Opinião

Por uma data para se defender a livre concorrência

Autor

  • Ricardo Inglez de Souza

    é advogado e vice-presidente da Comissão de Direito da Concorrência e Regulação Econômica da OAB/SP e do Conselho Administrativo do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência Consumo e Comércio Internacional (Ibrac).

8 de outubro de 2022, 6h06

No dia 8 de outubro de 2008, foi publicado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva o Decreto nº 11.779, que institui o Dia Nacional de Combate aos Cartéis. A escolha da data teria sido uma referência ao primeiro acordo de leniência celebrado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Muito se fez pelo combate aos cartéis no Brasil. A nossa autoridade de defesa da concorrência é reconhecida internacionalmente graças ao esforço que se iniciou com a gestão do presidente do Cade, Gesner Oliveira, passando pelos Secretários de Direito Econômico Daniel Goldberg e Mariana Tavares, pela atuação marcada de Ana Paula Martinez, até os dias atuais com  Alexandre Cordeiro e Alexandre Barreto conduzindo a política de defesa da concorrência no Brasil.

O cartel é uma prática que prejudica muito a dinâmica do mercado em detrimento aos interesses do consumidor e da coletividade. Isso porque significa que concorrentes estão combinando preços, condições comerciais, divisão de mercado, resultado de licitações e outros fatores que, sem o nefasto acordo, gerariam a incerteza que alimenta a concorrência.

O Cade vem combatendo os cartéis com multas severas. No setor de cimento a multa total aplicada foi de mais de R$ 3 bilhões e no de gases industriais a multa total também superou o patamar do bilhão.

Além disso, o Cade historicamente promove iniciativas para conscientizar as empresas. São ações em aeroportos, cartões postais enviados para líderes empresariais e diversas palestras e cursos e seminários realizados pelas autoridades brasileiras. Mas todas elas estão relacionadas somente com o combate aos cartéis. Reforçou-se esse foco de atuação com a instituição do Dia Nacional de Combate aos Cartéis.

Sem desmerecer em absolutamente nada todo o meritoso esforço feito pelo Cade, a provocação que se faz é questionar porque limitar aos carteis quando há outras práticas que podem ser prejudiciais à livre concorrência na mesma proporção. Há outras infrações à ordem econômica praticadas por empresas com muito poder de mercado, tais como a venda casada, que podem causar tanto dano aos cidadãos quanto o cartel.

Na verdade, o dano não está ligado à natureza da prática (cartel ou abuso de poder econômico), mas, sim, com o setor envolvido, com a estrutura do mercado, com o alcance da prática, entre outros fatores. Por exemplo, o que poderia ser mais nocivo à comunidade brasileira, um cartel de padarias de um bairro de Brasília ou a prática abusiva de uma grande empresa de bebidas que atingisse todo o território nacional?

A resposta parece intuitiva e não depende de muita ciência. Porém, o Brasil tem dedicado muito mais atenção e recursos da política de defesa da concorrência para o combate aos cartéis e relegado a um plano muito distante as iniciativas de combate às práticas abusivas de empresas que dominam determinados mercados.

Essa preferência gera distorções, ainda mais em uma economia tão concentrada e concentracionista como a brasileira. Não é de hoje que se observa a orientação de governos, das mais variadas orientações, no sentido de criar "campeões nacionais". Não por outra razão que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicou em relatório que o Brasil teve poucos casos de abuso de posição dominante desde 2011 e que deveria reforçar esse fronte com recursos dedicados e tentar produzir decisões pelo Tribunal para orientar a sociedade sobre os malefícios dessas práticas. O Cade inclusive já criou uma coordenação dedicada ao tema como sinal de que pretende seguir as orientações do organismo internacional.

Para que se estabeleça uma mais equilibrada aplicação dos esforços e recursos públicos dedicados à política de defesa e promoção da livre concorrência, é preciso trazer uma visão mais ampla e integrada sobre os problemas enfrentados.

Uma importante sinalização nesse sentido seria instituir nesta data, 8 de outubro, o Dia Nacional da Livre Concorrência. Com o foco no combate ao cartel aliado a políticas de repressão a abusos de empresas dominantes, seremos mais efetivos na melhoria do ambiente de negócios e da competitividade das empresas, com mais retorno à economia do país, gerando maior circulação de riqueza, mais emprego e renda.

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  • é advogado e vice-presidente da Comissão de Direito da Concorrência e Regulação Econômica da OAB/SP e do Conselho Administrativo do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (Ibrac).

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