Opinião

Da interposição de agravo de instrumento no âmbito dos juizados especiais cíveis

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14 de outubro de 2022, 13h04

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) publicou por meio da resolução nº 20 de 21 de dezembro de 2021 o Regimento Interno da Turmas Recursais dos juizados especiais do Distrito Federal e dos Territórios.

À referida resolução, há previsão em seu artigo 80, no que tange ao cabimento da interposição de Agravo de Instrumento no âmbito dos juizados especiais, nos seguintes termos:

"Art. 80. É cabível o agravo de instrumento contra decisão:

I – que deferir ou indeferir providências cautelares ou antecipatórias de tutela, nos juizados especiais da fazenda pública;
II – no incidente de desconsideração da personalidade jurídica nos juizados especiais cíveis;
III – não atacável por outro recurso, desde que fundado na ocorrência de erro de procedimento ou de ato apto a causar dano irreparável ou de difícil reparação na fase de execução ou de cumprimento de sentença."

Chama a atenção a previsão de um recurso complexo no âmbito dos juizados especiais, posto que os critérios que imperam no rito sumaríssimo são os da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, mormente diante da ausência de previsão do referido recurso à Lei nº 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais).

Compulsando a Lei dos Juizados Especiais, somente se verificam a presença de dois recursos, quais sejam, os Embargos de Declaração e o Recurso Inominado. Isto, porque, a regra que impera no âmbito dos juizados especiais em atenção ao princípio da oralidade, é de que as decisões interlocutórias são irrecorríveis.

Neste ponto, cumpre esclarecer que a decisão interlocutória é ato privativo do juiz que se propõe a sanar uma questão intercorrente no curso processual, não sendo, em tese, decisão terminativa. Quanto a este assunto, Fredie Didier Júnior (2011, p. 285) [1] diz que "De acordo com o disposto no §2º do art. 162 do Código de Processo Civil, não seria possível que uma decisão interlocutória resolvesse questão principal, o que não é verdadeiro. Versa sobre questão principal (questão de mérito), por exemplo, a decisão interlocutória que (i) defere ou indefere pedido de concessão de tutela antecipada, (ii) indefere liminarmente um dos pedidos cumulados na inicial por entendê-lo prescrito e (iii) resolve parcela incontroversa da demanda, na forma do art. 273, §6º, do Código de Processo Civil".

Deste modo, não se olvida que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal inovou ao prever em seu regimento interno próprio das Turmas Recursais o cabimento do Agravo de Instrumento no âmbito dos juizados especiais.

Não se olvida ainda, que a previsão é acertadamente benevolente aos jurisdicionados, mormente porque se propõe a atacar decisões interlocutórias que recaiam em erro de procedimento ou que causem dano irreparável ou de difícil reparação, no âmbito dos processos de execução ou em fase de cumprimento de sentença.

É de se observar, todavia, que inovação legislativa promovida pelo Eg. TJ-DF não se mostra adequada. Vejamos que a função primordial de uma resolução no ordenamento jurídico brasileiro é a de especificar a lei, sem, contudo, inová-la. É em decorrência disto que a pirâmide de Hans Kelsen traz as resoluções como base da pirâmide legislativa.

A principal dúvida surgida da atuação forense no âmbito dos juizados especiais, é, pois, a de se encontrar um meio para o combate de decisões interlocutórias que, em decorrência de error in procedendo e error in judicando, tendem por perpetrar prejuízos que, em regra somente poderiam ser atacados após a prolação de sentença.

O Superior Tribunal de Justiça ao editar o enunciado sumular de nº 376, esclareceu que "Compete a turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial".

Sabe-se, no entanto, que o Mandado de Segurança é via processual angusta, em que não há fase de dilação probatória, tornando-se, muitas vezes, um caminho melindroso para o debate de questões intercorrentes ao curso processual.

Todavia, o Mandado de Segurança, por muito tempo, foi o único caminho possível para a revisão de decisões interlocutórias "irrecorríveis". E assim o é porque não houve pelo legislador a admissão de recurso neste sentido, tanto que estas decisões interlocutórias proferidas no rito sumaríssimo não precluem e podem ser impugnadas em sede de Recurso Inominado.

O Fórum Nacional de Juizados Especiais (Fonaje) elaborou o enunciado 15, em que consolidou o entendimento de que "Nos juizados especiais não é cabível o recurso de agravo, exceto nas hipóteses dos artigos 544 e 557 do CPC/1973", correspondentes aos artigos 1.042 e 932, do CPC/2015, respectivamente.

