Opinião

Efeitos do Cadastur desvendam o benefício da alíquota zero em tributos

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  • é advogado tributarista sócio fundador da Advocacia Haddad Neto mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em Direito Tributário pelo Centro de Extensão Universitária (CEU).

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  • é advogado sócio tributarista decano da Advocacia Haddad Neto especialista em Direito Tributário pelo Centro de Extensão Universitária (CEU) e pelo Ibet e em Direito Empresarial pela PUC-SP.

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  • é advogada tributarista sócia coordenadora da Advocacia Haddad Neto e especialista em Direito Tributário pelo Centro de Extensão Universitária e Instituto Internacional de Ciências Sociais (CEU-Iics - Escola de Direito).

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16 de novembro de 2022, 15h08

Tem-se visto (e noticiado também) decisões judiciais como a do processo nº 5015997-48.2022.4.04.7200 (TRF-4), pela qual se pontua ser "a inscrição (no Cadastur) que confere a identidade de um restaurante como 'prestador de serviços turísticos'".

Nossa análise, buscando concretos apontamentos no Direito Administrativo e na pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), busca ajudar os magistrados em tema tão inédito, quiçá dificultados pela generalidade de questões com as quais se deparam, na carga brutal a que são submetidos diariamente.

A lei do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) — 14.148/2021 — estabelece benefícios fiscais para quatro setores, relativos às seguintes atividades:

(1) realização ou comercialização de congressos, feiras e eventos de todas as espécies, alcançando, inclusive casas noturnas e casas de espetáculos; (2) hotelaria em geral, (3) cinemas e (4) prestação de serviços turísticos.

A vantagem fiscal mais festejada (artigo 4º da citada lei) reside na benesse de a empresa ter reduzido a zero por cinco anos o valor a pagar dos seus tributos federais conhecidos como PIS, Cofins, IRPJ e CSLL. E é o "setor de prestação de serviços turísticos" que tem dado ensejo à maior discussão a respeito dos limites de aproveitamento do benefício referido.

Observe-se que no rol dos prestadores de serviços turísticos "podem" estar inseridas atividades que não sejam naturalmente turísticas, listadas no artigo 21 de outra lei, a de nº 11.771/2008, reguladora da Política Nacional de Turismo. Dentre os referidos serviços atípicos, constam:

(a) marinas, (b) locadoras de veículos para turistas, (c) locadoras de equipamentos para eventos, (d) montadoras para infraestrutura de eventos, bem como – eis o ponto da discussão mais exaltada — (e) os "restaurantes", as "cafeterias", os "bares", os "fast foods" e similares.

A citada lei da Política Nacional de Turismo (nº 11.771/2008), em seu artigo 22, esclarece que "os prestadores de serviços turísticos estão 'obrigados' ao cadastro no Ministério do Turismo (Cadastur), na forma e nas condições fixadas na referida lei e na sua regulamentação".

É de se constatar, de plano, que o que difere, por exemplo, um restaurante comum de um que também seja prestador de serviço turístico seja justamente o Cadastur, por estrita disposição legal — o referido artigo 22 da lei nº 11.771/2008.

Daí a indagação: restaurante, cafeteria ou fast food, que enfrentou dificuldades com a pandemia, mas que se registra no Cadastur somente "hoje", mesmo depois da lei do Perse, poderia gozar de seus benefícios?

A compreensão da natureza jurídica do Cadastur responderá a questão, porque se tal registro for apenas "declaratório" de um fato ou direito pré-existente, não há motivos para que não seja permitido o aproveitamento dos benefícios do Perse a quem efetive o Cadastur, mesmo agora, após a edição da norma do Perse.

O ponto inicial a se considerar na análise é a evidência de que o ato de registro ou de cadastro no Ministério de Turismo (Cadastur) se configura, inequivocamente, como um ato administrativo, a teor de sua conhecida conceituação doutrinária de este, em síntese, ser uma declaração do Estado, nos temas que compõem sua prerrogativa (Celso Antônio Bandeira de Mello in Curso de Direito Administrativo, 32ª ed., 2014, p. 393).

