Opinião

Mensuração econômica para indenização do dano ambiental

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3 de outubro de 2022, 20h38

Há mais de quatro décadas, foi editada a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), pioneira na previsão nacional de dispositivos voltados à preservação do meio ambiente e à responsabilização daqueles que contribuíssem com o agravamento da qualidade ambiental. A despeito de há tanto tempo estar inserida no âmbito das preocupações constitucionais e ser alvo de proteção legislativa, alguns temas imprescindíveis para a tutela ambiental ainda não alcançaram o grau de maturidade necessário à consecução das finalidades almejadas pela lei.

Entre os desafios enfrentados para a implementação dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente segundo os ditames da legalidade e segurança jurídica, vem ganhando destaque, em decorrência de sua alta complexidade, a questão da reparação do dano ambiental e sua adequada extensão, especialmente em hipóteses nas quais o prejuízo ao meio ambiente assume condição irrecuperável e, então, a obrigação de promover as medidas reparatórias é convertida em dever de se efetuar pagamento de indenização pecuniária pela lesão provocada.

Em 2021, o Conselho Nacional do Ministério Público publicou estudo intitulado "Diretrizes para Valoração de Danos Ambientais" [1], no qual propõe critérios a serem observados pelas áreas técnica e jurídica no arbitramento da indenização pecuniária pelo dano ambiental. O estudo apresenta um compêndio de metodologias conhecidas para a valoração de recursos naturais e serviços ecossistêmicos, bem como aborda a perspectiva do Ministério Público a respeito de qual seria o método mais adequado para mensurar as tipologias de dano ambiental tratadas no documento: poluição de corpos hídricos ou do solo, dano ao patrimônio cultural, dano à fauna silvestre, danos ambientais causados por loteamentos irregulares e danos ambientais decorrentes de mineração.

Conquanto fosse o propósito do documento dotar a discussão de maior objetividade, a abordagem notoriamente ampla do conceito de dano ambiental – que, de acordo com o estudo, seria composto por múltiplas dimensões: dano à qualidade ambiental, danos interinos/lucros cessantes ambientais, danos residuais, danos morais coletivos e danos sociais – acaba por repercutir em questões doutrinárias polêmicas (e.g., o não cabimento da figura do punitive damages no Direito brasileiro) e, assim, reforça a natureza também polêmica desta discussão.

Nesse contexto, a mensuração econômica do dano ambiental que precede a fixação do valor indenizatório representa uma das temáticas mais áridas enfrentadas por profissionais do ramo e por aqueles envolvidos em disputas judiciais que discutem prejuízos causados ao meio ambiente. Os procedimentos de conversão do dano ambiental em valores monetários ainda são fonte de grande incerteza e insegurança, o que atrai a necessidade da revisão dos modelos atualmente praticados em perícias judiciais ambientais e a regulamentação de diretrizes ou metodologias específicas e condizentes com os propósitos previstos pela legislação ambiental.

O dano ambiental consiste na lesão a um dado bem natural e nas consequências a ela inerentes, que derivam da ruptura comumente provocada sobre o frágil equilíbrio ecossistêmico a partir do efeito negativo causado a um de seus elementos. Logo, considera-se que dano ambiental não se resume à prática poluidora ou à degradação da paisagem, mas abrange, em sua definição, o ato de perturbar, sem justificativa ou autorização estatal para tanto, a harmonia das interações ecológicas, gerando efeitos negativos sobre os recursos ambientais ou sobre o patrimônio ambiental em si.

No Brasil, rege a sistemática da reparação integral como reação jurídica à danosidade ambiental. Reparar um prejuízo integralmente é restituí-lo à sua condição original. É reconduzir o estado das coisas ao momento que antecedia a intervenção negativa provocada pelo agente causador do dano. Diante disso, a restauração in natura do bem ambiental prejudicado é, por excelência, a forma de reparação a ser sempre buscada.

Por suas características próprias, o dano ambiental, per se, é de difícil — e, por vezes, impossível — restauração in natura completa. O equilíbrio da maior parte dos ecossistemas repousa sob uma dinâmica frágil que, uma vez perturbada, nem sempre é capaz de retornar à sua condição primária apenas mediante a substituição do recurso natural afetado.

Também por essa razão, tem se tornado cada vez mais comum que as sentenças em litígios que versam sobre danos ambientais imponham condenações reparatórias em formatos híbridos, contemplando tanto a condenação do responsável pelo dano ambiental na obrigação de promover a reparação in natura quanto a condenação em efetuar o pagamento de indenização pecuniária.

