Agora com a nova ministra Ketanji Brown Jackson (KBJ), que tomou posse na última sexta-feira (30/9), a Suprema Corte dos EUA inicia, nesta segunda-feira, o ano judicial 2022/2023, que promete mais polêmicas, envolvendo sérias questões raciais, eleitorais e ambientais, entre outras — tal como aconteceu no ano judicial 2020/2021.
Outra novidade é a de que o nível de confiança da população na Suprema Corte é o mais baixo desde 1972, quando o instituto Gallup começou a medir esse fator. É um dado desagradável, mas que parece não incomodar os ministros da maioria conservadora da instituição. Eles argumentam, simplesmente, que as decisões judiciais não têm de agradar a todos.
Mas se incomodam com as acusações de que a corte vem perdendo legitimidade — acusações que, segundo os críticos, derivam do fato de que a corte vem tomando, seguidamente, decisões baseadas nas ideologias político-partidárias dos ministros e não exatamente na lei. Isso incluiria a reversão de precedentes consagrados, para atingir esse fim.
No final das contas, o cheiro de ideologia partidária se junta à impopularidade das decisões. No ano judicial passado, por exemplo, a corte reverteu um precedente de quase 50 anos (Roe v. Wade), que legalizou o aborto em todo o país. Cerca de dois terços da população é a favor do direito ao aborto.
Além disso, a corte relaxou ainda mais o fraco controle da posse e porte de arma no país, limitou substancialmente o poder da Environmental Protection Agency (EPA — o órgão do meio ambiente dos EUA) de tomar medidas de combate à crise do clima, e favoreceu grupos religiosos em diversas decisões, enfraquecendo o "muro de separação igreja-estado".
No novo ano judicial, a corte poderá "adicionar injúria ao insulto" (para usar uma expressão popular no país: "to add injury to insult") — ou tornar as coisas ainda piores. Há alguns casos na pauta da corte, mas o mais preocupante se refere ao processo democrático-eleitoral: a corte vai julgar o caso Moore v. Harper, em que políticos republicanos pedem a validação da "doutrina do Legislativo Estadual Independente".
De acordo com essa doutrina, a autoridade para estabelecer regras e resolver questões eleitorais decisivas é do Legislativo estadual, não do Judiciário. Assim, o Legislativo pode, por exemplo, desenhar os mapas dos distritos eleitorais do estado como quiser, mesmo que isso favoreça claramente o partido que tem maioria na Assembleia — e não cabe à justiça aprovar ou rejeitar esse mapa.
A implicação mais grave essa doutrina, é a de que os legislativos estaduais podem reverter o resultado das eleições presidenciais no estado, para favorecer o partido que controla a assembleia.
Pelo atual sistema, o partido que vence a eleição presidencial no estado, pelo voto popular, tem o direito de escolher o grupo de delegados (que cabe a cada estado) para compor o Colégio Eleitoral que irá eleger o presidente.
Mas, de acordo com essa doutrina, as assembleias legislativas dos estados têm pleno e exclusivo poder para conduzir as eleições federais. E, se houver qualquer suspeita de fraude ou dúvida sobre a integridade da eleição (falsa ou verdadeira), a assembleia legislativa pode invalidar o voto popular e, ela mesma, escolher os delegados que irão ao Colégio Eleitoral — no caso, delegados do partido que controla a assembleia.
A proposta é tão assustadora que os presidentes dos tribunais superiores dos 50 estados, que compõe a "Conference of Chief Justices", protocolaram um amicus brief bipartidário na Suprema Corte, pedindo aos ministros que rejeitem o pedido dos políticos republicanos.
A Suprema Corte poderia ter matado a ação no nascedouro, negando-lhe writ of certiorari, o que equivaleria a rejeitar o caso. Mas não o fez. E quatro ministros dos seis conservadores (Clarence Thomas, Samuel Alito, Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh) já declararam que a questão do legislativo estadual independente é de importância excepcional para as eleições nacionais e que a corte deve decidir o caso a tempo para as eleições presidenciais de 2024.
Já na próxima terça-feira, a Suprema Corte começa a decidir outro caso eleitoral. Irá realizar a primeira audiência do caso Merrill v. Milligan, que envolve o desenho do mapa distrital no estado do Alabama, que um tribunal de recursos federal já decidiu que é racialmente discriminatório (ou racial gerrymandering).
O mapa, criado por parlamentares republicanos do estado, dará aos eleitores negros o poder de eleger apenas um deputado federal afro-americano, enquanto os eleitores brancos conseguirão eleger os outros seis deputados federais do estado — apesar de a comunidade negra representar um quarto da população do Alabama.
Esse não será o único caso racial que a nova ministra, cujos pais tiveram de fugir do Sul para o Norte do país para escapar da segregação racial, terá de julgar. Em 31 de outubro, a corte vai julgar dois casos paralelos relacionados a cota racial.
Em um deles, estudantes que querem ingressar na Universidade de Harvard se queixam de que tal política discrimina contra americanos-asiáticos. O outro se refere à Universidade da Carolina do Norte, acusada de dar preferência a estudantes negros, latinos e nativo-americanos, em prejuízo de brancos e asiáticos.
Já nesta segunda-feira, a nova ministra irá participar da primeira audiência do novo ano judicial. A corte vai julgar o caso Sackett v. EPA, que tem o potencial de enfraquecer o poder do órgão de manter intactos, como tem feito, os padrões de água limpa no país.
Espera-se também da ministra que, como ex-defensora pública e ex-integrante da Comissão de Sentenças dos Estados Unidos, irá levar conhecimentos particulares sobre Direito Penal e sobre a política legal de sentenças para a corte e "educar" um pouco mais seus colegas em justiça criminal. Com informações do Washington Post, The Guardian, USA Today e CNBC.