Opinião

A luta das lideranças femininas da OAB

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18 de outubro de 2022, 19h28

"Se o ar não se movimenta, não tem vento; se a gente não se movimenta, não tem vida." [1]

Os fios que alinham o meu compromisso com a luta por justiça vêm de longe. Em especial, de grandes personagens femininas com as quais convivi — e que ainda convivo —, que são as minhas principais referências de humanidade. O compromisso com a advocacia veio dessa semente. Meu trabalho com a luta das mulheres, sobretudo, é parte dessa história.

Nessa caminhada como secretária-geral da OAB Nacional, vivi momentos marcantes. A nossa atuação tem sido um momento de fortalecimento fundamental para a luta das mulheres advogadas. Em julho, reunimo-nos com a nossa colega procuradora-geral de Registro (SP), Gabriela Samadello, que foi gravemente agredida por um colega de trabalho. Na ocasião, ela nos disse que: "A OAB me acolheu de uma forma excepcional e está dando o exemplo. Me tirou da situação de humilhação e me elevou. Isso é muito importante, assim como nos ouvir e tomar ações concretas".

O relato de Samadello encontrou amparo na emoção de muitas outras mulheres líderes em suas respectivas seccionais e subseções. O sistema paritário de gênero no Sistema OAB impõe uma tarefa central: é necessário transformar o modo de dirigir a nossa institucional. Cada gestão precisa estimular que as mulheres líderes sejam fortalecidas emocionalmente. O espaço auto-organizado é fundamental.

Segundo dados da International Bar Association 2018 [2] (Associação Internacional de Advogados): uma a cada três advogadas declararam ter sofrido assédio sexual no contexto de trabalho e 75% dos casos de assédio sexual não foram denunciados.

A pensadora Riga Segato [3] afirma que, quando uma mulher retira sua experiência de sofrimento da esfera estritamente individual e a transforma como um problema da pólis — do espaço público —, esse problema passa a ocupar a esfera coletiva. Ao politizar o sofrimento — isto é, compreender o sofrimento como parte de um problema público e não apenas privado e individual —, a dor da mulher agredida encontra conexões com as dores de muitas outras pessoas. Esse processo de politização do sofrimento é terapêutico e tem alta potência transformativa.

É nesse sentido que devemos pautar a nossa atuação: refletir para propor novos caminhos na OAB, de forma auto-organizada e democrática.

Redirecionar os rumos da história na advocacia
Hoje, pela primeira vez na história, após mais de nove décadas de Entidade, duas mulheres ocupam a diretoria do Conselho Federal da OAB, espaço compartilhado com a secretária-Adjunta, minha colega Milena Gama, outra destacada liderança, mulher vibrante, aguerrida e cheia de pulsão de vida e de luta.

Nós, mulheres, estamos aqui, hoje, como a maioria dentro dos quadros nacionais. Conquistamos a paridade de gênero nas eleições em todo o Sistema OAB, uma virada da página da história da Ordem.

Mas, esta página será virada com maior qualidade, com mais vigor, quando os homens advogados passarem a entender e a reconhecer o papel que cumprem nessa luta libertária das mulheres. Em nosso trabalho, o papel do advogado homem é central. É preciso que aprendam a ceder em relação aos seus privilégios. Aprender a nos ouvir. É necessário que saibam admitir a nossa existência no espaço público.

Os nossos colegas advogados precisam aprender a nos respeitar e a não mais nos interromper enquanto falamos. Seja em uma audiência, em uma palestra, em um debate, onde for. O nosso timbre de voz e o nosso modo de se posicionar são legítimos. E assim devem ser tratadas: com respeito.

Tornamo-nos a maioria quantitativa não significa que permanecemos exercendo a profissão. Não atingimos um ponto de descanso desejado. Descansar, aliás, não é um verbo do repertório que orienta a nossa atuação.

A luta das mulheres, a batalha feminina por igualdade — dentro ou fora da Advocacia — tem sido incansável. Como escreveu a teóloga feminista Ivone Gebara [4], em Esperança Feminista: "Somos voz de muitas gritando como num coro ensaiado, porque nossa dor [e luta] é tão comum como o ar que respiramos. […] Não acolhemos mais o silêncio da obediência em nós. É esta a novidade que toca os nossos ouvidos".

Se, por um lado, o nosso horizonte estratégico deve fomentar a participação dentro de nossa entidade; pelo outro, não desejamos que este salto aconteça de modo artificial e formulado de cima para baixo. Sem discussão, sem envolvimento, sem formar uma pedagogia de transformar.

A conquista das paridades de gênero no Sistema OAB comunica um recado importante: o que queremos transmitir não é apenas a ocupação biológica de determinados corpos dentro do comando de nossa entidade. É, sim, importante que nós ocupemos esse espaço.

Contudo, é fundamental que as mulheres estejam com sua voz e sua vez protegidas. A grande diferença desse modo de fazer, de atuar e de construir uma gestão é enraizando os debates em todos os cantos do país. A "OAB de Portas Abertas" está nessa luta.

Direção feminina, OAB pluralista
A direção feminina da advocacia é, necessariamente, um comando pluralista: enraizado em sua base, focado no debate, na democracia da discussão e na qualificação dos temas que nos atravessam.

Essa é a diferença que iremos inaugurar com as nossas cinco mulheres à frente da presidência das seccionais; e com quase 90% de mulheres na vice-presidência dos conselhos seccionais.

É com esse fôlego e com esse espírito democrático, em defesa de um debate qualificado, feito com a base da advocacia à qual representamos, que iremos avançar nos temas referentes às demandas de gênero nos setores que envolvem a advocacia.

Somos a primeira gestão eleita após a conquista da paridade de gênero nas eleições do Sistema OAB. Há muita pulsão de mudança entre nós. Pulsão, aliás, é um conceito freudiano que envolve um conjunto de dimensões intrapsíquicas e bioquímicas que estão presentes, de modo universal, em nós, seres humanos.

A soma de forças, desde a base, e a medida da exigência de nosso trabalho, com debate e com democracia, será a pressão de nossa pulsão, de nossa vontade, para conquistarmos a igualdade de gênero na OAB.

A meta da nossa pulsão será satisfeita quando vermos realizado não apenas o acesso, mas, em conjunto, a nossa permanência nos espaços institucionais em que iremos ingressar.

Os tempos nos pedem horizontalidade na formulação e na deliberação de novas políticas de gênero em defesa da igualdade. Queremos a felicidade como meta contínua de satisfação.

Dentro e fora da profissão. E sermos construtoras de um "amanhã" mais livre, mais justo e mais seguro para as nossas filhas, netas, para nós mesmas, e, enfim, para a geração que virá. Para isso, precisamos sobreviver: física, psíquica, política e moralmente. É necessário pensar, é preciso educar, é fundamental construir junto à nossa base.


[1] JUNIOR VIEIRA, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 1ª edição, 2019-65p.

[3] SEGATO, R. Dimensión cultural. In:Flores en el asfalto: causas e impactos de las violencias machistas en las vidas de mujeres víctimas y sobrevivientes. Araba/Biskaia/Gipuzkoa: Mugarik Gabe, p. 116-148, 2017b. . Disponível em: . Acesso em: 16 jun. 2022.

[4] In: DINIZ, D. Esperança Feminista. 1ª ed. – RJ: Rosa dos Tempos, 2022.p.22

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