Opinião

Imparcilidade no modelo paritário dos julgamentos administrativos tributários

Autores

8 de novembro de 2022, 11h06

A presente reflexão tem como objetivo abordar o modelo de julgamento no processo administrativo tributário sob o âmbito da neutralidade dos julgadores, analisando suas características e fazendo um cotejo entre o órgão colegiado paritário e o julgador monocrático.

Os órgãos julgadores paritários são muito comuns nos processos administrativos tributários. São exemplos desses órgãos o Carf (Conselho Superior de Recursos Fiscais), órgão julgado vinculado ao Ministério da Economia que julga processos relacionados a tributos federais; e o CRF (Conselho de Recursos Fiscais), órgão julgador vinculado à Secretaria de Estado da Fazenda do Estado do Amazonas (Sefaz-AM) que julga, naquela unidade federativa, processos relacionados a tributos estaduais.

São órgão paritários porque são compostos por julgadores representantes da fazenda e dos contribuintes, nos termos do artigo 48, da Lei nº 11.941, de 17 de maio de 2009, no caso do Carf; e do artigo 230, da Lei Complementar do Estado do Amazonas nº 19, de 29 de dezembro de 1997.

Como bem apontado por Lucas Galvão de Brito [1], o corte é necessário para conhecer qualquer objeto que se pretenda. Por essa razão, é de suma importância um primeiro recorte a fim distinguir os termos "neutralidade" e "imparcialidade", a fim de que não sejam confundidos pelos leitores.

A imparcialidade é um dever de todo julgador consistente em ficar equidistante de todas as partes do processo, sendo impedido de beneficiar uma em detrimento da outra em razão de tratamento distinto. Por outro lado, a neutralidade está relacionada ao despojamento do julgador de suas convicções filosóficas, religiosas, políticas ou qualquer uma eu possa influenciar na sua interpretação do texto legal e dos fatos postos.

É interessante destacar que, no âmbito do processo administrativo, existe a imparcialidade material e a imparcialidade orgânica. A imparcialidade material está relacionada com o objetivo do órgão de lançamento e do órgão de julgamento de realizar o controle de legalidade, aplicando a lei vigente sem que o interesse arrecadatório prevaleça contra a lei. A imparcialidade orgânica se refere ao fato de não existir hierarquia entre os órgãos de julgamento administrativos, ou seja, não há um vínculo de subordinação entre os órgãos, neste contexto os julgadores administrativos não devem ficar vinculados ao seu órgão de origem.

Em suma, a imparcialidade deve ser atendida independentemente da linha filosófica, religiosa ou política que tenha o julgador. Todavia, a neutralidade, individualmente, é impossível de ser alcançada, pois "cada intérprete utiliza suas próprias ideologias e horizonte linguístico para chegar a uma conclusão" [2] e o julgador é um ser humano que, como qualquer outro, tem seus princípios, ideais, crenças, etc, de tal forma que sempre será atribuído um valor subjetivo às provas apresentadas no processo, a fim de chegar em uma interpretação para proferir a decisão judicial.

Sempre é debatida a total imparcialidade, tanto dos julgadores do contribuinte, quanto dos julgadores fazendários, por ocuparem cargos de representatividade e muitas vezes dependerem de recondução em seus mandatos. Contudo, os fatores externos, no geral, não são capazes de contaminar um colegiado em razão da imparcialidade orgânica, já explicada acima.

Por outro lado, quando analisado sob o ponto de vista da neutralidade, muitas vezes os valores axiológicos aplicados ao caso concreto pelo julgador são de inclinação política, o que acaba dando a sensação de decisões monocráticas com parcialidade, pelo fato de ideais políticos subjetivos do julgador estar alinhados às convicções de uma das partes. Nesse contexto, o julgamento monocrático sofre mais risco de parcialidade, considerando que sua decisão depende das convicções exclusivas de uma só pessoa.

Já o colegiado, composto por uma pluralidade de julgadores, tem o condão de analisar e debater os votos proferidos pelo relator, o que leva à mitigação do problema de a impossibilidade de neutralidade beneficiar indiscriminadamente uma das partes, considerando que o relator pode ser vencido no voto. Neste sentido, o voto do colegiado não depende exclusivamente do entendimento do relator sobre a matéria posta a julgamento e sim de todos os membros do órgão de julgamento. Dessa forma, o risco de parcialidade é minorado.

