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Consultor Jurídico

Llona e Santos: Nova tentativa do TSE no combate às fake news

29 de outubro de 2022, 16h06

Por Gabriel Borges Llona, Ana Cláudia Silva Araújo Santos

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As preocupações provocadas pela expansão das chamadas fake news não são recentes e têm criado certas tensões no país, sobretudo agora em razão das eleições. A reprodução em massa dessa cadeia de desinformação apresenta sinais claros de ameaça à jovem democracia brasileira e à lisura do processo eleitoral, com farta expansão em todos os lados do campo político.

Em um mundo globalizado com nenhuma ou pouquíssima fronteira digital, o uso das redes sociais e da internet ganha espaço substancial e tanto as informações como as desinformações são repassadas de forma mais célere e despreocupada quanto aos seus possíveis efeitos no plano prático. O conteúdo distorcido ou falso é distribuído para dezenas de milhares de pessoas rapidamente e sem filtro e uma vez disponível na rede se torna mais dificultoso inibir os seus efeitos. O impacto é instantâneo e suficiente para atingir o objetivo daqueles que propagam as fakes.

Um clássico exemplo do poder e do uso desmedido das "fake news" ocorreu em 2018 com a alarmante "mamadeira erótica" [1], um dos estopins para a proliferação de diversas e absurdas desinformações naquele mesmo ano e que, hoje, são ainda mais robustas no que compete à criatividade de seus inventores. A repetitiva tentativa de desacreditar a credibilidade e a confiabilidade da urna eletrônica, por exemplo, repercutiu há quatro anos e novamente invade as redes sociais, mesmo após diversos estudos que atestem a sua funcionalidade e segurança.

O atual cenário político brasileiro, principalmente nesta reta final para o 2º turno das eleições, tem comportado inúmeras táticas adotadas pelas campanhas partidárias de disseminação de fake news. O intuito é notório: prejudicar o candidato adversário de modo a reduzir seu capital político e, consequentemente, ganhar terreno para a conquista da tão sonhada taça do vencedor.

É incontroverso, portanto, que a disseminação de notícias falsas e desinformações se tornou uma verdadeira e eficaz "estratégia de marketing" das campanhas, que tem feito uso assíduo dessa manobra.

Muito disso se deve ao fato de que a velocidade da propagação de notícias falsas é incontestavelmente maior do que a capacidade de resposta ou de punição dos responsáveis, apresentando-se automaticamente mais vantajosa para aquele que a dissemina, que pode rapidamente prejudicar a imagem de seu antagonista ou macular o processo eleitoral.

Nesse contexto, a Legislação Eleitoral (Lei Federal nº 9.504/97) traz expressamente não só os tipos de propaganda permitidas e proibidas [2], como os instrumentos para coibir e punir aquele que as violar, assegurando, no caso das publicações irregulares, tanto o direito de resposta como a possibilidade de remoção do conteúdo ilegal [3].

Ainda, com o intuito de tratar sobre o problema na propagação de desinformações no pleito de 2022, o TSE publicou a Resolução nº 23.671/2021 com a inclusão de outros dispositivos específicos sobre o tema, como, por exemplo, a previsão do artigo 9º de referida Resolução: "A utilização, na propaganda eleitoral, de qualquer modalidade de conteúdo, inclusive veiculado por terceiras(os), pressupõe que a candidata, o candidato, o partido, a federação ou a coligação tenha verificado a presença de elementos que permitam concluir, com razoável segurança, pela fidedignidade da informação, sujeitando-se as pessoas responsáveis ao disposto no art. 58 da Lei nº 9.504/1997, sem prejuízo de eventual responsabilidade penal."

Isso evidencia duas pretensões da Corte Eleitoral: 1) regulamentar o pleito no combate a essa prática fraudulenta; 2) garantir a remoção do conteúdo impróprio, bem como o direito de resposta do ofendido.

Recentemente um caso envolvendo a rádio Jovem Pan ganhou os holofotes midiáticos, isso porque, a emissora divulgou notícias inverídicas contra um dos candidatos à corrida presidencial e propaganda sistemática a favor do outro candidato. Ambas as condutas foram consideradas contrárias à legislação eleitoral vigente e o TSE advertiu sobre a necessidade que a rádio se abstivesse de veicular conteúdos similares (falsos).

A problemática, contudo, ganhou novos contornos com a divulgação de conteúdos nas redes sociais acerca de suposta perseguição e cerceamento à emissora por parte do tribunal [4].

Outro caso que demonstrou a força da proliferação de fake news ocorreu em 19 de outubro, ocasião em que o pastor André Valadão, no uso de suas redes sociais, apresentou uma decisão falsa que atribuía ao ministro Alexandre de Moraes ordens no sentido de coagir o pasto a gravar um vídeo se retratando [5]. Restou comprovado que a citada decisão jamais existiu.

