Público & Pragmático

Taxatividade da qualificação técnico-profissional prevista na Lei 14.133/21

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20 de novembro de 2022, 8h00

Recentemente, em agosto deste ano, o município de Florianópolis/SC publicou um edital de licitação na modalidade concorrência e do tipo menor preço (nº 448/2022) [1], cujo objeto era a contratação de empresa para a execução da urbanização da praça e construção do complexo Skate Park-Abraão.

Dada a importância nacional do ente licitante — por se tratar de uma importante capital — e também o considerável valor da obra (R$ 4,8 milhões), uma pontual conduta adotada pelo município de Florianópolis merece reflexão. Aspecto sensível do certame e que merece atenção da coluna desta semana foi a exigência, como condição de habilitação, de que a licitante tivesse em seu quadro permanente profissional encarregado de obras. Veja:

"14.3. A empresa deverá comprovar em seu quadro permanente, vinculação profissional através de carteira profissional de trabalho, Ficha de Registro de Empregado (FRE) ou contrato de prestação de serviços que demonstrem a identificação do profissional e, na hipótese do detentor do atestado ser o proprietário ou sócio da empresa, a comprovação se dará mediante a apresentação do contrato social em vigor. A empresa deverá possuir em seu quadro: Um (01) engenheiro civil; Um (01) encarregado de obras."

A indagação extraída do exemplo acima é a seguinte: admite-se que um Edital de licitação preveja a obrigação de a concorrente possuir em seu quadro permanente um determinado profissional cuja qualificação não possa ser comprovada por meio de atestado de responsabilidade técnica por execução de obra ou serviço de características semelhantes? Melhor dizendo: pode-se exigir como condição de habilitação, por exemplo, que a concorrente possua em seu quadro efetivo um profissional mestre ou encarregado de obras [2]?

A resposta para a questão formulada passa pela interpretação do artigo 67 da Lei 14.133/2021. A saber: são taxativas as regras dos incisos I e III do referido artigo? São eles:

"Art. 67. A documentação relativa à qualificação técnico-profissional e técnico-operacional será restrita a:

I – apresentação de profissional, devidamente registrado no conselho profissional competente, quando for o caso, detentor de atestado de responsabilidade técnica por execução de obra ou serviço de características semelhantes, para fins de contratação;

(…);

III – indicação do pessoal técnico, das instalações e do aparelhamento adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada membro da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos;"

Como visto, o inciso I do artigo 67 prevê que a licitante deve apresentar profissional devidamente registrado no conselho profissional competente, quando for o caso. Ainda, que ele deve ser detentor de atestado de responsabilidade técnica por execução de obra ou serviço de características semelhantes.

Observe-se a opção legislativa: além de estar registrado no conselho respectivo (quando for o caso), o profissional deve ser detentor de atestado de responsabilidade técnica por execução de obra ou serviço de características semelhantes. Não há saída discricionária para o instrumento convocatório.

Então, neste sentido, tem-se como legalmente impossível, para fins de habilitação, a exigência de apresentação de qualquer outro profissional cuja experiência não possa ser comprovada por meio de atestado de responsabilidade técnica. Indiretamente, há uma taxatividade limitativa centralizada nas figuras do engenheiro, do arquiteto e de qualquer outro profissional com grau superior. A ausência de um mestre de obras, assim, não pode ser causa de inabilitação porque a atividade dele não é comprovável por meio de atestado de responsabilidade técnica.

Cenário diverso é o previsto no inciso III do artigo 67 da Lei 14.133/2021, o qual não se confunde com o referido inciso I. Os verbos são distintos: no primeiro usou-se "apresentar", enquanto que no segundo o legislador optou por "indicar". O peso jurídico do inciso III é menor: não se exige a correspondente comprovação de atestado e nem um grau de permanência efetiva do profissional nos quadros da empresa.

É importante que o agente público conheça a diferença entre os dois comandos normativos para não fazer mau uso da técnica legislativa, tornando ainda mais complexa — ou mesmo injusta — a fase de julgamento dos documentos de habilitação.

Não há liberdade para a criação de requisitos de qualificação técnico-profissional ou técnico-operacional. Deve-se respeitar o rol taxativo do artigo 67. E nele não há obrigação de se ter no quadro permanente de empregados profissional cuja atividade não possa ser acompanhada do correspondente atestado de capacidade técnica.

 


[2] A hipótese não é incomum. Cf.: concorrência nº 09/2017 lançada pelo município de Bom Jesus da Lapa/BA (http://bomjesusdalapa.ba.gov.br/arquivos/111838201724081.pdf); tomada de preços nº 01/2015 lançada pelo Tribunal de Justiça do Estado Amazonas (https://www.tjam.jus.br/phocadownloadpap/aprecia%C3%A%C3%A3o_dos_recursos_interpostos_pela_empresa_sxv_servi%C3%A7os_profissionais,_constru%C3%A7%C3%B5es_e_trasnporte_ltda.pdf).

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