Opinião

Assédio moral eleitoral no âmbito das relações de trabalho

Autor

24 de outubro de 2022, 18h07

Publiquei no jornal eletrônico Doura News artigo de minha autoria sob o título "A indesejada mistura e confusão entre política e religião", no qual alertei ser "necessário refletir com Tarso Genro, sobre o que vem ocorrendo no Brasil nessa campanha eleitoral, de modo que todos possam, democrática e livremente, defender suas ideias e programas e o povo escolher de forma consciente e livre aqueles que serão os legisladores e os dirigentes dos estados e o presidente da República", vale dizer sem nenhum tipo de pressão, doutrinação ou assédio, sem que isso impeça o livre debate político, o que não se pode tolerar é que haja assédio sobre as pessoas impedindo-as de fazer suas próprias escolhas.

reprodução
Reprodução

Entretanto, e infelizmente, temos visto várias reportagens a respeito do chamado assédio moral eleitoral que algumas empresas e instituições estariam levando a efeito sobre seus empregados para votarem neste ou naquele candidato ou simplesmente se abstenham de votar e que envolveria, inclusive, instituições religiosas, com ameaças de demissões ou concretização destas, promessa de aumento salarial ou de promoções, entre outras, o que é, além de crime, um procedimento lamentável e condenável, pois como deixei assentado no aludido artigo, política e religião têm âmbitos diversos de atuação e não podem ser confundidas nem o trabalhador é despejado de seus direitos civis e políticos pelo fato de ostentar a condição de empregado, pois como sabemos, os direitos fundamentais antecedem ao ingresso da pessoa em determinada empresa ou organização como se estrai da intelecção do contido nos artigos 5º, inciso VI e 14 da Carta da República e 18.1 e 19.1 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 (ONU), do qual o Brasil é signatário e foi ratificado 24.01.1992, fazendo parte do bloco de constitucionalidade da proteção dos direitos civis e políticos.

Balanço do Ministério Público do Trabalho (MPT), divulgado nesta quarta-feira (19), aponta que as denúncias de assédio eleitoral subiram para 706. Até terça-feira passada, o número era de 447 representando um aumento de 58% com maior com maior número  de casos na região Sudeste, com 284 casos. A região Sul liderava o ranking, tendo contabilizado segundo esses informes, 212 ocorrências. Em seguida, aparecem Nordeste com 118, Centro-Oeste registrando 48 e Norte 44.

Aqui em Mato Grosso do Sul, segundo o Procuradoror do Trabalho Paulo Douglas,ao jornal Bom Dia MS do último dia 20 de outubro, teria um caso em investigação no interior do estado, tendo o G1 divulgado um áudio a respeito de um caso de assédio na região do Pantanal com demissão do trabalhador.

Esse tipo de conduta encontra-se penalmente tipificada no artigo 301 do Código Eleitoral prevendo:

"Artigo 301. Usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos:
Pena – reclusão de até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa."

Transportando-se a aludida norma para o âmbito do Direito do Trabalho, inclusive, considerando o que previsto nas Convenções 111 [1] e 190 [2] da Organização Internacional do Trabalho — OIT, se pode conceituar o assédio moral eleitoral como toda e qualquer conduta do empregador ou seus de prepostos, valendo-se dessa condição, tente, direta ou indiretamente, vise impedir ou impeça o empregado, sob qualquer ato de pressão ou coação  física, moral ou psicológica  reiterada ou praticada uma única vez (artigo 1.1 da Convenção 190 da OIT), de exercer o direito de livremente votar no candidato de sua preferência, pois esse tipo de conduta que termina desequilibrando a disputa eleitoral e penso também atenta contra a democracia.

A Justiça do Trabalho não pode ser nem é infensa a esse tipo de comportamento no âmbito das relações de trabalho, prática costumeira na chamada Velha República que alguns denominavam de "voto de cabresto" em que o "coronel" comandava uma espécie de "curral eleitoral", em que seus empregados ou agregados, votavam em ele mandava.

De fato, a título exemplo, vale anotar que a 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região condenou uma empresa em indenização por dano moral, em face de que teria o proprietário da empresa induzido os empregados a votar em seu candidato.

No voto da desembargadora relatora:

"(…) o modo de agir da empresa, conforme descrito pelas testemunhas e pela mídia juntada, implica em prática de ato ilícito pela ré, que atingiu a honra da reclamante; a ofensa causou dano moral que deve ser objeto de reparação" [3].

Também foi apreciada a matéria pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-12) que, de certa forma, termina tratando dos elementos caracterizadores do assédio moral eleitoral nos seguintes termo:

"(…) Primeiro, esclareço que o fato de o empregador externar sua preferência política, religiosa, filosófica etc., não implica abuso de direito, como também não se pode supor que haja abuso ou ilícito laboral, quando o trabalhador externa sua própria preferência política, religiosa ou filosófica para os colegas de trabalho ou superiores hierárquicos, por vezes de forma singela, com o uso de algum indicativo (seja uma cruz ou outro símbolo religioso, seja uma camiseta, ou até pelo uso da palavra).
O que não se pode admitir é o assédio, ou seja, a insistência para quem já mostrou não ter interesse ou divergir desse posicionamento, como também não se pode admitir a expressão pública diante de clientes ou fornecedores, por poder prejudicar o negócio.
(…)
O limite da liberdade de expressão é dado, portanto, pelo respeito à liberdade do outro e também pela necessidade de manutenção de um meio-ambiente do trabalho sadio e livre de constrangimentos ou pressões de qualquer tipo". (TRT12  RORSum  0000210-05.2019.5.12.0009, relator JOSE ERNESTO MANZI, 3ª Câmara, Data de Assinatura: 26/05/2020).

Assim entendido, e comprovado que o assédio moral eleitoral foi praticado pelo empregador ou seus prepostos no âmbito da relação de trabalho e em razão desta, parece não existir dúvida que se insere na competência da Justiça do Trabalho, nos termos do previsto no artigo 114 da Carta de 1988 que deve ser interpretado de forma extensiva a albergar todos os conflitos decorrentes de relação de trabalho humano, e se se enquadra no conceito de assédio discriminatório e atentado contra a democracia, pois impede ou tenta impedir que o empregado possa exercer livremente o direito de votar em quem acredite merecer seu voto e, portanto, deve ser veementemente combatido, não podendo a Justiça do Trabalho deixar de apreciar as eventuais ações de indenização por dano moral que vierem a ser ajuizadas por trabalhadores assediados por razões eleitorais.


[1] De acordo com a Convenção 111 da OIT: "Artigo 1 — 1. Para os fins da presente convenção o termo “discriminação” compreende: a) toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão". (Sem destaques no original).

[2] Artigo 1.1 da Convenção 190 da OIT prevê: "a) a expressão «violência e assédio» no mundo do trabalho designa um conjunto de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou de ameaças de tais comportamentos e práticas, ainda que se manifeste de uma vez só ou de maneira repetitiva, que tenham por objeto, que causem ou sejam suscetíveis de causar, um dano físico, psicológico, sexual o econômico, e inclui a violência e o assédio em razão de gênero e b) a expressão «violência y assédio por razão de género» designa a violência e o assédio que sejam dirigidos contra as pessoas em razão de seu sexo ou gênero, o que afetem de maneira desproporcionada a personas de um sexo ou gênero determinado, e inclui o assédio sexual".

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!