Interferência política

STJ não podia afastar governador por fatos anteriores ao mandato, dizem advogados

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24 de outubro de 2022, 15h17

Está nas mãos do Supremo Tribunal Federal o recurso do governador de Alagoas, Paulo Dantas (MDB), que foi afastado do cargo por decisão da ministra do Superior Tribunal de Justiça Laurita Vaz, posteriormente confirmada pela Corte Especial.

Assembleia Legislativa de Alagoas
Paulo Dantas é acusado de comandar esquema de desvio de verbas públicas
Assembleia Legislativa de Alagoas

A decisão gerou críticas ao STJ, tanto por alegada incompetência da Corte para analisar o caso quanto por interferir na eleição. Dantas, que é apoiado pelo ex-presidente Lula (PT) e pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), disputa a reeleição no segundo turno contra Rodrigo Cunha (União Brasil), candidato do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Laurita Vaz afastou o governador em 11 de outubro, pelo prazo de 180 dias. Ainda não existe denúncia ou acusação formal contra Dantas, mas o inquérito cogita de peculato e lavagem de dinheiro em um suposto esquema de "rachadinha" na Assembleia Legislativa de Alagoas, referente à época em que era deputado estadual — de 2019 ao início deste ano. O então deputado, por intermediários, teria sacado os salários de servidores "fantasmas" e posteriormente repassariam o dinheiro para outras contas bancárias.

A decisão foi referendada pela Corte Especial do STJ. Por entender que não cabe suspensão de liminar para particular em matéria penal, uma vez que isso criaria diferenciação inaceitável para ocupantes de cargos públicos, a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Rosa Weber, manteve o afastamento de Paulo Dantas do cargo de governador de Alagoas em 19 de de outubro.

Decisão polêmica
O afastamento de Paulo Dantas do cargo no meio da sua campanha à reeleição gerou críticas às decisões do STJ. Especialmente porque o político é acusado de fatos de quando era deputado estadual — cujo foro é o Tribunal de Justiça de Alagoas, não o STJ.

O Supremo Tribunal Federal restringiu, em 2018, o alcance do foro por prerrogativa de função. Parlamentares, desde então, só têm foro especial se os fatos imputados a eles ocorrerem durante o mandato, em função do cargo. No caso de delitos praticados anteriormente a isso, o parlamentar deve ser processado pela primeira instância da Justiça, como qualquer cidadão. Com o fim do mandato, também acaba o foro privilegiado, fixou a corte.

Posteriormente, o STJ decidiu que o foro especial de governadores e conselheiros de tribunais de contas é restrito a fatos ocorridos durante o exercício do cargo e em razão deste.

Além disso, o STJ foi acusado de interferir indevidamente no processo político.

"Não há qualquer acusação formalizada contra o governador Paulo Dantas. O afastamento dele do cargo implica cassação sumária do seu mandato, concedida por órgão incompetente, segundo decisão recente do STF que restringiu a regra do foro privilegiado", aponta Cristiano Zanin Martins, que defende Dantas.

"O afastamento por investigação de fato antigo em meio às eleições pelo STJ representa uma indevida influência eleitoral. É de se meditar em criar limites quanto ao Judiciário afastar governador eleito. Seria o caso de criarmos a submissão da ordem à Assembleia Legislativa, como ocorre em prisões em flagrante de parlamentares", opina o criminalista Fernando Augusto Fernandes.

Por sua vez, o ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil José Roberto Batochio não enxerga contemporaneidade a justificar o afastamento de Dantas, uma vez que os fatos apontados na ação datam de "muito tempo atrás".

"Ademais, a cautela de afastamento das funções como tutela de urgência ao interesse coletivo se vincula às condutas praticadas no exercício daquelas especificas funções no Legislativo, que não existem mais. O afastamento alcança agora outras funções. Portanto, a extensão da provisão cautelar de afastamento do cargo ocupado por outro e diverso ato jurídico ou político não se afigura razoável. Máxime porque desconstitui, por decisão sumária e provisória, nova situação jurídica legitimamente aperfeiçoada", analisa Batochio.

O jurista Lenio Streck destaca o afastamento de um governador é legal se ele estivesse burlando a lei eleitoral em plena disputa. Ainda assim, seria preciso ter cuidado, uma vez que sempre é possível cassar uma chapa depois de eleita. 

"Portanto, é óbvio que não se pode burlar a lei eleitoral para vencer uma eleição. Mas também não é recomendável, cautelarmente (portanto, provisoriamente), tomar medidas dias antes da eleição cujas consequências, querendo ou não, sempre são nefastas para o candidato afastado ou preso. Que o digam Beto Richa e Marconi Perillo. E tantos outros", declarou Lenio.

Em 2018, o ex-governador do Paraná e então candidato ao Senado Beto Richa (PSDB) foi preso preventivamente durante a campanha eleitoral.  Ele acabou em sexto na disputa por duas vagas ao Senado pelo estado.

Na mesma época, o ex-governador de Goiás e então candidato ao Senado Marconi Perillo (PSDB) foram alvo de operação às vésperas das eleições. Líder na corrida para uma das duas vagas do estado, conforme pesquisa do Ibope de 21 de setembro, Perillo ficou em quinto na disputa. Três dias após o pleito, foi preso preventivamente enquanto prestava depoimento à PF. 

Por isso, Lenio diz ser preciso arguição de descumprimento de preceito fundamental para que o Supremo estabeleça que, no mínimo 30 dias antes das eleições, é proibido afastar ou prender políticos, salvo em flagrante. 

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