É precisamente na fase pericial de quantificação do montante da indenização devida pelos mencionados "danos irrecuperáveis" em que reside o problema da mensuração econômica do dano ambiental. Tal apuração é feita, via de regra, durante o estágio processual de liquidação de sentença, no qual há nomeação de um perito judicial que assume o encargo de efetuar os levantamentos pertinentes e, também, mensurar, em pecúnia, qual a indenização compatível com o dano ambiental provocado.

Em se tratando de atividade que assume como premissa a atribuição de cifra econômica a bens que, em geral, não possuem valor de mercado ou outros elementos econômicos comparativos, a tarefa de definir a quantia devida revela-se complexa e pouco precisa. Tal cenário é ainda agravado pelo silêncio da legislação ambiental ou pela ausência de normas regulamentadoras a respeito de parâmetros quantitativos para o dano ambiental.

Sem uma disciplina jurídica bem estruturada sobre o tema, aqueles encarregados de mensurar o valor da indenização pelo dano ambiental acabam por recorrer a metodologias desenvolvidas pelas disciplinas da Economia Ambiental e Economia Ecológica, que, dados os fins para que foram concebidas, amparam-se nas lições da teoria econômica neoclássica e no conceito do valor-utilidade (i.e., o valor monetário de um recurso como a representação da satisfação proporcionada àquele que o consome).

Possuem, portanto, uma percepção eminentemente mercadológica sobre os recursos ambientais que propõem valorar, sem a preocupação ou tratamento do patrimônio ambiental como bem jurídico propriamente dito. Consequentemente, é de se verificar certa incompatibilidade entre as metodologias de valoração usualmente utilizadas para a liquidação de indenizações por danos ambientais e a tutela jurídica do Direito Ambiental como uma ciência ecocêntrica que sofre influências outras que vão além da lógica das transações feitas no livre comércio.

Além do problema relacionado à falta de identidade entre o propósito da valoração do recurso ambiental segundo as metodologias extraídas das ciências da economia ambiental e ecológica e o propósito da valoração da indenização por uma lesão ao patrimônio ambiental que se tornou irrecuperável, também merece atenção o fato de que as fórmulas aplicadas para encontrar o valor da indenização possuem variáveis cujo dimensionamento envolve um alto grau de subjetividade do seu operador.

Com efeito, a métrica mais utilizada para calcular o valor do dano ambiental no Brasil é aquela proposta na ABNT NBR 14653-6:2008, na qual o valor econômico de um recurso ambiental é o resultado da soma dos seus possíveis valores de uso [2] (i.e., Valor Econômico do Recurso Ambiental = Valor de Uso Direto + Valor de Uso Indireto + Valor de Opção + Valor de Existência; ou "VERA = VUD + VUI + VO + VE").

Ocorre que os "valores de uso" que integram a fórmula responsável por exprimir em moeda a indenização do dano ambiental não possuem metodologias fixas para sua identificação, ficando à discricionariedade daquele que a utiliza optar pela metodologia que julgar adequada. Não obstante, não se pode ignorar as falhas inerentes à própria sistemática das metodologias recomendadas na norma técnica para a apuração dos valores de uso, na medida em que, além de muitas vezes fundarem-se em modelos absolutamente hipotéticos que não se coadunam com os limites legais do que pode ser considerado indenizável (perdas hipotéticas não ensejam reparação no ordenamento brasileiro), elas também demandam, consoante o que afirma a própria NBR 14653-6:2008, a existência de uma "ampla disponibilidade de dados (ambientais e econômicos) e o aporte de modelos estatísticos e econométricos", elementos raramente disponíveis no contexto da esmagadora maioria das perícias judiciais.

Métricas inadequadas, critérios subjetivos e inexistência de lei ou regulamento oficial sobre o tema são realidades determinantes no contexto da valoração do dano ambiental, fato que torna tais procedimentos altamente imprecisos e pouco confiáveis, mesmo que conduzidos sob a supervisão do Poder Judiciário. Como é presumível, a aplicação de metodologias complexas sem dados suficientes para a sua correta performance e a contaminação da avaliação por técnicas de aproximações ou percepções subjetivas do avaliador quanto a certas variáveis levam ao arbitramento de indenizações fundamentalmente aleatórias.

Os resultados obtidos a partir dos métodos preconizados na citada norma técnica ou em outras fórmulas correlatas não raras vezes apresentam valores indenizatórios absolutamente desproporcionais quando confrontados com o dano efetivamente experimentado. As partes interessadas, a quem compete discutir a produção da prova, dificilmente conseguem debater em posição de igualdade a quantificação realizada ou reconduzi-la a patamares compatíveis com o dano ambiental verificado, não por falta de expertise, mas dada a subjetividade e as distorções que permeiam o processo da valoração. Há, por consequência desses aspectos, uma reduzida margem de controle do trabalho da perícia e de eventuais desacertos de determinada metodologia ou variável empregada.

