Opinião

Critérios da justiça gratuita a trabalhadores em ações trabalhistas

Autor

  • Manoella Keunecke

    é doutoranda e mestra em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo (USP) pesquisadora do Observatório Brasileiro de IRDRs na Justiça do Trabalho (OBI-JT-USP) do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da USP (Getrab-USP) e do Núcleo de Estudos Avançados em Direito do Trabalho e Socioeconômico da Universidade Federal de Santa Catarina (Neates-UFSC) advogada e presidente da Comissão de Processo do Trabalho da OAB-SC.

17 de novembro de 2022, 18h09

No último dia 17 de outubro, o Tribunal Pleno do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 12ª Região fixou a tese jurídica nº 13 pelo voto da unanimidade dos desembargadores presentes à sessão de julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) nº 0000435-47.2022.5.12.0000. No âmbito da Justiça do Trabalho de Santa Catarina, hoje, os requerentes da gratuidade da Justiça que receberem renda acima de 40% do valor máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) — cerca de R$ 2.834,88 — terão o ônus processual de provar a insuficiência de recursos para demandar. A aquisição ao direito à gratuidade da justiça ficará, portanto, condicionada à comprovação da insuficiência de recursos alegada, seguindo a regra geral de que o autor prove o fato constitutivo do seu direito (inciso I do artigo 818 da CLT).

TESE JURÍDICA Nº 13: A partir do início da vigência da Lei nº 13.467/2017 — que alterou a redação do §3º e acrescentou o §4º, ambos do art. 790 da CLT —, a mera declaração de hipossuficiência econômica não é bastante para a concessão do benefício da justiça gratuita, cabendo ao requerente demonstrar a percepção de remuneração inferior ao patamar estabelecido no §3º do art. 790 da CLT ou comprovar a insuficiência de recursos para arcar com as despesas processuais (§ 4º do art. 790 da CLT).

A decisão que fixou a tese jurídica foi publicada em 26 de outubro do ano presente e dela não houve oposição de embargos de declaração para que houvesse modulação dos efeitos, que, assim, passaram a vincular vertical e horizontalmente as unidades judiciárias do TRT-12 desde o julgamento (caput do artigo 985 do Código de Processo Civil). Houve, entretanto, a oposição de embargos declaratórios pela Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina (OAB-SC) e a interposição de recurso de revista pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), cuja admissão e conhecimento pelo TRT-12 e pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) tendem a não acontecer. Isso porque, conjuntamente ao incidente, não ocorreu o julgamento do capítulo do recurso ordinário afetado que traz a questão jurídica, a despeito de o parágrafo único do artigo 978 do CPC assim o exigir. Como se sabe, para que seja cabível o recurso de revista, é preciso que haja decisão proferida em recurso ordinário (caput do artigo 896 da CLT). O mesmo já ocorreu no âmbito da Justiça Comum, tendo o Superior Tribunal de Justiça (STJ) exigido o julgamento da causa em conjunto com o incidente para que fosse cabível a interposição de Recurso Especial (REsp) nº 1.798.374.

As questões processuais que envolvem a tese jurídica nº 13 do TRT da 12ª Região, contudo, não se resumem aos entraves recursais. Poucos dias antes do julgamento do incidente pelo TRT da 12ª Região, houve notícia de uma decisão da Subseção 1 da Seção Especializada em Dissídios Individuais do TST (ERR 415-09.2020.5.06.0351) que teria julgado a mesma matéria em sentido contrário, estabelecendo a dispensa de prova sobre a insuficiência de recursos do trabalhador que, mesmo recebendo renda superior a 40% do valor máximo dos benefícios do RGPS, apresentou simples declaração de hipossuficiência.

O fundamento principal da referida decisão fora que, embora o §4º do artigo 790 da CLT exigisse a comprovação da insuficiência de recursos pelo trabalhador demandante, este dispositivo não teria explicitado a forma pela qual a comprovação ocorreria e, por isso, a prova poderia se dar pela apresentação da simples declaração de hipossuficiência prevista no §3º do artigo 99 do CPC. Assim, teve-se como salvo o conteúdo do inciso I da Súmula nº 463 do TST, que é anterior ao §4º do artigo 790 da CLT e autorizado por precedentes persuasivos que datam de 2001 a 2003 (muito antes da vigência do §3º do artigo 99 do CPC), com referência, verdadeiramente, ao artigo 4º da Lei nº 1.060/1950. Nada disso, entretanto, foi considerado no acórdão.

Em suma, assim, teve-se que a criação do §4º do artigo 790 da CLT, inédito quanto à exigência de comprovação sobre a insuficiência de recursos alegada pelo demandante que receba acima de 40% do valor máximo dos benefícios do RGPS, na verdade, ocorreu sem propósito, para nada se alterar ao afinal. Voltaria a bastar a apresentação de declaração de hipossuficiência, seja qual renda o demandante tiver.

Há, no entanto, alguns problemas teóricos nessa interpretação do §4º do artigo 790 da CLT. O legislador incluiu, deliberadamente, a necessidade de comprovação sobre a insuficiência de recursos alegada, que implica na criação de um ônus processual probatório sobre fato constitutivo do direito do requerente. A prova de tal fato não pode se dar pela autodeclaração da parte declarante beneficiária (parágrafo único do artigo 408 do CPC). O que se tem no §3º do artigo 99 do CPC não é um meio de prova típico, mas a presunção legal de veracidade da insuficiência de recursos alegada por pessoa natural. Uma vez alegada a insuficiência de recursos por pessoa natural, tem-se o fato como presumido verdadeiro e, por incidência natural do inciso IV do artigo 347 do CPC, dispensar-se-á a produção de prova a seu respeito. A declaração, portanto, não é um documento, é uma alegação de fato — embora possa vir firmada pelo declarante ou por seu advogado na própria peça. É preciso perceber que a alegação de insuficiência de recursos no Processo Civil não é considerada prova da insuficiência de recursos; a prova é dispensada, pois sobre este fato recai presunção de veracidade.

