Devolução integral do valor do veículo e o enriquecimento indevido
11 de novembro de 2022, 6h06
O Superior Tribunal de Justiça afastou, recentemente, a pretensão de uma montadora de veículo que pediu a rescisão contratual de compra e venda de automóvel com base no valor de mercado do bem e não com a restituição da quantia paga pelo produto. O caso foi analisado no julgamento do Recurso Especial nº 2.000.701–PR (2022/0130632-5).
De acordo com o entendimento do STJ, a pretensão da montadora recorrente não se mostra adequada. Isso porque "autorizar apenas a devolução do valor atual de mercado do bem e não o montante efetivamente despendido pelo consumidor quando da sua aquisição significaria transferir para o comprador os ônus, desgastes e inconvenientes da aquisição de um produto defeituoso".
Todavia, em que pese o entendimento exarado, a decisão encontra contradições na legislação vigente e na própria prática mercantil. Como se sabe, veículos sofrem desvalorização pelo simples fato de serem retirados da concessionária.
Ainda que a desvalorização não tenha um percentual fixo após a retirada do bem pelo proprietário, a quantia, em regra, varia entre 10% e 30%, podendo oscilar de acordo com diversos fatores. Entre eles, o tempo de uso, a condição do produto, o poder de comercialização do veículo, além de tantos outros. Entretanto, fato é que o veículo jamais terá o valor de nota fiscal novamente no mercado, como vem impondo o Superior Tribunal de Justiça.
Além disso, comumente, o mercado automotivo utiliza como parâmetro para avaliação de veículos usados a tabela Fipe. São realizados levantamentos de dados primários para a elaboração de índices, tabelas de preços médios e de quantidades de uma série de variáveis econômicas para precificar um veículo, fatores esses adotados em todo território nacional e que rege a relação do mercado automotivo no país.
Deste modo, impor aos fornecedores e fabricantes a devolução integral do valor pago pelo veículo pode se traduzir em verdadeiro enriquecimento indevido ao consumidor, ao contrário do que dispõe o artigo 884, do Código Civil.
É importante ressaltar que não se pretende a negar vigência aos direitos dos consumidores previstos no Código de Defesa do Consumidor, tampouco qualquer prerrogativa. Todavia, a restituição da quantia integral paga pelo bem viola a própria proibição de enriquecimento indevido, na medida em que, independentemente de eventual existência de vício ou defeito, como dito acima, os produtos já apresentam desvalorização inerente. Tal fato é incompatível com anos que uma demanda pode levar para transitar em julgado.
Vale destacar que, ao contrário do decidido, recentemente o Tribunal de Justiça do Paraná decidiu que a quantia a ser restituída ao consumidor deve ocorrer de acordo com a tabela Fipe, considerando o uso de um ano do veículo pelo proprietário. O julgamento do processo nº 0021264-06.2010.8.16.0001 ocorreu na 17ª Câmara Cível, em 27 de agosto de 2020.
Na mesma linha, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul destacou inclusive que a devolução do valor de mercado do produto é feita com base em precedentes (Apelação Cível, nº 70074662875, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em 15 de março de 2018, assim como o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo igualmente decidiu em situação análoga na Apelação nº 1039146-40.2014.8.26.0002, na 36ª Câmara).
Tais decisões, ao mesmo tempo que consagram os direitos previstos no CDC, garantem que o enriquecimento indevido não seja caracterizado, preservando a razoabilidade e proporcionalidade.
Portanto, diante do contexto, as decisões nesse sentido encontram óbice no enriquecimento indevido, na medida em que as características inerentes desse segmento devem ser levadas em conta.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!