Efetivação dos programas de atendimento ao superendividado (parte 1)
26 de outubro de 2022, 8h00
Após a promulgação da Lei Federal nº 14.181/21, que reformou o Código de Defesa do Consumidor, introduzindo dispositivos relativos à prevenção e tratamento ao superendividado, depois de quase dez anos de tramitação no Congresso Nacional, surgem novos desafios: a implementação dos núcleos de atendimento ao superendividado.

Registro aqui as homenagens a professora Claudia Lima Marques, ao colega Fernando Martins e tantos outros que não só criaram a base doutrinaria e legal do superendividamento, mas também se esmeram na divulgação incansável dessa nova e imprescindível vertente na defesa do consumidor brasileiro.
Entretanto, percebe-se uma grande dificuldade na implementação de núcleos ou programas que atendam de modo efetivo o consumidor superendividado, e um dos motivos é justamente a falta de compreensão da dimensão econômica que perpassa essa solução.
Nesse diapasão é fundamental que os órgãos integrantes do sistema estadual de defesa do consumidor, Procons estaduais, Procons municipais, Defensorias Públicas e Ministérios Públicos se unam para dar concretude ao que determina o CDC, através de Termos de Cooperação Técnica ou outro instrumento que comporte também instituições de ensino que possam atuar na prevenção do superendividado, além de profissionais com capacidade de análise econômico-financeira.
Dentro desta complexidade que é a situação do superendividado, uma é fixa e permanente: a econômica, por vezes relegada por nós, operadores do direito.
A construção do plano de pagamento disposto no artigo 104-A do CDC tem justamente essa dimensão, mas que pode e deve ser implementado já na fase pré-processual, visando dar efetividade e celeridade na prestação jurisdicional.
A participação de profissionais com conhecimento técnico em exatas, com capacidade de elaboração de um plano global que tenha como conteúdo os valores das dívidas dentro do prazo de cinco anos e respeitado o mínimo existencial do consumidor atendido é fundamental para estabelecer um padrão que poderá ser apreciado pelo Judiciário, no caso de propositura da ação de repactuação.
Neste primeiro momento, da audiência global, despicienda a consideração de taxa de juros, encargos administrativos, assim como a definição da ordem cronológica das dívidas, já que o objetivo principal é equacionar a situação do superendividado de modo a possibilitar sua recuperação e equilíbrio financeiro. Esses aspectos deverão ser considerados caso não haja acordo e seja necessário instrução e sentença de mérito na ação de repactuação.
O atendimento ao consumidor superendividado envolve a expertise própria de cada uma das instituições que compõem o SEDC, que devem se unir para, nas palavras do mestre Paulo Bonavides, avançar, romper barreiras na concretude da garantia constitucional de defesa do consumidor, talhada no inciso XXXII do artigo 5º da Lei Maior.
É assim que Minas Gerais tem avançado, na formação de um verdadeiro pool entre os órgãos do sistema estadual de defesa do consumidor e o Judiciário: Procon municipal, Defensoria Pública, Ministério Público, Judiciário, entidades educacionais, sob a articulação do Procon-MG, cada uma exercendo um papel essencial dentro de suas atribuições e competências, no trato do consumidor superendividado, com a criação do Programa de Atendimento ao Superendividado (PAS). Eis as principais funções de cada um desses atores:
O Procon municipal realiza o primeiro atendimento, não só com objetivo de resolver o problema que levou o consumidor ao referido órgão, como também faz a primeira triagem para identificar o superendividado; a Defensoria Pública prestando assistência ao consumidor, tanto na audiência coletiva com os credores como patrocinando eventual ação de repactuação; As entidades educacionais fornecendo profissionais para análise contábil-financeira, assim como atuando com a Escola do Procon-MG na prevenção, com oferecimento de cursos de educação financeira, atendimento psicológico, etc.; O Procon estadual na articulação política, estabelecendo fluxos capazes de serem expandidas para todo o estado, o Ministério Público na propositura de ações também coletivas quando identificas demandas com tal propósito e o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), capacitando os conciliadores e mediadores que atuam no PAS, homologando os termos de acordo e pedidos de suspensão com base no artigo 104-A, § 2º do CDC.
Em quatro meses de existência, 47 consumidores já passaram por uma triagem prévia, dos quais 19 encaminhados para o PAS, desses, dez participaram de audiências coletivas, com três acordos homologados pelo Cejusc e quatro suspensões de cobrança de débito por ausência em audiência, seis ações de repactuações propostas, com dois pedidos de liminares concedidos para suspensões de cobrança de débito e retirada do nome do consumidor dos bancos de dados de inadimplentes.
Como todo novel órgão, desafios se apresentam diariamente e devem ser vencidos com perseverança e foco de todos os integrantes do SEDC, almejando sempre a efetividade no tratamento do superendividado, testando e avaliando os fluxos, submetendo-os ao estresse do atendimento diário, identificando corretamente o destinatário de nossa atuação, para dar o tratamento mais adequado e resolutivo possível, evitando sobrecarregar ainda mais o Judiciário.
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