E o entendimento do próprio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DF) [2] à época, era no sentido do não conhecimento do Agravo de Instrumento, posto que o Regimento Interno Próprio das Turmas Recursais previa a sua utilização em hipóteses muito especificas. Vejamos, senão, a ementa que se colaciona a seguir:

"JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERIU PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO. ARTIGO 31 DO REGIMENTO INTERNO DAS TURMAS RECURSAIS. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO. DECISÃO MANTIDA. 1. Trata-se de Agravo de Instrumento por meio do qual o agravante insurge-se contra a decisão do Juizado Especial Cível da Circunscrição Judiciária de Águas Claras-DF, que indeferiu o pedido de antecipação de tutela formulado no processo nº: 0700092-46.2016.8.07.0020 interposto. (…) 3. No caso dos autos, independente da questão de fundo que envolve o inconformismo da parte, o agravo de instrumento não pode ser conhecido por falta de previsão legal, uma vez que no âmbito dos Juizados Especiais, somente se justifica a interposição de agravo de instrumento em situações específicas contra as decisões proferidas em incidente de desconsideração da personalidade jurídica pelos Juizados Especiais Cíveis (art. 31, do RITR de 16/03/2016), o que não é o caso dos autos. 4. Ressalta-se, somente a título de argumentação, que, no presente caso, o agravante se insurge contra decisão que indeferiu a antecipação de tutela, tendo considerado válido o contrato firmado pelas partes, bem como constatada a falta de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, conforme dispõe o art. 300 do novo CPC. 5. Destarte, não se mostra ilegal a decisão interlocutória que examinando as provas carreadas aos autos, verificou que na presente demanda não restou suficientemente demonstrados os requisitos essenciais para concessão da medida liminar, sendo certo que há previsão contratual para a cobrança dos encargos bancários, inclusive multa. Dessa feita, não se vislumbra ilegalidade na decisão vergastada, motivo pelo qual o agravo de instrumento é incabível. 6. Portanto, não merece prosperar o manejo de Agravo de Instrumento, pois o Regimento Interno não contempla que seja utilizado como recurso contra qualquer decisão interlocutória, salvo nos casos de processos que analise incidente de desconsideração da personalidade jurídica pelos Juizados Especiais Cíveis (art. 31, do RITR de 16/03/2016). 7. Agravo de instrumento não conhecido. Resta mantida a decisão agravada. 8. A súmula de julgamento servirá como acórdão, conforme regra do art. 46 da Lei dos Juizados Especiais Estaduais Cíveis e ainda por força dos artigos 10, XIV e 103, § 2º do Regimento Interno das Turmas Recursais do Distrito Federal, publicado em 16/03/2016. (TJ-DF 07006862320168070000 0700686-23.2016.8.07.0000, relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, data de julgamento: 7/6/2016, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, data de publicação: publicado no DJE : 21/06/2016 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)" (grifos nossos)

Todavia, com a modernização das normas e o surgimento de novos entendimentos, passou-se a questionar a admissão ou não de Agravo de Instrumento no âmbito dos Juizados Especiais, posto que Lei 12.153 de 2009 prevê a utilização de Agravo de Instrumento no âmbito do juizado especial da Fazenda Pública. A lei dos juizados especiais federais, por sua vez, também prevê a utilização de Agravo de Instrumento neste âmbito.

Tal questionamento vem na esteira do amadurecimento do trato desta matéria, posto que, na prática forense, em muito se percebe que, em certas hipóteses, mitigar a possibilidade de impugnação pode ocasionar aos jurisdicionados, danos irreparáveis ou de difícil reparação.

Assim, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal passou a admitir o Agravo de Instrumento no âmbito dos Juizados Especiais, mormente à fase de Cumprimento de Sentença em que em diversas situações, mesmo que por equívoco, acabam sendo realizados atos de constrição indevidos. Nestas situações, o Agravo de Instrumento se mostra como um hábil instrumento processual para mitigar danos. Vejamos, senão, precedente atual do TJ-DF [3]:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA EM DINHEIRO. BACEN-JUD. SUBSTITUIÇÃO. SEGURO GARANTIA JUDICIAL. POSSIBILIDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO. 1. O caso concreto trata-se de execução/ cumprimento de sentença, na qual o agravante/devedor apresentou impugnação com seguro garantia judicial. Contudo, o juízo a quo deixando de analisar a garantia, determinou a penhora on line (Bacen- Jud) dos valores devidos. 2. É possível a substituição da penhora em dinheiro por seguro garantia judicial (Código de Processo Civil, artigo 835, § 2º), porquanto preenchidos todos os requisitos legais e, ainda, demonstrado que a medida é menos onerosa ao devedor, não trazendo prejuízos ao credor. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 3. Agravo de Instrumento conhecido e parcialmente provido. (TJ-DF 07017915920208079000 DF 0701791-59.2020.8.07.9000, Relator: ARNALDO CORRÊA SILVA, Data de Julgamento: 26/04/2021, Segunda Turma Recursal, Data de Publicação: Publicado no DJE: 05/05/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.)" (grifos nossos)

Assim, é certo que o Agravo de Instrumento deve ser conhecido e admitido como recurso legítimo no âmbito dos Juizados Especiais, mormente quando se verificam os riscos de grave lesão a direitos e que não estejam abrangidos, obviamente, pelo cabimento do Mandado de Segurança.