Sobre a classificação dos atos administrativos o mesmo autor esclarece variar "conforme o critério em função do qual sejam agrupados" os atos administrativos. Portanto, se desejamos saber em relação à "natureza" da atividade, ou seja, se de "administração ativa", um determinado ato administrativo terá uma dada classificação. Se buscamos saber em relação ao "conteúdo", o mesmo ato terá outra, o que também vale se desejarmos saber quanto aos "efeitos produzidos por dado ato administrativo" (ibidem, p. 431).

Tomando-se como critério a "produção de resultados sobre a esfera jurídica dos administrados", classifica-se a efetivação do Cadastur no rol dos atos ampliativos, (obra citada, p. 433) porque aumenta a esfera de ação jurídica do administrado, uma vez que faz com que tenha adicionais deveres e direitos, que são os relativos à habilitação a linhas de crédito financeiro oficiais para o turismo, no contexto do Fundo Geral de Turismo – (Fungetur) — artigo 15 e ss. da Lei 11.771/2008 —, assim como os direitos e deveres decorrentes da inserção no Plano Nacional de Turismo (PNT) — ínsito em toda a lei.

Mas, se sob a ótica da esfera jurídica, "constitui" deveres e direitos, quando analisada a efetivação do Cadastur sob o critério da “verificação dos demais efeitos produzidos para o administrado”, é tipificado como ato administrativo denominado "licença" e, como tal, entra no rol dos atos declaratórios, que são os que afirmam a preexistência de uma situação de fato ou de direito (obra citada, p. 433).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro explica que "licença" é ato administrativo unilateral e "vinculado", o que significa que a administração a fornece àquele que "simplesmente preencha os requisitos legais" e que esteja no exercício de uma determinada atividade (in Direito Administrativo, 20ª edição, Atlas, p. 213). Dessa definição já se vê indicativo de sua natureza declaratória de situação de fato preexistente, posto que o ato é de mera conferência de preenchimento dos requisitos legais.

Hely Lopes Meirelles esclarece bem esse ponto, ensinando que a "licença" resulta de um direito subjetivo do interessado e, por isso, a administração não pode negá-la, quando o requerente satisfaz a todos os requisitos para sua obtenção — exatamente como ocorre com o Cadastur, nos termos da lei que o criou (nº 11.771/2008). Esse o motivo pelo qual a "licença" não se confunde com o ato administrativo de "autorização": esta é ato constitutivo para o administrado, enquanto a licença é ato declaratório de direito preexistente (in Direito Administrativo Brasileiro, 16ª edição, p. 164).

Diógenes Gasparini deixa claro que, uma vez atendidos os requisitos previstos em lei, não tem como ser negada pela administração pública a solicitação de licença (ou do Cadastur), sob pena de ilegalidade — in Direito Administrativo, 13ª edição, Saraiva, p. 87 e 88. Configura-se, pois, direito subjetivo do interessado, como decorrência de seu nítido caráter declaratório de fato preexistente relativo ao administrado.

Confira-se as disposições normativas atinentes ao Cadastur:

(A) o parágrafo único do artigo 21 da lei nº 11.771/2008 nenhuma restrição apresenta para o cadastro, expressamente asseverando que "poderão ser cadastradas no Ministério do Turismo, atendidas as condições próprias, as sociedades empresárias que prestem os seguintes serviços: […]";

(B) a portaria do Ministério de Turismo, que regulamenta o Cadastur (MTur nº 130 de 26/07/2011), por sua vez, deixa claro que basta a apresentação de rol de documentos específicos para que se efetive o Cadastur, demonstrando que os documentos apresentados dão conta de se declarar a preexistência de prestação de serviços turísticos, confira-se em seu artigo 4º: "são documentos básicos para o cadastro: (I) cartão de inscrição no CNPJ; (II) alvará ou outro documento municipal que comprove a existência do estabelecimento no local; (III) ato constitutivo da razão social e seu registro no órgão competente; (IV) registro na Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), no caso de cooperativas; (V) Termo de Responsabilidade devidamente assinado pelo representante legal; (VI) Carteira de Identidade, para os microempreendedores individuais; (VII) o efetivo pleito de cadastro";

(C) o inciso II do artigo 5º da mesma MTur nº 130 estabelece que o pedido de cadastro será feito de forma singela por meio eletrônico e que o órgão delegado deverá apenas realizar a conferência dos documentos, de forma que a "análise" e o deferimento do pedido se dê em até trinta dias úteis, efetivando-se a respectiva expedição também por meio eletrônico, ou seja, tudo bem simples e praticamente de forma sequencial, quase automática, dir-se-ia.

