Reflexões Trabalhistas

Assédio eleitoral nas relações de trabalho

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21 de outubro de 2022, 8h00

É assustador o número de denúncias de assédio eleitoral às vésperas do segundo turno das eleições de 2022. Segundo informações do Ministério Público do Trabalho (MPT), os relatos de assédio passaram de 52 para 364 casos, conforme levantamento realizado no último dia 18 de outubro, superando a totalidade dos casos registrados na campanha de 2018.

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Muitos relatos de ameaças de dispensa e promessas de benefícios estão sendo compartilhadas em redes sociais ou denunciadas às autoridades.

No Rio Grande do Sul, uma mineradora firmou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o MPT, após ter divulgado um comunicado a seus fornecedores e empregados no qual avaliou o cenário eleitoral com "imensa tristeza", prevendo uma redução na produção e a suspensão de investimento, se fosse mantido o resultado do primeiro turno, além de pedir apoio às "pessoas de bem" para defender a "pátria sem corrupção", a "propriedade privada", "Deus e a família".

O MPT daquele estado também firmou acordos com um frigorífico; uma fazenda de criação de bovinos; e uma padaria, que se comprometeram a publicar retratações em redes sociais e custear anúncios de conscientização contra o assédio eleitoral.

Além dos TACs acordados, o MPT-RS ajuizou uma ação civil pública contra a empresa Stara de implementos agrícolas, pleiteando indenização de R$ 10 milhões, em razão da divulgação de uma carta em que anunciava a redução de sua base orçamentária em pelo menos 30%, caso o resultado das eleições do primeiro turno se mantivesse.

No Pará, um empregador que ofereceu R$ 200 por votos em Bolsonaro foi multado em mais de R$ 150 mil. O empresário, dono de uma empresa de tijolos e telhas no estado, foi flagrado em vídeo, oferecendo dinheiro em troca de votos em seu candidato e acabou assinando um TAC, para não enfrentar uma ação na Justiça.

Na Bahia, uma empresária do setor agropecuário estimulou colegas a "demitir sem dó" quem votasse em Lula. Diante da prova do assédio eleitoral, ela também firmou um TAC com o MPT, fez uma retratação pública, e custeou uma campanha de comunicação explicando que assédio eleitoral é crime.

Também na Bahia, um produtor rural teria forçado seus empregados a filmarem o voto no primeiro turno das eleições presidenciais e dispensado os que se recusaram a votar em Bolsonaro. Após as denúncias, fundadas em áudios compartilhados em grupos de aplicativos, o empresário afirmou que estaria "brincando com amigos".

O casos de assédio eleitoral foram flagrados no país inteiro, de norte a sul, em razão do acirramento da disputa eleitoral.

Segundo Adriane Reis de Araujo, Coordenadora Nacional da Coordenadoria de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho e autora da Nota Técnica/Coodigualdade nº 001/2022 [1], não se pode confundir o debate político com ações violentas e assediadoras. Enquanto o debate é um direito democrático, o assédio eleitoral viola os fundamentos da República, o pluralismo político, a dignidade humana, os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa [2].

De fato, o poder de direção das atividades conferidas ao empregador não é ilimitado. Ao contrário, direito potestativo encontra diversas fronteiras, seja na liberdade política; na garantia do Estado Democrático de Direito; na dignidade da pessoa humana; na soberania popular, caracterizada pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto; na liberdade de consciência, de expressão e orientação política; na liberdade de pensamento; no direito à não discriminação; e no valor social do trabalho.

Assim, o assédio eleitoral cometido no âmbito das relações de trabalho pode ser definido como a conduta abusiva do empregador ou seu representante, que se utiliza de seu poder de direção para pressionar ou submeter o trabalhador ou trabalhadora a constrangimento ou humilhação, com o objetivo de obter o engajamento político durante o pleito eleitoral. A vítima do assédio pode ser qualquer pessoa, empregada ou não, assim como, prestadores de serviços autônomos, estagiários, aprendizes, voluntários, funcionários e empregados públicos, trabalhadores temporários ou terceirizados.

Infelizmente, tal prática não é nova e tem sido objeto de ações na Justiça do Trabalho.

Recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho, no Ag 24510620165120025, em acórdão da lavra do ministro relator Claudio Mascarenhas Brandao, da 7ª Turma, publicado em 6/5/2022, não proveu o Agravo interno por falta de transcendência, em que se tentava nova discussão a respeito do assédio eleitoral:

"AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RÉ. LEI Nº 13.467/2017. JORNADA DE TRABALHO. HORAS EXTRAS. CARTÕES DE PONTO DESCONSTITUÍDOS PELA PROVA ORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. DANOS MORAIS CAUSADOS AO EMPREGADO. CARACTERIZAÇÃO. ASSÉDIO ELEITORAL. PRETENSÕES CALCADAS NO REEXAME DOS FATOS E PROVAS. ÓBICE DA SÚMULA Nº 126 DO TST. FÉRIAS. CONVERSÃO DE UM TERÇO EM ABONO PECUNIÁRIO. IMPOSIÇÃO DO EMPREGADOR. DOBRA PREVISTA NO ARTIGO 137 DA CLT. PAGAMENTO APENAS DE FORMA SIMPLES. BIS IN IDEM. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA DA CAUSA. Em relação aos temas em epígrafe, não se constata a transcendência da causa, no aspecto econômico, político, jurídico ou social. Agravo interno conhecido e não provido, por ausência de transcendência da causa."

Em outra decisão, o TST condenou a prática de assédio eleitoral, coercitiva e abusiva, em virtude do discurso alarmista de perda de empregos em caso de vitória de candidato diferente daquele apoiado pelo empregador. Para o ministro relator Alberto Bastos Balazeiro, ocorreu verdadeira interferência na opção política e eleitoral do empregado, em nítida afronta ao artigo 5º, VI e VIII da Constituição Federal, que garante a liberdade de convicção filosófica ou política. Neste sentido, o acórdão esclareceu que não deveria ser considerada a alegação patronal quanto a não obrigatoriedade da utilização do uniforme com as cores da bandeira brasileira fora das dependências da ré. Por outro lado, reconheceu que os vídeos passados aos empregados em que o proprietário da ré, Luciano Hang, os aconselhava a votar no candidato Jair Bolsonaro, ameaçando fechar as lojas e demitir em massa caso ele não fosse eleito, configuraram assédio eleitoral:

"Acerca da exposição dos trabalhadores a esta ameaça de desemprego a depender do resultado do pleito eleitoral, destaco as considerações feitas na decisão que deferiu tutela de urgência antecipatória na Ação Cautela manejada pelo Ministério Público do Trabalho em face da ré (nº 000112941.2018.5.12.0037): 'Depois, em uma prática que já é discutível sem se tratar de questões políticas, promoveu o mesmo réu em estabelecimento da HAVAN uma manifestação em que não só fez campanha para um candidato às eleições, mas colocou em xeque a continuidade de todos os contratos de trabalho firmados pela ré HAVAN caso houvesse resultado desfavorável sob a sua ótica. O tom da fala do réu aponta no sentido de uma conduta flagrantemente amedrontadora de seus empregados, impositiva de suas ideias quanto a pessoa do candidato que eles deveriam apoiar e eleger. 'Diante da conduta ilícita da empregadora, caracterizada pela cobrança abusiva de metas, envolvendo constrangimento reiterado da autora, e interferência na sua liberdade de convicção política, é inegável que houve violação ao seu patrimônio extrapatrimonial autorizador da condenação, cujo montante, fixado em R$ 10.000,00, se revela adequado e razoável ao caso." (TST – AIRR: 1904720205120019, relator: Alberto Bastos Balazeiro, 3ª Turma, data de publicação: 1/8/2022)

No processo nº 0020803-52.2021.5.04.0124 [3], perante a 4ª Vara do Trabalho de Rio Grande do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, também restou comprovado que o assédio eleitoral atingiu a honra do reclamante exposto à coação e limitação de liberdade pelo empregador:

"O ato da reclamada de coagir seus empregados a votarem em determinado candidato nas eleições presidenciais, sob pena de terem seus empregos extintos, extrapola o poder diretivo do Empregador, representando verdadeiro abuso de direito, atingindo a esfera moral dos trabalhadores. Sendo assim, julgo necessária a condenação da reclamada à indenização dos danos morais sofridos pelo reclamante, até como forma de coagi-la a revisar seu procedimento ilegal. Em suma, considerando que a prática da reclamada não pode ser tolerada, impõe-se a condenação ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 2.000,00, a fim de que se atinja caráter pedagógico com a decisão, sem importar em enriquecimento sem causa do reclamante."

Diante deste fatos, a prática do assédio eleitoral deve ser denunciada, por caracterizar uma violência psicológica no trabalho, e punida, obrigando os empregadores que cometerem tais delitos, a responder a ação civil pública, ou ações individuais e coletivas, com o pagamento de indenização pelos danos morais praticados.

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