Opinião

Compliance e banalização do embaraço à fiscalização na Lei Anticorrupção

Autores

  • David Rechulski

    é advogado fundador e sócio titular do escritório David Rechulski Advogados especializado em Direito Penal Empresarial e Público.

  • Cesar Oliveira Janoti

    é mestrando em ciências jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa (Portugal) pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes e graduado em Direito pela UFRJ.

18 de novembro de 2022, 9h12

A indiscutível importância do compliance ganha cada vez mais relevância ante os incessantes (e impertinentes) movimentos punitivistas impulsionados por autoridades que, ao arrepio dos mais básicos princípios da hermenêutica jurídica, convenientemente elastecem a interpretação de tipos sancionadores e proporcionam condenações absurdas.

Veja-se o recente surgimento de condenações advindas da imprópria aplicação do inciso V do artigo 5º da Lei 12.846/13, que, apesar de essencialmente ter sido concebido para coibir exclusivamente as condutas voltadas a dificultar as atividades de investigação ou fiscalização em um contexto envolvendo corrupção, tem lamentavelmente sido banalizado para punir condutas sem nenhuma relação com prática de atos corruptivos.

À luz da boa técnica de interpretação, dois aspectos principais merecem consideração: (a) a interpretação funcional, segundo a qual deve-se atribuir ao dispositivo legal o significado sugerido pela lei ao qual está diretamente inserido, e (b) a natureza do Direito Administrativo sancionador, que tem viés "quase penal", cuja gravidade de suas sanções estabelece limites restritivos à sua exegese e aplicação, sob pena de violação aos princípios da legalidade e da tipicidade.

A partir da conjugação dessas duas perspectivas inafastáveis e, sobretudo, ante a autoexplicativa finalidade da lei, que não por acaso é conhecida como "anticorrupção" e que foi concebida justamente para suprir uma lacuna legislativa à responsabilização objetiva de pessoas jurídicas por práticas corruptivas, verifica-se naturalmente que o dispositivo em questão não tem por objetivo transformar todo e qualquer alegado embaraço à fiscalização em uma hipótese de subsunção à Lei Anticorrupção, mas sim o de admitir um meio peculiar de responsabilizar as pessoas jurídicas por atos que, além do ilícito civil, administrativo ou até penal, efetivamente corrompam os agentes públicos e, em razão disso, subvertam o sistema legal de investigação e fiscalização.

Admitir-se o contrário seria elastecer conceitos para alcançar condutas incompatíveis com a finalidade da Lei nº 12.846/13 e extrapolar os limites legais do seu âmbito de tutela, podendo-se, em última análise, absurdamente proporcionar, por exemplo, a punição de empresa em razão de seu porteiro não ter permitido o ingresso de auditores fiscais que compareçam ao local para iniciar uma fiscalização sobre imposto de renda, assim resistindo e embaraçando-a, mas sem qualquer mínima ação corruptiva. Nessa situação, a todo evidente, a subsunção legal seria ao artigo 966, II, do Decreto nº 9.580/18.

Logo, nem toda atividade que formalmente venha a acarretar dificuldades para a fiscalização ou investigação pode ser enquadrada materialmente nas hipóteses do artigo 5º, inciso V, da Lei 12.846/13, mas sim apenas aquelas efetivamente coadunadas com um ato propriamente de corrupção. Esse é o verdadeiro espírito da norma que deveria ser fielmente observado e aplicado pelas autoridades públicas.

Assim, considerando-se as atecnias verificadas em recentes imputações e condenações por condutas supostamente violadoras da Lei 12.846/13 — mas que definitivamente não estão abarcadas em seu escopo e não lesam ou não têm como destinatário o bem jurídico tutelado pela norma específica — os programas de compliance devem incorporar elementos preditivos para mitigar os riscos oriundos de alargadas atividades punitivistas.

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    é advogado fundador e sócio titular do escritório David Rechulski Advogados, especializado em Direito Penal Empresarial e Público

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    é mestrando em ciências jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa (Portugal), pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes e graduado em Direito pela UFRJ.

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