JUSTIÇA EM NÚMEROS

Com Covid-19, digitalização do Judiciário cresceu ainda mais no ano passado

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1 de outubro de 2022, 8h48

Com a brutal evolução da tecnologia em tempos recentes, era inevitável que o progresso chegasse também ao Poder Judiciário. Nos últimos anos, contudo, as circunstâncias fizeram com que o contato entre o avanço tecnológico e a Justiça brasileira fosse muito mais intenso do que se esperava.

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123RF  Uma das preocupações é a segurança dos dados sigilosos com que lida o Judiciário

É claro que mecanismos capazes de proporcionar esse crescimento já existiam. Em 2006, foi editada a primeira lei sobre informatização de processos judiciais, a Lei 11.419, que permitiu o uso de meios eletrônicos na tramitação processual, além da comunicação de atos e a transmissão de peças. Três anos mais tarde, foi criado o Processo Judicial Eletrônico, plataforma digital que facilita o acesso a ações, por meio do Termo de Acordo de Cooperação Técnica nº 073/2009.

De acordo com o relatório "Justiça em Números 2022", levantamento publicado pelo Conselho Nacional de Justiça no começo deste mês, a evolução teve sequência entre 2020 e 2021, período em que o mundo enfrentou a epidemia da Covid-19. A impossibilidade de comparecer pessoalmente aos fóruns impulsionou ainda mais a modernização dos métodos de trabalho.

O resultado foi a criação de programas como o Justiça 4.0 e o Juízo 100% Digital. O primeiro, por meio da aplicação de inteligência artificial, promove soluções digitais que aumentam a produtividade, de modo a trazer ganhos que podem superar em cinco vezes ou mais a atual prestação jurisdicional. Já o segundo foca na possibilidade de o cidadão ter acesso à Justiça sem precisar comparecer ao fórum, praticando todos os atos processuais remotamente, incluindo audiências e sessões de julgamento.

De acordo com o levantamento do CNJ, em 2021 apenas 2,8% do total de processos novos ingressaram fisicamente no Judiciário brasileiro. Os 97,2% de ações novas eletrônicas representam crescimento de um ponto percentual na comparação com o resultado de 2020 — no total, foram 27 milhões de casos novos eletrônicos no ano passado. 

A comparação com os números de 2009, quando teve início o "Justiça em Números", é notável: naquele ano, apenas 11,2% das ações que ingressaram no Judiciário eram eletrônicas.

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Evolução das ações novas eletrônicas desde 2009 é notável
Fonte: Justiça em Números 2022

Importante notar que, em 2021, os tribunais com maior quantidade absoluta de unidades judiciárias que implantaram o Juízo 100% Digital foram o TJ-RS, o TJ-MG e o TJ-BA. No total, 44 tribunais já apresentam 100% de adesão ao programa.

"Ferramentas como o Juízo 100% Digital permitem que as partes e os advogados atuem sem ir até o juízo, facilitando o acesso. Pessoas de comunidades ribeirinhas, por exemplo, teriam muita dificuldade nesse deslocamento, que agora se tornou desnecessário com a ajuda da tecnologia", explica Bruno Beserra Mota, sócio do escritório Eduardo Ferrão Advogados Associados. "Durante a pandemia, houve uma escalada muito grande na digitalização dos procedimentos judiciais. Exemplo claro é o TRF-1, que, até meados de 2020, contava com cerca de 60% dos processos digitalizados. Hoje, são 92%, demonstrando a importância desse período para a evolução tecnológica do Judiciário."

Outro mecanismo bastante importante criado durante a crise da Covid-19 foi o Balcão Virtual, cujo objetivo é disponibilizar, no site de cada tribunal, uma ferramenta de videoconferência que conecta imediatamente o setor de atendimento do fórum com o interessado. Os aplicativos mais utilizados são, na ordem, o Microsoft Teams, o WhatsApp e o Zoom.

Mais de 90% das unidades judiciárias afirmam que não é preciso agendamento para ter acesso ao serviço. O segmento com maior adesão ao projeto foi a Justiça estadual, seguida pela Justiça do Trabalho e a Justiça Eleitoral.

Não restam dúvidas da importância que a crise teve na aceleração do processo de digitalização. "O Judiciário sempre foi muito presencial, burocrático, ritualístico e, como consequência, lento. Quando a pandemia começou, isso se rompeu; passamos a fazer despachos, sustentações e outros atos online", lembra Gisele Truzzi, advogada especialista em Direito Digital e sócia fundadora do escritório Truzzi Advogados. "Em dois anos, o Judiciário teve de dar um jeito de fazer tudo de forma quase 100% digital e em tempo recorde. Isso demoraria muito mais sem a Covid-19, fazendo com que percebêssemos que teria sido possível ter acelerado esse processo muito antes."

Para ela, a tecnologia torna o processo mais democrático e igualitário na medida em que simplifica o acesso à Justiça, bastando a disponibilidade da internet para acessar decisões e protocolar pedidos, entre outros atos. Ainda segundo a especialista, no futuro devemos ver uma maior aplicação da inteligência artificial não só nas secretarias, mas também dentro dos gabinetes dos magistrados. "Esse mecanismo pode ajudar, por exemplo, a coletar rapidamente informações importantes para embasar a sentença de forma coerente."

Por melhor que seja, porém, o progresso tecnológico não pode acontecer de modo desenfreado e sem supervisão. Isso porque, assim como toda inovação, ele possui pontos positivos e negativos.

Nas palavras de Wilson Sales Belchior, sócio do RMS Advogados: "Essa transformação digital acontece simultaneamente às mudanças na sociedade e na economia. Com isso, surgem novos conflitos e reflexões".

Se por um lado a tramitação eletrônica proporcionou inúmeros benefícios, otimizando o trabalho dentro e fora dos tribunais, aumentando a produtividade dos juízes e trazendo vantagens ao meio ambiente em razão da significativa economia de papel, por outro é preciso ter cuidado. "Há pontos negativos que ainda precisam ser sanados, como a uniformização dos sistemas eletrônicos adotados pelos tribunais", afirma Thaís de Kassia Almeida Penteado, advogada sênior e coordenadora da área contenciosa judicial do escritório Peduti Advogados. "Além disso, um ponto negativo para muitos advogados é a certa impessoalidade que o contato virtual proporciona."

Gisele Truzzi destaca ainda a necessidade de melhorar a segurança da informação no ambiente do servidor público e nos aparelhos que ele usa para trabalhar remotamente. Além disso, ela cita a importância de reforçar a conscientização acerca dos riscos de termos dados sigilosos e extremamente sensíveis online. "Nesse sentido, o ponto vulnerável são as pessoas."

Com o procedimento adequado, a evolução da tecnologia no Poder Judiciário pode agilizar processos, facilitar o acesso à Justiça e, com isso, impulsionar a democracia. Segundo o advogado Alexandre Atheniense, unir as pessoas à Justiça passa necessariamente pela tecnologia, que permitirá que se forneça respostas mais rápidas população. "Ela será um elo de ligação que deixará as pessoas mais bem informadas sobre o Judiciário, e isso é uma forma de fazer justiça."

Clique aqui para ler o relatório "Justiça em Números 2022"

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