Lentidão e impunidade

Corte IDH condena Brasil por falha na apuração de homicídio de advogado

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4 de outubro de 2022, 20h08

O Estado tem a obrigação de proteger os defensores dos direitos humanos, bem como investigar casos de violência contra eles. Esse foi o entendimento adotado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos ao condenar o Brasil pela inércia para apurar o homicídio de Gabriel Sales Pimenta, advogado do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Marabá (PA), ocorrido em 1982. A ação penal foi arquivada em razão da prescrição.

Gustavo Lima/STJ
Corte Interamericana de Direitos
Humanos concluiu que o Brasil foi omisso 
Gustavo Lima/STJ

Pimenta tinha 27 anos quando foi assassinado. No começo dos anos 80, atuava como advogado do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Marabá e como representante da Comissão Pastoral da Terra, por meio da qual oferecia assessoria jurídica a trabalhadores rurais. Além disso, ele foi fundador da Associação Nacional de Advogados dos Trabalhadores na Agricultura, participando ativamente de movimentos sociais na região.

Em 18 de julho de 1982, o advogado recebeu três disparos de arma de fogo quando, acompanhado de amigos, saía de um bar da cidade de Marabá, no sul do Pará, e morreu instantaneamente. No dia seguinte, começaram as investigações.

Quatro dias depois do crime, o delegado responsável pelo inquérito identificou duas pessoas como as autoras do homicídio. Posteriormente, chegou-se a um terceiro suposto culpado. Em agosto de 1983, o Ministério Público ofereceu a denúncia penal contra as três pessoas por homicídio qualificado. 

Em novembro de 1999, o Ministério Público solicitou a extinção da responsabilidade penal de um dos acusados, em virtude de sua morte, a qual foi decretada em agosto de 2000, juntamente com a improcedência da denúncia contra outro dos suspeitos, por falta de provas. Assim, restou apenas um réu. O julgamento no Tribunal do Júri foi marcado para o dia 23 de maio de 2002, mas não ocorreu porque o réu não foi localizado.

Em 6 de março de 2006, o acusado informou que estava residindo em Brumado (BA). No mês seguinte, a Polícia Federal conseguiu cumprir a ordem de prisão preventiva. Assim, foi marcado o julgamento para o dia 27 de abril. Porém, no dia 10 os advogados do acusado impetraram um Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do Pará para pedir que se decretasse a prisão domiciliar ou a extinção da responsabilidade penal com base na prescrição.

O Ministério Público se manifestou a favor da prescrição, mas em 2 de maio o pedido de extinção da responsabilidade penal foi negado pelo juiz de primeira instância da Vara Penal de Marabá. Seis dias depois, no entanto, as Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça do Pará declararam extinta a punibilidade.

Em junho de 2007, Rafael Sales Pimenta, irmão de Gabriel Pimenta, apresentou ao Conselho Nacional de Justiça uma reclamação por excesso de prazo no processo. Porém, em setembro de 2008 essa reclamação foi arquivada por perda de objeto, já que a ação penal havia sido extinta com a prescrição. Cinco meses depois, a mãe de Gabriel Pimenta, Maria da Glória Sales Pimenta, ajuizou uma ação de indenização contra o estado do Pará por danos morais resultantes da demora na tramitação do processo penal, e a consequente impunidade dos assassinos de seu filho. Ela, porém, não teve sucesso.

Em sua sentença, a Corte IDH sustentou que faltou ao Brasil o devido interesse para processar e punir os responsáveis pelo homicídio de Gabriel Sales Pimenta, apesar da identificação de três suspeitos e da existência de duas testemunhas oculares, além de outros meios de prova que se encontravam à disposição das autoridades desde o início.

Além disso, a corte concluiu que o caso está inserido em um contexto de impunidade que abrange ameaças, homicídios e outras violações de direitos humanos contra os trabalhadores rurais e seus defensores no estado do Pará. O tribunal argumentou ainda que a grave negligência dos operadores judiciais na tramitação do processo penal, que permitiu a ocorrência da prescrição, foi o fator determinante para que o caso permanecesse em uma situação de absoluta impunidade.

A corte destacou que o trabalho das defensoras e dos defensores dos direitos humanos é fundamental para o fortalecimento da democracia e do Estado de Direito. E indicou a necessidade de erradicar a impunidade em atos de violência cometidos contra essas pessoas, pois trata-se de elemento fundamental para garantir que possam fazer livremente o seu trabalho, em um ambiente seguro.

Em razão dessas violações todas, a Corte IDH decidiu que algumas medidas de reparação devem ser tomadas: 1) criação de um grupo de trabalho com a finalidade de identificar as causas e circunstâncias geradoras da impunidade e elaborar linhas de ação que permitam superá-las; 2) publicação do resumo oficial da sentença no Diário Oficial da União, no Diário Oficial do Estado do Pará e em um jornal de grande circulação nacional, assim como a íntegra da decisão nos sites do governo federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário do estado do Pará; 3) organização de um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional em relação ao caso; 4) criação de um espaço público de memória na cidade de Belo Horizonte, no qual seja valorizado, protegido e resguardado o ativismo das pessoas defensoras de direitos humanos no Brasil, como Gabriel Sales Pimenta; 5) criação e implementação de um protocolo para a investigação dos delitos cometidos contra pessoas defensoras de direitos humanos; 6) revisão e adequação dos mecanismos de proteção já existentes, em particular o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas, nos âmbitos federal e estadual, para que seja previsto e regulamentado por meio de uma lei ordinária e tenha em consideração os riscos inerentes à atividade de defesa dos direitos humanos; e 6) pagamento das quantias fixadas na sentença a título de dano material, imaterial, custas e gastos.

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