Opinião

Online betting e a cobrança do prêmio da aposta

Autor

  • Marcelo Dias Freitas Oliveira

    é advogado empresarial parecerista pós-graduado em Advocacia Cível especialista em Políticas Públicas e Controle Externo e em Direito Tributário e sócio do escritório Batalha & Oliveira.

4 de outubro de 2022, 11h07

Desde os anos da década de 1940 os brasileiros se deparam com a situação de dúvida quanto aos jogos de azar, principalmente pela incongruência do Estado ser liberado para gerir milhões em apostas. Nos dias mais atuais, crescente foi a participação do poker nessa discussão, relativamente ultrapassada na atualidade. Contudo, possivelmente o aparecimento de diversos sites de apostas online, miradas nos esportes mais populares dos países, seja o atual desafio dos operadores do Direito.

Recente legislação federal foi bastante comemorada por aqueles que aderiram às apostas digitais, e há uma esperança que o governo federal "libere" a modalidade de forma ampla. A adesão é ampla, inclusive, pelos entusiastas dos "e-Sports".

Não entendemos dessa forma.

Com efeito, percebemos uma enxurrada avassaladora de sites que permitem aos brasileiros, assim como pessoas de outras nacionalidades, apostarem em resultados de partidas dos jogos, desde o popular futebol "de campo", futebol "americano", rugby, beisebol, basquete e por aí vai. Mas a pergunta fica: é lícito efetuar contratos de apostas no Brasil?

A resposta é positiva! O fato de apostar em si não é proibido por Lei, o que, pelo princípio da legalidade (artigo 5º da Constituição  de 1988) permite ao brasileiro efetuar as apostas em si.

O problema reside, entretanto, na parte mais benéfica do trato, ou seja, no recebimento do valor do prêmio em caso de vencer a aposta ocorrida pois há expressa vedação legal quanto à cobrança judicial de valores de jogos e apostas. O artigo 814 do Código Civil vigente assim dita: "As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento".

Em outras palavras, não haveria Eficácia nos planos Ponteanos, pois se vê que podem existir e são válidos tais negócios, eis que se pode receber licitamente a dívida, que, neste caso, não poderia ser repetida, conforme a parte final do mesmo artigo 814: "mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito".

Necessário se mencionar que não é lícito "estabelecer ou explorar" os jogos de azar no Brasil, pois há vedação da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688/1941).

Na linha, eram conceituados como "jogos de azar" aqueles que se enquadrassem no §33º do artigo 50 da citada norma das contravenções, a saber: "a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte; b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas; c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva".

Alguns têm sustentado que a modificação da "destinação dos recursos das loterias" teria revogado tacitamente o conceito de jogo de azar, o que, por seu turno validaria a exploração dos betting sites no território brasileiro, entendimento do qual não compartilhamos.

Em resumo, fundamentam tal entendimento pelo fato de que há modalidade lotérica que abarca prognósticos esportivos, o que incluiria qualquer desporto e, ainda, o esporte eletrônico (E-Sport).

A redação atual abarca como loteria, portanto, "IV – loteria de prognósticos esportivos: loteria em que o apostador tenta prever o resultado de eventos esportivos;".

Entretanto, a leitura é equivocada no sentido de revogação tácita, pois no Brasil sempre se teve que a Loteria autorizada, gerida pelo Poder Público, é uma exceção à regra das contravenções penais, mesmo que seja hipótese de "jogo de azar", como é a Loteria Federal. Inclusive o Supremo teve oportunidade de se tratar rapidamente do assunto de "antinomia", na lavra do excelentíssimo ministro Marco Aurélio Mello (CR 9970/EU): "A antinomia, na hipótese, é flagrante: a proibição de antigamente contrasta com a habitualidade dos jogos patrocinados pela Administração Pública".

Ou seja, não há liberação ou legalização da exploração de apostas por meio da Lei 13.756/2021, no citado artigo 14, §1º. O que fez o legislador, a bem da verdade, foi excetuar à Loteria Federal a possibilidade de criar aposta lícita no âmbito dos esportes, do qual se concorda que adentram os E-Sports, sem dúvida neste último. Assim, é possível que sobrevenha Loteria Estatal, mas não estabelecimento particular de apostas em esportes eletrônicos.

Superada a questão, remanescem na zona gris os sites de apostas, eis que, como dito, é possível que os brasileiros lá joguem contra o azar, mas que não poderiam existir no território nacional.

A manobra utilizada para a existência de tais sites e aplicativos é existir fora do território nacional, ou seja, fogem da aplicação da Lei das Contravenções Penais ao se estabelecer, ou melhor, estabelecer seus "servidores" em países que legalizam a prática de apostas. Tal jogada não é ilícita, mas pode ferir a moral de alguns.

Assim sendo, o apostador brasileiro, ao efetuar aposta nestes sites "estrangeiros", contrata com aqueles na forma da Lei estrangeira, e não a brasileira, sendo que ficaria adstrito às condições do local do servidor do site.

A situação, portanto, fica um tanto quanto complexa: o brasileiro, de dentro do território, aposta e contrato com site estrangeiro, que tem servidores em outros países, nos quais é lícita a exploração dos jogos de azar, cabendo a Lei do país ditar regras de legalidade de cada tipo de aposta.

Então, se ganhar, e o prêmio não for pago, seria possível cobrar dívida constituída pelo contrato que seria ilícito se entabulado no Brasil? Também entendemos que sim, mas não em todas as situações.

Isso porque o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento relativamente recente sobre a possibilidade de se cobrar dívida de apostas, mas, tão somente, se tiver ocorrido no exterior e em regularidade com a Lei local. O entendimento é de relatoria do ministro Villas Boas Cueva (Resp 1.628.974  SP) e se ampara na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (Lindb).

A solução daquele caso foi interessante e se pautou pelo fato de que no estado de Nevada, de onde provinha a dívida de apostas, é plenamente lícita a cobrança da mesma, eis que lícita em si era a aposta. Contudo, é necessário que se comprove efetivamente que o apostador é vencedor (ou perdedor, no caso concreto) e se permita a dilação probatória na discussão, a fim de se evitar enriquecimento ilícito do credor.

Reversamente, pelo entendimento atual da Corte da Cidadania, se a aposta for feita em território onde ela não é permitida originariamente, não se poderia invocar o Direito Estrangeiro para cobrá-la e, igualmente, seria impossível a sua cobrança judicial no Brasil, posto que afrontaria os costumes e a ordem pública de ambos os países.

Alguns cuidados exsurgem, portanto, caso se queira intentar o jogo de azar em país estrangeiro, como, por exemplo, 1) verificar se no local é lícito apostar; 2) constatar se a licitude da aposta abarca o evento ou jogo intentado; 3) investigar se o site é confiável e paga demais ganhadores; 4) se é possível visualizar boa-fé e lisura nas operações; 5) verificar se há histórico de ganhadores que precisaram ir às vias judiciais, entre outras.

Cuidado, pois a via reversa é verdadeira, ou seja, pode-se cobrar do apostador aquela quantia que não pagar pela aposta perdida, respeitadas as mesmas premissas acima expostas. Em qualquer caso, os custos judiciais, e possivelmente dos profissionais, seria maior do que um caso de cobrança "comum".

Haja vista a volumosa procura, talvez estejamos no fim de uma era, em que a sociedade já não mais entende como "violação" dos bons costumes e da moral o fato de se apostar, seja em jogo de azar, seja no seu time favorito, seja por esporte ou seja por cálculo estatístico e probabilístico, cabendo ao Congresso modificar e permitir essa prática em solo nacional, caso seja a real vontade soberana da sociedade brasileira.

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