Remição da pena para além da positivação legal
9 de outubro de 2022, 17h02
Os Tribunais Superiores vêm admitindo a interpretação extensiva quanto às modalidades de remição da pena, quando esta for favorável ao apenado e, consequentemente, à sociedade. Admite-se, portanto, a realização de analogia in bonan partem para postular meios, não necessariamente positivados, de remir a pena (STJ, HC n° 312.486/SP), visando a sua finalidade primordial, qual seja a reintegração do apenado ao convívio social de forma harmônica.
Apresentaremos nesta reflexão formas de remição penal diversas do estudo e do trabalho, como a remição pelo esporte, a remição pelo artesanato, a remição por atividade em coral, a remição pela atividade de "auxiliar de plantão de galeria" e a remição pela leitura.
Remição pelo esporte
Rodrigo Roig [1] propõe algumas perspectivas para que haja a remição da pena pela prática desportiva, subdividindo-a em prática desportiva profissional, prática desportiva não profissional e a prática desportiva educacional. Quando se trata do desporto profissional, não há dúvidas que se configura uma espécie de trabalho e deverá servir como remição por meio dessa modalidade.
Já o desporto não profissional não apresenta previsão legal, mas proporciona benefícios à reintegração do preso à dinâmica social extramuros, além de beneficiar sua saúde e sua autoestima, realizando o preceito fundamental da dignidade da pessoa humana. Roig també postula que, em última instância, a prática esportiva apresenta cunho educativo, através da educação física, possibilitando, ainda, a remição nos moldes da remição por atividades educacionais.
Remição pelo artesanato
O STJ tem entendido pela viabilidade de remir a pena por meio do trabalho artesanal (STJ, EDcl no AgRg no REsp n° 1440061/GO), reiterando o ponto ressocializador da remição penal, manifestando não ser razoável o impedimento da remição por "atividade laboral de artesanato promovida e reconhecida pela própria administração do estabelecimento prisional, ao argumento de ausência de comprovação da supervisão e do cumprimento de jornada" (STJ, HC n° 534258/RS).
Destacou-se a possibilidade de se remir a pena por meio das múltiplas formas concebidas de trabalho, dentre elas o trabalho artesanal.
Remição por atividade em coral
Em sede de Recurso Especial, o STJ reconheceu o direito do recorrente em remir sua pena por conta de suas atividades desempenhadas no "Coral Decreto de Vida". Conforme a posição do Tribunal, as formas de remição têm como principal finalidade “incentivar o aprimoramento do reeducando, afastando-o, assim, do ócio e da prática de novos delitos, e, por outro lado, proporcionar condições para a harmônica integração social” (STJ, REsp n° 1666637/ES).
Além de proporcionar aos apenados experiências culturais, a participação em grupos musicais possibilita uma formação profissional. Para o STJ, a "atividade musical realizada pelo reeducando profissionaliza, qualifica e capacita o réu, afastando-o do crime e reintegrando-o na sociedade", sendo o principal argumento para justificar a remição da pena por atividade em coral (STJ, REsp n° 1666637/ES).
Remição pela atividade "auxiliar de plantão de galeria"
Reiteradamente reconhece o STJ a atividade de representante de galeria ou auxiliar de plantão de galeria como fator ensejador de remição penal, ainda que não tenha uma jornada de trabalho discriminada (STJ, REsp n° 1804266/RS).
Conforme o Tribunal, "não é razoável impedir o benefício por atividade laboral relevante à organização penitenciária promovida e reconhecida pela própria administração do estabelecimento prisional" ainda que "não comprovados a supervisão e o cumprimento de jornada" (STJ, AgRg no HC n° 534260/RS). Há que haver apenas o reconhecimento da referida atividade pelo estabelecimento prisional para que o direito de remir a pena se torne efetivo.
Remição penal pela leitura
A remição da pena pela leitura é uma realidade instaurada pela Portaria Conjunta n° 276/2012, do Departamento Penitenciário Nacional, com validade na seara do Sistema Penitenciário Federal, em que o apenado pode remir sua pena em até 4 dias a cada obra lida, mediante a apresentação de uma breve resenha ou comentário da obra lida. É franqueado ao condenado ler e resenhar 12 obras por ano, resultando em 48 dias disponíveis para serem remidos.
O STJ admite a remição da pena pela leitura, ampliando a possibilidade para além das penitenciárias federais, sob a ótica da interpretação da lei em benefício do apenado, e fundamentada no artigo 1°, inciso V, alínea "e" da Recomendação 44/2013 do CNJ [2].
Segundo o STJ, há que se fazer uma analogia in bonam partem tendo como referência a remição pelo estudo:
A possibilidade de remição de dias de pena por meio da leitura foi confirmada no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça, adotando a Corte o entendimento de que se trata de analogia in bonam partem da remição por estudo, expressamente prevista no artigo 126 da Lei de Execuções Penais. O simples fato de o estabelecimento prisional contar com oferta de trabalho e estudo não impede que a leitura seja fonte de remição de dias de pena. Com efeito, a Recomendação nº 44/13 do Conselho Nacional de Justiça, em seu artigo 1º, inciso V, limita-se a propor que os Tribunais estimulem a remição por leitura notadamente aos presos sem acesso a trabalho e estudo, não erigindo óbice a que tal prática também seja implementada em unidades penitenciárias que já oferecem as demais espécies de atividades ensejadoras de remição. (STJ, HC n° 349239/SP)
A remição pela leitura pode ser cumulada com as demais, como o estudo e o trabalho, justificando-se pelo direito dos presos de manter contato com o mundo extramuros, através da leitura e das informações, conforme o artigo 41, inciso XV, da LEP e da Regra 63 das novas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos [3].
[1] ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: Teoria Crítica. 5.ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021.
[2] Artigo 1°, V, "e" — procurar estabelecer, como critério objetivo, que o preso terá o prazo de 21 a 30 dias para a leitura da obra, apresentando ao final do período resenha a respeito do assunto, possibilitando, segundo critério legal de avaliação, a remição de quatro dias de sua pena e ao final de até 12 obras efetivamente lidas e avaliadas, a possibilidade de remir 48 dias, no prazo de 12 meses, de acordo com a capacidade gerencial da unidade prisional.
[3] ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: Teoria Crítica. 5.ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021.
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