Portanto, uma característica essencial do julgamento colegiado é que a eventual parcialidade de apenas um membro não é capaz de contaminar a neutralidade e imparcialidade do julgamento.

Como já afirmado nas linhas iniciais, há decisões proferidas por meio de um colegiado administrativo que tem sua configuração paritária, composto por representantes do contribuinte e da fazenda. Cada estado tem a competência para dispor sobre a organização do órgão e de como será composta a mesa de julgadores. Em nível federal o modelo paritário já foi adotado para o Carf. Tal modelo de composição paritária reforça a imparcialidade e mitiga os problemas da impossibilidade de neutralidade. Vejamos os ensinamentos do ilustre Rodrigo Dalla Pria:

"O modelo de composição paritária utilizado pela maioria dos tribunais administrativos tributários — cuja característica fundamental está em selecionar os julgadores entre candidatos indicados por entidades representativas de ambos os sujeitos de direito tributário, e em idêntica proporção —, quando implementado a partir de critérios legais objetivos que privilegiem a capacitação técnica e idoneidade moral do candidato, longe de comprometer a independência da autoridade julgadora e a autonomia do órgão judicante, tende a reforçar o compromisso do Estado com o autocontrole da atividade impositiva e com a concreta realização da 'justiça tributária'" [3].

Verifica-se que o modelo de composição paritária nos órgãos contenciosos administrativos tributários reforça a imparcialidade dos julgamentos. Nesse modelo, as decisões tendem a ser revestidas de um maior acerto, pois a experiência de todos os julgadores estará posta na decisão efetivada.

Em relação aos órgãos julgadores de composição paritária, há uma discussão sobre a necessidade de escolha dos julgadores por intermédio de concurso público como forma de evitar possíveis decisões com imparcialidade causada pela indicação das entidades representativas de pessoas que supostamente não teriam conhecimento suficiente.

Todavia, entendemos que não há como chegar à conclusão de que seria menos imparcial se houvesse o concurso dos julgadores, pois a imparcialidade não está ligada ao conhecimento do julgador. A imparcialidade do julgador está relacionada com a idoneidade moral, que não pode ser medida por meio de um concurso por ser uma questão subjetiva.

Apesar de exigir tentativas de imposição de critérios objetivos para avaliar a idoneidade moral, como não ter condenação criminal transitada em julgado, isso também não garante a imparcialidade, uma vez que mesmo uma pessoa que não tenha condenação criminal transitada em julgado poderá vir a ser condenada posteriormente.

Ademais, podemos analisar os órgãos colegiados no âmbito do Poder Judiciário, pois as decisões proferidas em colegiado tendem a ser mais imparciais que as proferidas de forma monocrática.

Para exemplificar, vejamos a seguinte situação hipotética: um decreto proferido por um presidente é alvo de ação direta de inconstitucionalidade e o relator do processo é o ministro que tem ideais de oposição e não concorda com as posições tomadas pelo atual governo. Por mais técnico que seja o ministro, a interpretação constitucional do decreto poderá ser maculada pelo seu posicionamento e ideais políticos. Entretanto, se a declaração de inconstitucionalidade for proferida pelo colegiado, o risco de parcialidade é reduzido, visto que foi uma decisão em conjunto e que não teve a prevalência das convicções ideológicas de apenas um julgador.

Nesta toada, o sistema de recurso acaba invertendo os poderes dos julgadores, o monocrático, de primeira instância, tem poderes plenos sobre a sua decisão, enquanto o colegiado, de segunda instância, depende da concordância dos demais julgadores, regra que aumenta a imparcialidade no julgamento.

Por todo o exposto, chega-se à conclusão de que o modelo paritário dos órgãos julgadores de processos tributários é salutar na busca por decisões mais acertadas, pois tende a evitar decisões tomadas com parcialidade ao afastar ideologias de um único membro e mitigar as interferências externas.

 


[1] BRITO, Lucas Galvão de. O lugar e o tributo. São Paulo: Noeses, 2014.

[2] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 8ª. Ed. 2021.

[3] PRIA, Rodrigo Dalla. Direito Processual Tributário. São Paulo: Noeses, 2021.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!