Mais polêmicas à vista

Suprema Corte dos EUA inicia ano judicial 2022/2023 nesta segunda-feira

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3 de outubro de 2022, 8h48

Agora com a nova ministra Ketanji Brown Jackson (KBJ), que tomou posse na última sexta-feira (30/9), a Suprema Corte dos EUA inicia, nesta segunda-feira, o ano judicial 2022/2023, que promete mais polêmicas, envolvendo sérias questões raciais, eleitorais e ambientais, entre outras — tal como aconteceu no ano judicial 2020/2021.

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De novidades, além da presença da primeira ministra negra em seus 233 anos de história, a corte promete reabrir as portas da sala de audiências ao público e transmitir ao vivo, por áudio apenas (porque a corte ainda rejeita as câmeras), todas as audiências. Qualquer pessoa, de qualquer lugar, poderá clicar em um link na homepage do website da Suprema Corte (supremecourt.gov), para ouvir os debates do dia.

Outra novidade é a de que o nível de confiança da população na Suprema Corte é o mais baixo desde 1972, quando o instituto Gallup começou a medir esse fator. É um dado desagradável, mas que parece não incomodar os ministros da maioria conservadora da instituição. Eles argumentam, simplesmente, que as decisões judiciais não têm de agradar a todos.

Mas se incomodam com as acusações de que a corte vem perdendo legitimidade — acusações que, segundo os críticos, derivam do fato de que a corte vem tomando, seguidamente, decisões baseadas nas ideologias político-partidárias dos ministros e não exatamente na lei. Isso incluiria a reversão de precedentes consagrados, para atingir esse fim.

No final das contas, o cheiro de ideologia partidária se junta à impopularidade das decisões. No ano judicial passado, por exemplo, a corte reverteu um precedente de quase 50 anos (Roe v. Wade), que legalizou o aborto em todo o país. Cerca de dois terços da população é a favor do direito ao aborto.

Além disso, a corte relaxou ainda mais o fraco controle da posse e porte de arma no país, limitou substancialmente o poder da Environmental Protection Agency (EPA — o órgão do meio ambiente dos EUA) de tomar medidas de combate à crise do clima, e favoreceu grupos religiosos em diversas decisões, enfraquecendo o "muro de separação igreja-estado".

No novo ano judicial, a corte poderá "adicionar injúria ao insulto" (para usar uma expressão popular no país: "to add injury to insult") — ou tornar as coisas ainda piores. Há alguns casos na pauta da corte, mas o mais preocupante se refere ao processo democrático-eleitoral: a corte vai julgar o caso Moore v. Harper, em que políticos republicanos pedem a validação da "doutrina do Legislativo Estadual Independente".

De acordo com essa doutrina, a autoridade para estabelecer regras e resolver questões eleitorais decisivas é do Legislativo estadual, não do Judiciário. Assim, o Legislativo pode, por exemplo, desenhar os mapas dos distritos eleitorais do estado como quiser, mesmo que isso favoreça claramente o partido que tem maioria na Assembleia — e não cabe à justiça aprovar ou rejeitar esse mapa.

A implicação mais grave essa doutrina, é a de que os legislativos estaduais podem reverter o resultado das eleições presidenciais no estado, para favorecer o partido que controla a assembleia.

Pelo atual sistema, o partido que vence a eleição presidencial no estado, pelo voto popular, tem o direito de escolher o grupo de delegados (que cabe a cada estado) para compor o Colégio Eleitoral que irá eleger o presidente.

Mas, de acordo com essa doutrina, as assembleias legislativas dos estados têm pleno e exclusivo poder para conduzir as eleições federais. E, se houver qualquer suspeita de fraude ou dúvida sobre a integridade da eleição (falsa ou verdadeira), a assembleia legislativa pode invalidar o voto popular e, ela mesma, escolher os delegados que irão ao Colégio Eleitoral — no caso, delegados do partido que controla a assembleia.

A proposta é tão assustadora que os presidentes dos tribunais superiores dos 50 estados, que compõe a "Conference of Chief Justices", protocolaram um amicus brief bipartidário na Suprema Corte, pedindo aos ministros que rejeitem o pedido dos políticos republicanos.

A Suprema Corte poderia ter matado a ação no nascedouro, negando-lhe writ of certiorari, o que equivaleria a rejeitar o caso. Mas não o fez. E quatro ministros dos seis conservadores (Clarence Thomas, Samuel Alito, Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh) já declararam que a questão do legislativo estadual independente é de importância excepcional para as eleições nacionais e que a corte deve decidir o caso a tempo para as eleições presidenciais de 2024.

Já na próxima terça-feira, a Suprema Corte começa a decidir outro caso eleitoral. Irá realizar a primeira audiência do caso Merrill v. Milligan, que envolve o desenho do mapa distrital no estado do Alabama, que um tribunal de recursos federal já decidiu que é racialmente discriminatório (ou racial gerrymandering).

O mapa, criado por parlamentares republicanos do estado, dará aos eleitores negros o poder de eleger apenas um deputado federal afro-americano, enquanto os eleitores brancos conseguirão eleger os outros seis deputados federais do estado — apesar de a comunidade negra representar um quarto da população do Alabama.

Esse não será o único caso racial que a nova ministra, cujos pais tiveram de fugir do Sul para o Norte do país para escapar da segregação racial, terá de julgar. Em 31 de outubro, a corte vai julgar dois casos paralelos relacionados a cota racial.

Em um deles, estudantes que querem ingressar na Universidade de Harvard se queixam de que tal política discrimina contra americanos-asiáticos. O outro se refere à Universidade da Carolina do Norte, acusada de dar preferência a estudantes negros, latinos e nativo-americanos, em prejuízo de brancos e asiáticos.

Já nesta segunda-feira, a nova ministra irá participar da primeira audiência do novo ano judicial. A corte vai julgar o caso Sackett v. EPA, que tem o potencial de enfraquecer o poder do órgão de manter intactos, como tem feito, os padrões de água limpa no país.

Espera-se também da ministra que, como ex-defensora pública e ex-integrante da Comissão de Sentenças dos Estados Unidos, irá levar conhecimentos particulares sobre Direito Penal e sobre a política legal de sentenças para a corte e "educar" um pouco mais seus colegas em justiça criminal. Com informações do Washington Post, The Guardian, USA Today e CNBC.

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