Aliás, nem mesmo na Justiça Comum a alegação presume-se verdadeira, e permanece-se dispensando a produção de prova a respeito, apesar da literalidade do §3º do artigo 99 do CPC. A jurisprudência criou patamares de renda a partir dos quais se passou a exigir a produção de prova a respeito da insuficiência de recursos. A exemplo, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, no IRDR nº 5036075-37.2019.4.04.0000, estabeleceu a tese pela qual:

"A gratuidade da justiça deve ser concedida aos requerentes pessoas físicas cujos rendimentos mensais não ultrapassem o valor do maior benefício do Regime Geral de Previdência Social, sendo prescindível, nessa hipótese, qualquer comprovação adicional de insuficiência de recursos para bancar as despesas do processo, salvo se aos autos aportarem elementos que coloquem em dúvida a alegação de necessidade em face, por exemplo, de nível de vida aparentemente superior, patrimônio elevado ou condição familiar facilitada pela concorrência de rendas de terceiros. Acima desse patamar de rendimentos, a insuficiência não se presume, a concessão deve ser excepcional e dependerá, necessariamente, de prova, justificando-se apenas em face de circunstâncias muito pontuais relacionadas a especiais impedimentos financeiros permanentes do requerente, que não indiquem incapacidade eletiva para as despesas processuais, devendo o magistrado dar preferência, ainda assim, ao parcelamento ou à concessão parcial apenas para determinado ato ou mediante redução percentual, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado." (grifo nosso)

A CLT fez, deliberadamente, outra opção: definiu a necessidade de produção de prova a respeito, afastando a dispensa de prova que surge a partir da presunção de legal do §3º do artigo 99 do CPC. Fosse para nada se alterar, não precisaria ser criado o §4º do artigo 790 da CLT em novembro de 2017, pois seria bastante aplicar o §3º do artigo 99 do CPC já existente desde 2015 ou, melhor, o próprio §3º do artigo 790 da CLT com a redação da época. São regras, absolutamente, opostas e inconciliáveis. As tentativas de conciliá-las pode, significativamente, refletir o afastamento de lei federal sem que haja sua expressa declaração de inconstitucionalidade, violando, portanto, a cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF).

Não sem razão, nesse julgamento de embargos à Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), a votação foi apertada e a divergência firme da ministra Maria Cristina Peduzzi foi seguida pelos ministros Alexandre Ramos, Guilherme Caputo Bastos e Dora Maria da Costa. O resultado de cinco versus quatro votos em uma sessão de julgamento cuja composição plena seria de quatorze membros não é, assim, de se comemorar ou se desanimar, especialmente considerando a alteração recente na Presidência do TST e a posse de nova Ministra, que implicará também na alteração da composição da SDI-1. Haverá, ainda, o julgamento dos embargos à SDI-1 nº 10409-56.2019.5.15.0089, que está aguardando a designação de sessão com composição plena desde 9 de setembro deste ano. Outros embargos à SDI-1 (ERR 340-21.2018.5.06.0001) aguardam o julgamento deste último, que, ao que se percebe, formará o verdadeiro precedente.

Com a situação de provável irrecorribilidade da decisão que fixou a tese nº 13 do TRT da 12ª Região, possivelmente o TST dará solução nacional ao tema nesses referidos embargos à SDI-1 (ERR 10409-56.2019.5.15.0089), o que é mesmo uma lástima. No IRDR que resultou na tese jurídica nº 13 do TRT da 12ª Região, houve o exercício de contraditório qualificado por três diferentes amici curiae em razões escritas e orais. Houve a apresentação de variados argumentos e contra-argumentos que importaram, significativamente, na própria legitimação do precedente regional. Considerando, então, que a uniformização nacional certamente é salutar para a segurança jurídica, mas que a decisão dos embargos à SDI-1 é tomada considerando um contraditório pouco qualificado e que a SDI-2 poderá adotar entendimento divergente sobre a mesma matéria no futuro — afinal, na Justiça do Trabalho a competência das subseções não se dá por matéria, tal como ocorre no STJ —, talvez fosse essa uma boa oportunidade de o TST decidir pela instauração de Incidente de Recurso de Revista Repetitivo (IRRR) ou de IRDR, com afetação ao Tribunal Pleno (artigo 18 da Recomendação nº 134 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)).

A participação dos jurisdicionados no procedimento de IRRR ou de IRDR, via amici curiae, trazendo os mais diversos argumentos sobre este assunto transversal quase à unanimidade dos processos trabalhistas, além de ampliar o grau de legitimidade do precedente judicial obrigatório estabelecido, seria uma boa garantia de que tão logo o entendimento não precisaria ser revisado ou superado por ausência de contemplação de algum argumento necessário (parágrafo único do artigo 32, artigo 39 e inciso II do artigo 40 da Recomendação nº 134 do CNJ). Isso tudo poderia ocorrer até que o STF, finalmente, aprecie a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 80, que trata do assunto sob o aspecto da constitucionalidade do §4º do artigo 790 da CLT.

Autores

  • Brave

    é mestre em Direito do Trabalho e da Previdência Social pela USP, pesquisadora do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social (GETRAB-USP), advogada sócia do escritório Menezes e Niebuhr Sociedade de Advogados.

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