O efeito trazido pela dificuldade enfrentada no âmbito dos litígios sobre a reparação por danos ambientais consiste, fatalmente, no aumento de incertezas e na consequente convivência das partes com uma elevada insegurança jurídica.

Aqueles considerados responsáveis por indenizar danos causados ao patrimônio ambiental em sentença judicial ainda não liquidada (i.e., em condenação ainda pendente de valoração econômica da lesão ambiental gerada) não dispõem de elementos minimamente palpáveis para estimar o valor da dívida e gerir os seus passivos. E a insegurança jurídica está presente mesmo quando definido o valor econômico do dano, na medida em que a apuração pautada em metodologias falhas e sob a escassez dos dados necessários acabam por produzir, de forma reiterada, indenizações em patamares surpreendentes, pouco compatíveis com os fatos danosos como efetivamente se apresentam no que se refere à lesividade ao patrimônio ambiental. Criam, sob esta lógica, uma tendência à perpetuação da disputa judicial, em prejuízo da própria recomposição ambiental.

Dessa forma, as indenizações pecuniárias por dano ambiental, como atualmente valoradas, acabam por se aproximar muito mais de um fim em si próprio do que da sua finalidade reparatória originalmente pretendida pelo ordenamento jurídico.

Diante deste contexto, é possível identificar que, com contornos cada vez mais evidentes, o cenário de incertezas no âmbito da valoração econômica do dano ambiental tem gerado, na prática, uma subversão ao conceito de reparação ambiental integral, dada a desconexão entre a indenização pecuniária apurada segundo critérios impróprios e o dano ambiental efetivo. Também tem representado um distanciamento com preceitos jurídicos elementares da responsabilidade civil, sobretudo aquele disciplinado no artigo 944 do Código Civil ao prever que "a indenização mede-se pela extensão do dano".

Os desafios impostos pela falta de diretrizes jurídicas adequadas para a condução das atividades de mensuração econômica de danos ambientais podem e devem ser debatidos perante os Poderes democráticos e a sociedade civil, a fim de que sejam discutidas propostas de valoração que mais se aproximem do objetivo precípuo da reparação integral do meio ambiental, com a consequente descaracterização dos procedimentos pouco efetivos que são hoje seguidos em perícias judiciais. Em setembro de 2022, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) inaugurou uma consulta pública com convite aos interessados para que contribuam com propostas sobre parâmetros que deveriam ser seguidos pelo Poder Judiciário em disputas que demandassem como solução a indenização do dano ambiental discutido.

A iniciativa vem em boa hora e oportunamente será convertida em ato normativo, com o propósito de orientar a atuação dos magistrados e tentar fornecer maior segurança jurídica aos entes privados envolvidos em casos desta natureza. Os desafios são enormes e passam por dificuldades de se construir metodologia tecnicamente embasada, considerando as peculiaridades de cada região do país e os critérios de valoração de serviços ambientais, mercado bastante incipiente e com metodologias ainda sob prova mundo afora.

Embora ainda seja pouco abordado nas discussões atualmente em curso nos Poderes Legislativo e Executivo, o aperfeiçoamento jurídico do tema relativo às indenizações pecuniárias por danos ambientais irrecuperáveis é um passo importante a ser tomado no contexto da tutela ambiental, para assegurar tanto a segurança jurídica daqueles envolvidos em litígios desta natureza como a efetiva e célere reparação de prejuízos causados ao patrimônio ambiental brasileiro.

 


[1] Conselho Nacional do Ministério Público. Diretrizes para valoração de danos ambientais / Conselho Nacional do Ministério Público. – Brasília: CNMP, 2021. Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/2021/DIRETRIZES-PARA-VALORACAO-DE-DANOS-AMBIENTAIS_compressed1.pdf

[2] O valor de uso direto ou indireto são, respectivamente, o valor do recurso natural quando é ele precificado no mercado consumidor (e.g., madeira) e o valor das funções ecossistêmicas proporcionadas por aquele recurso ambiental (e.g., qualidade do ar, regulação climática etc.). O valor de opção corresponde aos benefícios, ainda não conhecidos, que potencialmente poderiam ser extraídos dos recursos naturais se fossem eles preservados e fosse sua disponibilidade mantida para utilização futura. Por fim, o valor de existência é aquele que não deriva de uma vantagem associada à exploração do recurso, mas tão somente associa-se ao interesse de mantê-lo preservado.

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