Prática Trabalhista

Assédio eleitoral nas relações de trabalho

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

13 de outubro de 2022, 8h00

Em tempos de eleição, indubitavelmente as questões e opiniões políticas poderão adentrar no meio ambiente de trabalho. Neste atual cenário, surge a preocupação quanto aos impactos advindos do processo eleitoral nas relações trabalhistas, em particular quanto à temática do assédio eleitoral.

Mas o que seria isso? Com a palavra, Nayana Shirado [1]:

"Para além da campanha eleitoral realizada no chão da fábrica ou no corpo a corpo do lado de fora, algumas candidaturas imbuídas do espírito de que para ser eleito vale tudo, lançam mão de condutas entre apoiadores e colaboradores, no ambiente de trabalho, que desequilibram a disputa eleitoral e beiram, no mínimo, à reprovação moral.

Trata-se da prática de assédio eleitoral no ambiente de trabalho ou assédio político, como também é conhecido o fenômeno que, embora mereça maior atenção da comunidade jurídica, por tangenciar o direito eleitoral, o direito administrativo e o direito do trabalho, não ensejou produção legislativa ou literatura específica até o presente momento, havendo esparsas menções nas atuações do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Assim, por se tratar de uma modalidade de assédio, pode-se afirmar que está associado à ideia de coagir, impor, pressionar o trabalhador, pouco importando o liame contratual (efetivo ou temporário), ou o tomador do serviço (entidade privada ou pública), com o objetivo de fazer aderir a determinados grupos políticos, obter-lhe voto e/ou apoio a candidatos no interesse do assediante, contra a vontade do assediado, ou ainda associado à conduta de fazer adotar determinadas posturas político-ideológicas contrárias às da vítima".

Nos últimos dias está sendo veiculado pela imprensa o crescimento das denúncias envolvendo o assédio eleitoral, cujos casos são objetos de investigação pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público do Trabalho [2].

Spacca
Aliás, o MPT divulgou recentemente a Recomendação 01/2022 com o intuito de orientar as empresas e empregadores sobre as consequências da prática do assédio eleitoral [3]. Segundo tal recomendação, deve-se coibir a prática de atos que concedam benefícios ou vantagem em troca de voto, assim como ameaças e constrangimentos aos trabalhadores para votar em determinada pessoa nas próximas eleições.

Bem por isso, uma vez constatado o abuso de poder patronal para que o(a) trabalhador(a) seja coagido(a), intimidado(a), ameaçado(a) ou influenciado(a) em seu voto, estaremos diante do assédio eleitoral. Caso seja comprovada a denúncia, a empresa poderá responder uma ação civil pública, assim poderá suportar o pagamento de uma indenização por danos morais.

No mesmo sentido, foi divulgada também uma nota técnica para a atuação do Ministério Público do Trabalho em face das denúncias sobre a prática de assédio eleitoral no âmbito do mundo do trabalho [4]. A título de exemplo, o MPT do Paraná, após o primeiro turno das eleições, já tinha recebido pelo menos 30 denúncias de assédio eleitoral [5].

Do ponto de vista normativo brasileiro, o Código Eleitoral define nos seus artigos 299 [6] e 301 [7] a prática de assédio eleitoral como crime, podendo, inclusive, resultar em pena de reclusão de até quatro anos. Não por outra razão qual algumas centrais sindicais estão produzindo material sobre o assédio eleitoral, com explicações sobre a legislação e informações de como proceder com as denúncias [8].

De fato, a liberdade de consciência, expressão e orientação política se traduz, a um só tempo, numa garantia e num direito fundamental, assegurados pela Carta Maior em seu artigo 5º, inciso VIII [9].

Por isso que a Resolução nº 23.610, de 18 de dezembro de 2019 [10], impede a circulação de material de campanha e propaganda eleitoral nas empresas. Ainda, a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 [11], estabelece as normas para as eleições, de modo que a referida legislação define o que é autorizado ou não em se tratando de propaganda eleitoral.

Já do ponto de vista internacional, a Convenção 111 da OIT veda a discriminação em matéria de emprego e ocupação, compreendendo, como distinção, aquela fundada em opinião política [12].

A título de exemplos, podem ser citadas algumas situações aptas a configurar o assédio eleitoral, tais como: promessas de pagamento de salários; chances de promoções; ameaças de demissão por causa da opção política, entre outras.

Em caso judicializado, a 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região condenou uma empresa ao pagamento de uma indenização por dano moral, vez que o dono da empresa teria induzido os empregados a votar em seu candidato [13]. Para a desembargadora relatora, o "modo de agir da empresa, conforme descrito pelas testemunhas e pela mídia juntada, implica em prática de ato ilícito pela ré, que atingiu a honra da reclamante; a ofensa causou dano moral que deve ser objeto de reparação" [14].

Claro está, portanto, que a empresa deve adotar todas as medidas efetivas a fim de coibir a prática do assédio eleitoral, pois, uma vez configurado, justifica até mesmo a rescisão indireta do contrato de trabalho. Afinal, o empregador deve zelar por um meio ambiente do trabalho seguro e saudável, de sorte a promover, através de políticas internas, orientações para se evitar campanhas e propagandas políticas no local de trabalho.

Em arremate, impende destacar que o poder diretivo do empregador não é absoluto, encontrando limitações, principalmente, quando colide com os direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores.

 


[4] Disponível em https://mpt.mp.br/pgt/noticias/nt-assedio-eleitoral.pdf. Acesso em 10/10/2022.

[6] Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita: Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

[7] Art. 301. Usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos: Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

[9] Art. 5º — Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei

[11] Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm. Acesso em 11/10/2022.

[12] Art. 1 — 1. Para os fins da presente convenção o termo "discriminação" compreende: a) toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão;

Autores

  • Brave

    é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Brave

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do Trabalho", da USP.

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