Ou seja, efetiva-se o ato administrativo do cadastro (Cadastur) com a consumação da conferência dos documentos comprobatórios de um estado preexistente de atuação da empresa na prestação de serviços de turismo. Em outras palavras, em relação a integrar o setor de turismo, o Cadastur apenas declara uma situação pré-existente, não a torna existente!

Essa consequência declaratória já foi reconhecida também pelo Superior Tribunal de Justiça em situação análoga. A corte, também analisando os efeitos de um cadastro ou registro, concluiu por serem tais efeitos eminentemente declaratórios, prestigiando-se o fato preexistente, em relação aos consectários do respectivo registro.

A decisão do STJ ocorreu no julgamento do Recurso Especial nº 1.905.573-MT, pela 2ª Seção daquela corte, efetivando-se, inclusive, sob o rito de Recursos Repetitivos, o que indica sua aplicação aos processos judiciais semelhantes.

Examinou o Tribunal Superior tema talvez até de maior repercussão: os efeitos decorrentes do "registro em junta comercial" de empresário rural, para fins de propositura, por este, de recuperação judicial. Naquele caso, o empresário rural promoveu seu cadastro no Registro Mercantil de Empresas apenas dois dias antes do protocolo do pedido de recuperação judicial, pedido que acabou indeferido por força do artigo 48 da Lei de Recuperação Judicial, visto que referida lei exigiria, segundo decidiram as instâncias inferiores, dois anos de registro "antecedente", sob a alegação de que a condição de empresário rural somente seria "constituída" a partir do registro. Destaque-se, desde logo, a similitude com o entendimento que tem sido aplicado à lei do Perse: exigência de Cadastur "antecedente" à publicação da lei do Perse para gozo dos respectivos benefícios.

Ao se debruçar sobre o tema do cadastro mercantil, o STJ pontificou de modo categórico: tal registro não tem efeito constitutivo, mas, puramente, declaratório! A análise superior demonstrou com clareza que registros ou cadastros desse tipo apenas retratam situação já definida no mundo real, no mundo social, não tendo o condão de criar realidades, mas, somente, de declará-las como existentes. É justamente exatamente o caso do Cadastur.

Com apoio na melhor doutrina, o ministro relator do caso citado, Luís Felipe Salomão, fixou as balizas para o melhor entendimento da questão: "Acerca da questão, Ricardo Fiuza e Newton De Lucca esclarecem que o registro apenas 'declara' a condição de empresário individual, tornando-o regular, mas não o transforma em empresário. […] Nesse mesmo rumo são os ensinamentos de Rubens Requião, segundo o qual o registro dos atos empresariais não é constitutivo de direitos […]" (Direito Comercial. v.1. 31ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012).

Sob a ótica do quanto perquirido pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, há que se enxergar a evidência de, se uma inscrição na Junta Comercial tem natureza e efeito meramente declaratórios de uma situação de fato preexistente, a natureza e os efeitos do Cadastur não poderiam ser diferentes.

Portanto, não há outra conclusão senão aquela que nos mostra que, à luz do Direito Administrativo e da jurisprudência do STJ, o Cadastur tem efeitos declaratórios da condição preexistente de prestador de serviços turísticos.

E, como o benefício legal deve alcançar a todos os restaurantes, bares e fast foods que tenham sofrido com a pandemia e que sejam reconhecidos como prestadores de serviços turísticos nesse período, os únicos deveres destes consubstanciam-se em provarem os efetivos prejuízos econômicos em razão da Covid-19 e em terem efetivado o respectivo Cadastur, assim fazendo jus ao enquadramento na lei do Perse (lei nº 14.148/2021), mesmo depois de sua entrada em vigor, constatação que, respeitosamente, entendemos deva ser observada pelo Poder Judiciário.

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  • é advogado tributarista, sócio fundador da Advocacia Haddad Neto, mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e especialista em Direito Tributário pelo Centro de Extensão Universitária (CEU).

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