Lá atrás, Humberto Theodoro Júnior [4] (2010, p. 437) refletindo sobre a matéria concluiu que a despeito de a Lei dos Juizados Especiais ter sido silente no que toca às decisões interlocutórias, "isto não quer dizer que o agravo seja de todo incompatível com o Juizado Especial Cível". O doutrinador conclui seu pensamento ao afirmar que o processo judicial neste âmbito, nem sempre é tão singelo, de modo que "havendo risco de configurar-se a preclusão em prejuízo de uma das partes, caberá o recurso de agravo, por inovação supletiva do Código de Processo Civil".

O Artigo 5º, LV, da Constituição da República prevê o princípio da ampla defesa e do contraditório. Prevê ainda, que a lei não afastará da apreciação jurisdicional, lesão ou ameaça a direito. O Código de Processo Civil, na mesma esteira, consolida em seu artigo 3º este princípio.

Se em um dado momento este direito é violado e não há previsão de recurso legal, tem-se, portanto, a desobediência destes princípios constitucionais.

Neste ponto, volta-se, portanto à discussão de constitucionalidade da Resolução do Eg. TJ-DF. Ora, em que pese os novos entendimentos que, aos poucos vão modificando a estrutura da legislação, é certo, portanto, que não deve a resolução inovar sobre texto de lei.

Pode-se prever que o Recurso de Agravo de Instrumento finalmente será previsto no âmbito dos juizados especiais em matérias que evidenciem risco de perecimento de direitos e/ou graves lesões de reparação difícil ou impossível.

Todavia, para que este regramento passe a existir no direito de forma concreta e uniforme, necessária será a inclusão deste normativo de forma expressa na Lei dos Juizados Especiais, por meio de proposta de Lei. A previsão isolada pelos Tribunais no que tange à admissão de Agravo de Instrumento no âmbito dos Juizados Especiais representa invasão da competência do poder legislativo pelo poder judiciário.

Frisa-se, portanto, a necessidade de uniformização desse entendimento que somente ocorrerá por meio de lei. Trata-se de temática crítica, vez que alguns tribunais têm previsão da interposição do recurso de Agravo de Instrumento no procedimento especial, como é o caso do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e, tantos outros que não admitem, sendo este último o caso do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Em conclusão, é certo que as decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos juizados especiais continuarão tendo o seu caráter não preclusivo, as quais poderão continuar sendo objeto de recurso inominado. A construção legislativa abrangerá, portanto, decisões que possam causar dano irreparável ou de difícil reparação, casos estes em que, certamente, deverá ter seguimento o Recurso de Agravo de Instrumento.


Referências

BRASIL. Constituição Da República Federativa do Brasil de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituiçao.htm;

BRASIL. Código de Processo Civil (2015). Código de Processo Civil Brasileiro. Brasília, DF: Senado, 2015. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm;

BRASIL. Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995. Brasília, DF: Senado, 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm

BRASIL. Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001. Brasília, DF: Senado, 2001. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10259.htm

BRASIL. Lei nº 12.153, de 22 dezembro de 2009. Brasília, DF: Senado, 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12153.htm

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DF). Resolução 20 de 21/12/2021, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal – TJDFT, que aprova o Regimento Interno das turmas recursais, das Turmas Recursais Reunidas e da Turma de Uniformização de Jurisprudência dos juizados especiais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/publicacoes/regimentos/regimento-interno-das-turmas-recursais/ritrje-resolucao-20-2021-1.pdf. Acesso em: 28/7/2022.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DF). Agravo de Instrumento nº 0700686-23.2016.8.07.0000, relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, data de julgamento: 7/6/2016, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, data de publicação: 21/6/2016;

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DF). Agravo de Instrumento nº 0701791-59.2020.8.07.9000, relator: ARNALDO CORRÊA SILVA, data de julgamento: 26/04/2021, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF, data de publicação: 5/5/2021;

DIDIER JUNIOR., Fredie. Curso de direito processual civil. 6ª edição, Bahia: Jus Podivm, 2011;

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forense, 2010;

 


[1] DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. Volume 2, Teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão judicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. ed. Salvador: JusPODIVM, 2011. p. 285.

[2] AGI: 07006862320168070000, relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, data de publicação DJE: 21/6/2016

[3] AGI: 07017915920208079000, relator: ARNALDO CORREA SILVA, data de publicação: DJ: 5/5/2021

[4] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – procedimentos especiais. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 437

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