluiu e começou a mudar a cara do turismo, principalmente a partir dos anos 1980, quando floresciam as agências e as viagens em grupo. Hoje, o modelo do fretamento como conhecíamos ainda existe, mas foi se tornando cada vez mais de nicho. À medida que a inovação avança, também muda a maneira como se viaja e aí começam a surgir plataformas digitais também nessa área, para facilitar e democratizar as viagens rodoviárias.

Com isso nasce o chamado fretamento colaborativo, uma modalidade que começou a se difundir no país, de fato, só em 2019. As vantagens são várias, a começar pelo fato de que os passageiros não precisam se conhecer para formar os grupos. É tudo online, até a hora de embarcar e viajar. Para quem tem empresa de fretamento, foi uma mão na roda, como eles dizem, pois abriram portas para se vender mais – mesmo na pandemia, quando a Covid-19 dava trégua e as barreiras sanitárias se flexibilizavam.

No entanto, evoluir nunca é simples. Casos de inovação disruptiva não fazem história se não tiverem desafios políticos, ainda mais num mercado regulado como o de transporte. É assim que está sendo com o fretamento colaborativo. Sua trajetória é recente, mas ele já enfrenta algumas barreiras. Uma das pedras no sapato desse setor é o circuito fechado, norma que exige, no transporte interestadual, a venda casada de passagens de ida e volta, obrigando o ônibus a transportar o mesmo grupo nos dois sentidos, de acordo com um decreto de 1998. Isso dificulta o modelo novo, que usa aplicativos como a Buser, pois nele não se condiciona a ida à volta, embora o conceito de fretamento seja mantido. Para trazer um exemplo prático: se você está em uma excursão e deseja fazer paradas no percurso para a visitação de atrativos turísticos, a norma do circuito fechado não permite.

A discussão não é nova, tanto que em dezembro de 2020, representantes do setor que atuam com plataformas levaram o questionamento para o Palácio da Alvorada, em Brasília. Na época, o presidente Jair Bolsonaro recebeu esse grupo, ouviu atentamente sobre o gargalo e chegou a se manifestar, com todas as letras: "Se o decreto estiver irregular, eu revogo hoje ainda". Resultado: 600 dias se passaram e o Ministério da Infraestrutura, que deveria se encarregar da pauta, não resolveu o problema. E o fretamento está, mais do que nunca, em estado de alerta. Desde o início de abril, quando entrou em vigor a Portaria 27/2022, um instrumento suspeito que extrapola a competência da própria agência reguladora, fiscais da ANTT passaram, além de interromper as viagens que rodam por aplicativo, a apreender os ônibus, como se essa fosse uma atividade criminosa.

Por si só, apreender ônibus que estão com as documentações, licenças e seguro-viagem em dia já seria um grande motivo para derrubar a norma do Circuito Fechado, mas apresento aqui uma lista com outras 10 razões:

1. A regra é a grande vilã da regulação setorial. Usuários do serviço, querendo ou não, são obrigados a realizar a ida e a volta, sempre juntos, no mesmo ônibus, pela mesma rota, sem flexibilidade ou alteração. O motorista contratado e o ônibus, que custam ao empresário cerca de R$ 1 milhão, ficam ociosos até a data da volta.

2. O circuito fechado não cumpre nenhuma função regulatória. Não decorre de lei, não ajuda na segurança do usuário, muito menos garante a qualidade de serviços. Além disso, não está previsto em 12 estados da federação.

3. É um gargalo ao turismo de proximidade, já que o fretamento gera 20% a mais de viagens para o mercado de transporte rodoviário de passageiros. Para reverter a situação, o Brasil precisa destravar armadilhas regulatórias, derrubar barreiras e trabalhar rumo à inovação.

4. É contraproducente, aumenta a ociosidade. Estima-se haver 48,8 milhões de assentos ociosos ao ano no transporte rodoviário de passageiros como um todo, refletindo num custo de oportunidade de R$ 5,4 bilhões para o setor. Essa ineficiência poderia ser corrigida com o fim do circuito fechado.

5. O setor de fretamento é hoje responsável por transportar mais de 12 milhões de passageiros todos os anos, em frotas compostas por mais de 25 mil ônibus. Atualmente, os usuários embarcam e desembarcam em mais de 700 cidades, em todos os estados brasileiros.

6. A norma aumenta o custo das passagens rodoviárias e inviabiliza o uso de plataformas de tecnologia. Sem a possibilidade de comprar passagens para viagens intermunicipais por aplicativos, restará aos passageiros a opção de ir à rodoviária e pagar até 150% a mais pelo mesmo serviço, mas de empresas que dominam o setor há décadas e lutam para eliminar a concorrência.

7. O Ministério da Economia desaprova o circuito fechado. Por meio da Frente Intensiva de Avaliação Regulatória e Concorrencial (Fiarc), declarou, em janeiro de 2022, que a norma é anticoncorrencial, que viola as regras da OCDE e que traz prejuízo estimado em R$ 1 bilhão ao ano para o país.

8. O Ministério do Turismo também pede a revogação da regra para atendimento à demanda turística, conforme a Nota Técnica publicada em fevereiro de 2021.

9. A decisão, se favorável ao desenvolvimento do fretamento, potencializaria o aproveitamento das frotas e superaria o vácuo regulatório que tem sujeitado operadores, empresas de tecnologias e usuários às penalidades e medidas administrativas desproporcionais.

10. A abertura do mercado ocasionaria a movimentação na economia como um todo, com acréscimo de R$ 2,7 bilhões no PIB, R$ 462,8 milhões de arrecadação tributária e cerca de 63,5 mil novos empregos.

O setor de fretamento clama por modernidade. A tecnologia já chegou para salvá-lo, mas precisamos de menos burocracia e liberdade para que a inovação vença. A população precisa de serviços melhores e a economia agradece.

Do meu lado, como presidente da Comissão de Viação e Transporte da Câmara dos Deputados, tenho trabalhado para aprovar projetos que tendem a beneficiar a inovação e promover a abertura. É o nosso papel. Nossos parlamentares estão sensíveis à causa e vão continuar ajudando nessa luta.

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