Opinião

Pluralismo, democracia e representação política: indígenas nas eleições de 2022

Autores

  • Willaine Araújo Silva

    é doutoranda em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) mestre em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e professora de Direito Constitucional e Direito Internacional na Sociedade de Ensino Universitário do Nordeste (Seune) e Faculdade de Maceió (Fama).

  • João Paulo Allain Teixeira

    é advogado professor de Direito Constitucional da Universidade Católica de Pernambuco membro do Instituto Publius e pesquisador do Grupo Recife Estudos Constitucionais (REC).

28 de novembro de 2022, 13h33

Uma das questões de maior impacto no panorama da democracia brasileira refere-se ao déficit de representação do pluralismo que caracteriza o perfil social do país. Tradicionalmente as lideranças políticas eleitas integram um perfil relativamente homogêneo, composto por homens, brancos, proprietários, reproduzindo o compromisso com a permanência de valores eurocentrados.

Com a definição das candidaturas eleitas em 2022 é possível o estabelecimento de um olhar mais detalhado sobre esta realidade.  Em sintonia com a ascensão conservadora verificada no Brasil nos últimos anos, o Congresso eleito em 2022 é apontado como o mais conservador desde a redemocratização [1], sugerindo para o debate parlamentar dos próximos anos, a prevalência de uma agenda legislativa fundada em valores com amplo potencial de comprometimento de direitos alcançadas nos últimos anos por minorias e grupos vulneráveis.

Nesse contexto, é promulgada em 2021 a Emenda Constitucional 111, que dentre outros regramentos, estabelece o Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC) criando uma política de ação afirmativa eleitoral destinada ao estímulo à inclusão, acesso e participação de grupos historicamente excluídos em processos decisórios na Câmara dos Deputados. Trata-se aqui de regra específica para a distribuição de recursos do fundo partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas para os partidos que tiverem votos em mulheres e negros.

As novas regras provocaram um aumento significativo destas candidaturas chegando a 33% o número de candidaturas femininas e à maioria absoluta de candidaturas de negros autorizadas pelo TSE, recorde expressivo em relação aos últimos realizados verificados no país [2].

Contudo, há um outro grupo não referido expressamente pela Emenda 111 a merecer igual atenção. Trata-se aqui dos indígenas, igualmente sub representados nas instâncias parlamentares brasileiras. Desde as eleições municipais de 2020 nos propusemos a fazer este acompanhamento neste mesmo espaço na ConJur [3].

A representação política dos indígenas constitui agenda relativamente recente. Desde a eleição em 1982 de Mário Juruna, cacique xavante e primeiro Deputado Federal indígena do Brasil, abriram-se caminhos para a viabilização das causas dos povos originários junto a espaços de deliberação parlamentar. O processo constituinte que resultou na adoção do texto de 1988 é beneficiário direto desse processo, quando Ailton Krenak, jovem liderança indígena sobe à tribuna da Assembleia Nacional Constituinte para proferir um dos mais significativos discursos durante o processo de elaboração da Constituição brasileira de 1988. A inclusão de um capítulo especifico na Constituição, reconhecendo os direitos dos indígenas é conquista inédita, até então não registrada nos textos constitucionais anteriores.

Nas eleições de 2022 foram registradas pelo Tribunal Superior Eleitoral 172 candidaturas,  o maior número desde 2014, ano em que a autodeclaração teve início, sendo 111 candidaturas para as Assembleias Legislativas Estaduais e Distrital, 56 para a Câmara dos Deputados, dois para os Governos Estaduais e três para o Senado Federal [4].

Há uma particularidade de relevo a ser considerada no debate. Como se sabe, a caracterização da condição de negro, indígena, etc. para fins eleitorais se dá mediante autodeclaração junto à Justiça Eleitoral. A autodeclaração é um importante mecanismo de indução a um autorreconhecimento da pessoa enquanto integrante de um determinado grupo, contribuindo para a identificação de uma agenda de reivindicações fundadas no pluralismo e na diversidade.

Mesmo assim, é importante mencionar que nem todos os candidatos que se autodeclaram indígena partilham necessariamente da agenda de lutas dos povos originários. Nesse sentido, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lançou o projeto "Aldear a Política" [5] com o objetivo de contribuir para a construção de um espaço de representatividade das causas indígenas nos espaços de decisão na sociedade brasileira [6].

A iniciativa coincide como uma reação à expansão no Brasil, de uma agenda desenvolvimentista antiambiental de discutível sustentabilidade a médio e longo prazo. À medida em que crescem os registros de violência contra os povos originários, em decorrência da fragilização das políticas públicas voltadas à proteção dos indígenas, a chamada "bancada do cocar" representa um contraponto necessário para o debate público no país.

A relevância da agenda de reivindicações indígena, para além de pôr em relevo a necessidade de reparação histórica decorrente de um processo brutal de invisibilização e subalternização decorrentes da lógica colonial, propõe ainda a possibilidade de pensar o mundo a partir de cosmovisões significativamente distintas daquelas naturalizadas pela tradição ocidental dominante.  Isto inclui o desenvolvimento de parâmetros alternativos para pensarmos a vida em comunidade e o relacionamento com as outras pessoas, os animais e a natureza. Em um momento em que o mundo parece se voltar para a busca de modelos de desenvolvimento sustentável e respeito aos limites da natureza, a valorização das vozes indígenas no debate público constitui imperativo inescapável.


[4] Foram declarados eleitos como Deputados Federais, Célia Xakirabá (PSOL-MG), Juliana Cardoso (PT-SP), Paulo Guedes (PT-MG), Silvia Waiãpi (PL-AP) e Sônia Guajajara (PSOL-SP). Para o Senado, Welligton Dias (PT-PI) e Hamilton Mourão (Republicanos-RS). Para as Assembleias Estaduais, Amanda Brandão Armelau (RJ), Lucinio Castelo de Assumção (PL-ES) Reeleito, mas em 2018 não se autodeclarava indígena.

[6] Para as eleições de 2022 a Apib apresentou 30 candidaturas de todas as regiões do país e representativas de 31 povos distintos.

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    é doutoranda em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), mestre em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e professora de Direito Constitucional e Direito Internacional na Sociedade de Ensino Universitário do Nordeste (Seune) e Faculdade de Maceió (Fama).

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    é líder do grupo de pesquisa Recife Estudos Constitucionais (REC), professor-adjunto da Universidade Federal de Pernambuco, professor do programa de pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), professor do curso de graduação em Direito e do programa de pós-graduação em Direito da Universidade Católica de Pernambuco, bolsista de produtividade em pesquisa (PQ-CNPq), doutor em Direito pela UFPE, mestre em Direito pela UFPE e master em Teorias Críticas do Direito pela Universidad Internacional de Andalucía, Espanha.

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