Opinião

Escrita ruim, e não conceitos, torna difícil a compreensão da linguagem jurídica

Autor

  • Otávio Vilela

    é mestrando em Processo Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) pós-graduando em Agronegócios pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (USP/Esalq) pesquisador do grupo de pesquisa e extensão "Observatório do Judiciário" e advogado.

6 de outubro de 2022, 11h04

"Escrita ruim, e não conceitos especializados, torna difícil a compreensão da linguagem jurídica" [1]. Esse é o título da pesquisa vencedora do Prêmio IgNobel de literatura, no dia 15 de setembro. Os pesquisadores são dos departamentos de ciências cognitivas do MIT (EUA) e da Universidade de Edimburgo (UK).

O IgNobel, cujo lema é "fazer primeiro as pessoas rirem e depois pensarem", premia há mais de 30 anos estudos que atingem (direta ou indiretamente) resultados inusitados ou curiosos que contribuem para a ciência.

O objetivo da pesquisa, financiada pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts, foi identificar o que torna tão difícil a compreensão da linguagem jurídica, perpassando também em porque essa dificuldade permanece em um mundo tão contratualizado como o de hoje.

Os pesquisadores consideraram como parâmetros do estudo alguns recursos comumente associadas à dificuldade de compreensão dos textos jurídicos. São eles: (1) a inserção de frases dentro de frases; (2) o uso de palavras menos presentes na linguagem comum, que teriam sinônimos mais comuns; (3) o uso da voz passiva; e (4) o uso despadronizado de letras maiúsculas.

Eles então investigaram se esses recursos estariam mais presentes nos textos jurídicos do que em outros. Assim, compararam contratos com diversos outros tipos textuais [2] (todos nos EUA), confirmando a prevalência nos primeiros.

A partir desse resultado, a pesquisa buscou responder: (1) até que ponto a presença desses recursos impediria a compreensão ou a lembrança do texto jurídico; (2) se a deficiência do texto seria compensada pela experiência linguística; e (3) quais recursos seriam mais prejudiciais que os outros.

Para tanto, utilizaram previsões contratuais comuns, como disposições gerais, responsabilidades, garantias, eleição de foro e eleição de legislação, submetendo-as de duas formas para avaliação: (1) uma sem modificação, contendo os recursos possivelmente prejudiciais; e (2) outra modificada, com a simplificação do texto, preservando seu significado original.

A taxa de compreensão e de lembrança nos textos modificados (simplificados) foram respectivamente de 73.5% e 42.4%, enquanto nos textos não-modificados foram de 67.7% e 35.3%. Ou seja, em ambos os casos os textos não-modificados foram menos compreendidos e menos lembrados.

Apesar do senso comum de que a dificuldade de compreensão dos textos decorre da tecnicidade do Direito, os resultados indicam que essa dificuldade consiste nos termos utilizados e não na falta de familiaridade com seu significado. Por essas razões, os pesquisadores não se alinham com a teoria de que a linguagem jurídica seria construída sobre o domínio de termos técnicos.

Além disso, o estudo confirmou que os recursos mais prejudiciais são: (1) a incorporação de uma frase no meio de outra; (2) e o uso de palavras infrequentes na linguagem comum. Segundo uma das pesquisadoras em entrevista ao The Guardian: uma das piores tendências é a 'incorporação central', quando você pega duas frases e, ao invés de mantê-las separadas, você coloca uma dentro da outra [3].

Essa "incorporação central", segundo os pesquisadores, decorre de uma escrita ruim e forma sintaxes extensas demais e dependentes entre si, não sendo assimiladas pelo leitor em razão dos limites naturais de sua "memória de trabalho".

A sugestão para melhor compreensão dos contratos e dos demais textos jurídicos é simples: devemos torná-los mais acessíveis separando as frases e utilizando sinônimos de maior frequência na linguagem comum.

Medidas como essa teriam resultados para todos os leitores, desde aqueles com menor experiência linguísticas (usualmente de classes mais pobres, otimizando assim o acesso à justiça) até aqueles com maior experiência, que não deixaram de indicar taxas de dificuldade de compreensão dos textos jurídicos.

Outros apontamentos de relevância foram de que: (1) a utilização de letras maiúsculas não auxilia na compreensão e nem mesmo na lembrança; e (2) aqueles com menor experiência linguística têm uma taxa menor de compreensão, mas não são afetados em relação à taxa de lembrança.

Por fim, resta compreender por que os(as) advogados(as) escolhem escrever de tal forma. Os pesquisadores concluem que a medida não é necessária para manter a precisão na comunicação, tendo em vista que é possível simplifica-la sem perder a precisão. Assim, o motivo poderia ser a prioridade do escritor (tornando mais claros os trechos em que atribui maior importância) ou a "maldição do conhecimento" (em que não percebe a complexidade do texto para o leitor).

Apesar do objeto da pesquisa estar restrito aos EUA, pode-se pressupor que os resultados também se aplicam ao Brasil, na medida em que os recursos utilizados como parâmetros pelos pesquisadores também ocorrem por aqui.

No momento em que o visual law ganha cada vez mais espaço na prática do Direito, devemos reavaliar os recursos utilizados na linguagem jurídica e reafirmar o uso do visual law como técnica complementar do discurso, sob pena de enfraquecer sua utilidade e continuar tornando o Direito inacessível para a população.


[1] Assim como o título, as citações e termos foram traduzidos livremente pelo autor.

[2] Acadêmicos, ficções, revistas, jornais, TV/filmes, blogs, internet e fala.

[3] Disponível aqui. Acesso em 25 de set. de 2022.

Autores

  • Brave

    é graduado em Direito pela UFMG, pós-graduando em agronegócios pela USP/Esalq, membro do grupo de pesquisa e extensão no CNPq Observatório do Judiciário e advogado.

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