Opinião

Atuação do Drei como modernizador do registro mercantil

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10 de novembro de 2022, 9h16

O Registro Público de Empresas Mercantis está estruturado de acordo com a Lei nº 8.934/1994, sendo um sistema integrado e composto por dois órgãos: 1) o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (Drei), que possui supervisora, orientadora, coordenadora e normativa, na área técnica; e 2) as Juntas Comerciais, como órgãos locais, com funções executora e administradora dos serviços de registro.

O registro mercantil tem por principal finalidade dar garantia, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos das empresas mercantis, nos termos da Lei nº 8.934/1994.

Para atingir tal finalidade, a lei estabelece que cabe ao registro mercantil examinar se os atos apresentados cumprem as formalidades legais e não são contrários à ordem pública ou aos bons costumes. Cumpridos esses requisitos, os atos devem ser arquivados.

Assim, em que pese nos parece evidente que a análise das Juntas Comerciais deveria ser restrita a uma análise formal, não cabendo ao registrador adentrar no mérito do ato apresentado, é comum para aqueles que atuam no direito societário alguma vez proferir a seguinte frase: "acho que isso não vai dar registro".

Não pense o leitor, que não está acostumado em lidar com a burocracia empresarial, que o autor de tal frase estava a cometer algum ilícito e tinha receio que seria descoberto pelo registro mercantil, normalmente o receio surge em assuntos menos comuns, mas ainda assim normais para a vida societária, como, por exemplo, a exclusão de sócio do quadro societário, aplicação subsidiária da Lei das S.A. para sociedades limitadas e restruturação societárias.

A exclusão de sócio está prevista no artigo 1.085 do Código Civil. Nele, identificamos que são requisitos para proceder com a exclusão de sócios: 1) a previsão dessa possibilidade no contrato social; 2) que o sócio esteja pondo em risco a continuidade da empresa; 3) a ciência do sócio, objeto da exclusão da sociedade; e 4) a realização de reunião ou assembleia convocada para esse fim, a qual deverá garantir ao sócio o seu direito de defesa.

Muito provavelmente, esse assunto trará embates entre os sócios e que o sócio excluído buscará impedir sua exclusão. Contudo, o registro mercantil não tem função jurisdicional, não cabendo a ele avaliar se de fato o sócio estava pondo em risco a continuidade da empresa, visto ser uma matéria de cunho subjetivo, a ser decidida entre os sócios.

Não obstante, não era incomum o enfrentamento de dificuldades ao buscar-se o arquivamento do ato de exclusão de sócios, ainda que os sócios tivessem observado os requisitos legais.

Uma exigência recorrente era sobre a ciência do sócio sobre a realização da reunião ou assembleia. Existia a interpretação, nas juntas comerciais, que a ciência do sócio excluído deveria se dar de forma inequívoca, ou seja, o sócio deveria se manifestar por escrito que estava ciente que ocorreria a reunião que deliberaria por sua exclusão [1].

Felizmente, temos notado uma mudança nesse posicionamento do Drei.

Em decisão [2] deste ano, o Drei manteve a decisão do Plenário de Vogais da Junta Comercial do Estado de Minas Gerais (Jucemg), que havia reformado a decisão inicial de analista do registro empresarial, por entender que os administradores e sócios observaram a previsão do contrato social, dado que esse exigia apenas o envio de e-mail com antecedência e indicasse as matérias a serem tratadas, não existindo a obrigação da comprovação da ciência do sócio a ser excluído, conforme a seguir trecho transcrito:

"Aqui, importante destacar que obedecidos os requisitos da convocação, não [há] nenhuma determinação legal que exija a comprovação da ciência pelo sócio. Ou seja, a exigência aposta anteriormente no processo não encontrava amparo legal.
Por último, houve a realização de reunião convocada para tal finalidade e a maioria do capital deliberou pela exclusão da sócia Guia Incorporações Eireli. Verifica-se, portanto, de acordo com o exposto acima, que todas as formalidades contidas no artigo 1085, parágrafo único, do Código Civil, foram observadas pela Junta Comercial quando do arquivamento dos atos impugnados pela recorrente.
Nesse sentido, repisamos que as atribuições das Juntas Comerciais se restringem a um exame formal dos atos que lhe são submetidos, cotejando tão somente a adequação destes atos à legislação pertinente, sem alcançar a realidade subjacente às suas aparências extrínseca e formal
."

Esse posicionamento ocorre não apenas em matéria de exclusão de sócios, mas em outros temas tão sensíveis quanto a exclusão de sócios.

Por exemplo, em outro julgado recente [3], o Drei julgou sobre a possibilidade da realização de grupamento de quotas, mesmo quando, em decorrência da operação, ocorra a exclusão de sócios minoritários.

Nesse julgado, o Drei reformou a decisão da Turma de Vogais da Jucemg — que havia sido mantida pelo Plenário — por entender que: 1) a sociedade adotou de forma presumida a regência supletiva da Lei das S.A., visto possuir um Conselho de Administração, presunção essa autorizada pela Instrução Normativa Drei nº 81/2019; e, logo, 2) a realização do grupamento, previsto no artigo12 da Lei das S.A., foi regular, uma vez que as formalidades necessárias para o arquivamento da ata foram observadas (convocação e observância do quórum para aprovação da matéria).

Importante ressaltar que nessa decisão, o Drei trouxe a menção a Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) como um dos fundamentos para seu posicionamento.

Em outra decisão [4], também com apoio na Lei da Liberdade Econômica, o Drei não aprovou a anulação do registro de um ato societário que havia deliberado sobre a cisão parcial de uma Sociedade Anônima com incorporação da parcela cindida em um Fundo de Investimento em Participações (FIP). No passado, havia muita discussão sobre a possibilidade de realização de operações de reorganização societária que tivessem como parte fundos de investimento, e não apenas sociedades empresárias, com base em uma interpretação restritiva da lei. O Drei ampliou essa interpretação para privilegiar a autonomia privada.

A fundamentação para a decisão do Drei foi que 1) não há ilegalidade expressa na operação; 2) não deve ser realizada interpretação restritiva das normas para esse caso, mas sim com razoabilidade e sem criação de exigências adicionais e desproporcionais; e 3) a Lei de Liberdade Econômica, especialmente o artigo 3º, V e VIII, demanda que a administração pública deve, em suas interpretações, preservar a autonomia privada e garantir que os negócios jurídicos respeitem a livre estipulação entre as partes, exceto caso exista normas de ordem pública em contrário.

Desse modo, com base nestas últimas decisões do Drei, bem como as últimas normas expedidas pelo Drei — notadamente a Instrução Normativa nº 81 —, percebemos que existe uma clara tentativa do Drei de retomar a finalidade precípua do registro mercantil, fazendo com que ele atue como um órgão da administração pública que se atém aos aspectos formais dos atos, busca trazer segurança jurídica à sociedade e visa não ser um obstáculo a realização de negócios no Brasil.

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