Nesses dois casos a legislação eleitoral foi distorcida na busca de imputar ao TSE imaginada censura a um determinado lado do campo político. Observa-se as vestes de "vítima" e "vilão" sendo colocadas de forma novelesca, quando uma correta interpretação do texto normativo já faria cair por terra tais argumentos. Impedir a veiculação de notícias falsas e desinformação não é censura e sim cumprimento do dever legal. Não há “opinião política” sobre a mentira. A mentira é nula e sobre ela nada se sustenta.

A propósito, as imposições de suspensão ou remoção de conteúdo, concessão de direito de resposta ao ofendido, entre outros, mormente quando há violação ao princípio da isonomia e desequilíbrio no pleito (favorecimento de um candidato em detrimento dos outros), não são inovações e encontram previsão legal há anos, tanto que o SBT foi igualmente punido nos anos 90 em razão de possível favorecimento a um dos candidatos à época [6].

Na medida em que surgem novas estratégias e manobras para disseminação das fake news e burla à legislação eleitoral, consequentemente, cabe à sociedade se aperfeiçoar o fim de proteger o principal bem das eleições: a lisura eleitoral.

É nesse contexto que a Corte Eleitoral publicou, no último dia 20, a Resolução 23.714/2022 que dispõe sobre o enfrentamento à desinformação atentatória à integridade do processo eleitoral.

Em um breve resumo, a resolução prevê que: 1) o TSE poderá retirar do ar os conteúdos já considerados falsos, mesmo idênticos e republicados em outros sites, sem a necessidade de abertura de nova ação ou julgamento; 2) o prazo para remoção do conteúdo impróprio é de até duas horas, reduzido para uma hora na véspera do pleito; 3) não é necessária a manifestação de uma das partes ou do Ministério Público, mas também não restringe a atuação dos promotores de Justiça; 4) suspensão dos meios que reiteradamente veiculem notícias falsas; e 5) proibição de veiculação de propaganda eleitoral na internet 48 horas antes e 24 horas após o pleito.

Em que pese essa ampliação da atuação do TSE no controle sobre a circulação de informações tenha sido apresentada a destempo, ou seja, fora do prazo em que as principais regras do processo eleitoral precisavam estar definidas, esta ganhou impulso e é um dos assuntos mais discutidos nas redes sociais e veículos da mídia. Por um lado, os críticos reiteram que o Tribunal extrapola os poderes que lhe são conferidos na busca desenfreada de cercear o direito de liberdade de expressão (o próprio Procurador Geral da União, Augusto Aras, ingressou com uma Ação Direta Constitucionalidade no dia seguinte ao da publicação da Resolução [7], requerendo sua revogação, sob o fundamento de que esta acabou por violar normas e princípios da Constituição Federal). Por outro, os que apoiam a resolução a veem como uma medida necessária ao enfrentamento dos descalabros que as fake news têm provocado e para proteger os pilares da democracia.

Entendemos que a resolução, embora seja sim passível de críticas, sobretudo no que toca ao período em que foi publicada, é muito mais vantajosa que prejudicial. Isso porque ao determinar a remoção de conteúdos em até duas horas, bem como retirar do ar os conteúdos idênticos, já considerados falsos, replicados em outros meios e suspender as páginas que praticam reiteradamente esta conduta ardil, o TSE busca barrar essa prática que tem corroído o estado democrático de direito e desestabilizados as instituições brasileiras. Mais que isso, visa garantir que a medida não se tornará obsoleta, posto que em uma terra com poucas fronteiras, a extensão do dano pode ser imensa.

O que não afasta, por outro lado, o fato de que esse mesmo prazo pode ser muito curto para que uma empresa, considerando toda a sua logística empresarial e que nem sempre tem sede no Brasil, exclua os conteúdos que a corte determinar.

De todo modo, não se compreende que o TSE tenha o intuito de cercear o direito de manifestação política ou de retirar propagandas autorizadas por lei, tampouco se apresenta como uma extrapolação do poder regulamentar da Justiça Eleitoral. Quando o barco da democracia está em ruínas é necessário agir rápido e dentro da legalidade para que não afunde.

O que se tem no momento é: independentemente de se concordar ou não com a resolução, ela está vigente e deve ser respeitada. Sua aplicação, nos parece, é capaz de garantir verdadeiro efeito prático para resguardar a integridade do processo eleitoral, ainda mais nesta reta final das eleições, quando o povo brasileiro almeja eleger seu próximo representante.

 


[2] Art. 36 e seguintes da Lei 9.504/97

[3] Art. 58 e seguintes da Lei 9.504/97

[7] ADI 7.261