Compliance e a nova era da gestão da segurança pública
4 de novembro de 2022, 17h03
Este artigo tem o objetivo de oferecer uma visão sobre os avanços na área de gestão e sua repercussão na segurança pública no tocante a implementação de programas de compliance a fim de almejar a otimização e eficiência concreta na administração da atividade policial.
Sabe-se que a segurança pública é direito de todos e dever do Estado nos termos do artigo 144 da CF:
"Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (…)" [1].
Aliado a isto, a alteração promovida pela Emenda Constitucional 19 de 1998, acrescentou aos princípios base da administração pública a eficiência, passando a ser esta a prioridade da gestão, sobrepondo-se à burocracia tão marcante no serviço público.
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (…)" [2]. (grifou-se)
De la pra cá, muito se fala em otimização e evolução da gestão pública a fim de fazer com que a máquina pública seja mais proativa na solução das demandas sociais. Neste diapasão, a segurança pública, como atividade fundamental do Estado democrático, representada por suas forças exige a adoção de novas práticas a fim de fazer cada vez mais, de modo mais eficiente, e com menos desperdício, visando a prestação de um serviço de maior qualidade e a prevenção e repressão de violações éticas dentro da própria instituição.
Deste modo, dentre os diversos programas de gestão, o compliance é um meio de otimizar e elevar a segurança pública ao nível de excelência que ela merece.
A conceituação simplória de compliance é agir em conformidade com as normas, é uma ferramenta primordial para uma atividade administrativa efetiva. Compreende-se como o conjunto de programas de integridade para a criação de estratégias visando inibir atos antiéticos e atuar no combate eficaz a corrupção.
A primeira implementação do compliance no setor público veio da necessidade de o Brasil conseguir entrar na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico),
"A Organização permite a troca de informações e alinhamento de políticas entre os países-membros com o objetivo de potencializar o crescimento econômico e contribuir para o desenvolvimento de todos os participantes, tornando-se um importante ator na busca de soluções de políticas públicas em um mundo globalizado" [3].
E para tanto, exige que o país esteja alinhado a programas de integridade. Ademais, de acordo com a Recomendação do Conselho da OCDE sobre a Integridade Pública, a "integridade pública refere-se ao alinhamento consistente e à adesão de valores, princípios e normas éticas comuns para sustentar e priorizar o interesse público sobre os interesses privados no setor público" [5].
A partir deste impulso, verificou-se que no mundo globalizado atual, e como meio de atender as demandas crescentes sociais, o compliance é fundamental no setor público como um todo, e assim, pode ser o grande diferencial na área da segurança pública. Afinal,
"Organização e conformidade. Governança e gestão de riscos. Essas são palavras que caminham de mãos dadas com o compliance. Se levarmos para o contexto da Administração Pública, podemos resumir tudo em poucas palavras: ética, respeito, decoro. Todos esses princípios são fundamentais na prestação de serviços e, principalmente, na gestão de recursos públicos. Uma má administração nesse sentido resulta em um baixo desenvolvimento econômico e ainda impacta negativamente a qualidade de vida em sociedade" [6].
Por mais, o compliance está inserido na legislação brasileira a ser aplicada em diversos casos,
"Conforme indicado por Odete Medauar (2018) o Estatuto Jurídico das Empresas Estatais – Lei nº 13.303 de 2016 prevê a inclusão, nas respectivas estruturas, de programas de compliance, para a verificação do cumprimento das obrigações e a gestão de riscos — artigo 9º, inciso II" [7].
Bem como,
"A Lei nº 13.848 de 2019 conhecida como a Nova Lei das Agências Reguladoras trata da gestão, da organização, do processo decisório e do controle social em tais agências. A referida Lei trouxe diversas inovações, entre elas, a imposição de regras de compliance e de governança, mais precisamente, no artigo 3º, § 3º. Destaca-se que os métodos de compliance têm sido utilizados como forma de prevenção" [8].
Partindo-se assim, a fim de assegurar que as relações que se travassem entre particulares e o setor público fossem protegidas, e a integridade da administração pública assegurada, que a ferramenta do compliance é o diferencial. Para sua efetiva implementação, se baseia em alguns princípios que na iniciativa privada são nove, quais sejam: comprometimento; avaliação de riscos; código de conduta; política interna; canais de denúncias; investigação interna; treinamentos; due diligence e auditoria e monitoramento.
Já no serviço público, tem-se quatro princípios primordiais, e os demais são sub-princípios, são eles: o comprometimento e apoio da alta administração, a análise de risco e o plano de integridade. Isso porque,
"Na Administração Pública, por sua vez, o compliance demanda uma transformação organizacional, comportamental e cultural, de maneira que os agentes e órgãos públicos desenhem práticas, normas e rotinas administrativas que busquem o efetivo aprimoramento da gestão pública na perspectiva da ética pública, bem como maior eficiência no trato da coisa pública, mediante a transparência e abertura de canais de comunicação com a sociedade; construção de políticas de integridade; responsabilização das ilicitudes; aperfeiçoamento da gestão de políticas públicas, dentre outros" [9].
O comprometimento e o apoio da alta administração estabelece que o programa deve ser efetivo e ter o apoio total da alta gestão para ser uma cultura a ser adotada por toda instituição.
Na segurança pública relaciona-se ao apoio e incentivo do alto escalão e da inserção e adoção do planejamento estratégico, focado na missão, visão e valores. Uma instituição que sabe seus valores, o caminho a seguir para alcançar o objetivo é aquela que tem razão e foco para o que é necessário para se tornar a melhor.
Esta mentalidade já está implementada em diversas forças de segurança, com a elaboração dos planos estratégicos, por exemplo, nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
A implementação de tais medidas, por demais teóricas e em nível prospectivo são eficazes para a condução dos próximos passos a se tomar, e a conduta de todos aqueles que a integram.
A partir deste primeiro passo, adentra-se na avaliação de riscos, que nada mais é do que o levantamento dos riscos da área para perpetração dos objetivos e alcance da visão e gestão para evitar que tais riscos levantados ocorram, e que se vierem a se suceder não seja algo imprevisível e exista, ao menos minimamente, uma plano de ação.
Seguindo esta base sólida, do engajamento da administração e ciente dos riscos possíveis, elabora-se o plano de integridade, que é o modo de implementação do compliance, um modo de agir, com normas, objetivos, diretrizes, é a concretização,a forma de implementar a nova visão da instituição.
Assim sendo, para evitar a concretização dos riscos e estabelecer condutas de agir, que dentro do plano de integridade, encontram-se diversas premissas, como o código de conduta, que traz a postura da instituição, e pode ser representado pelos estatutos.
Ainda, a existência dos canais de denúncias, já usados e atualmente ainda mais estimulados e divulgados para que a sociedade faça a avaliação do atendimento e das ocorrências do trabalho, e com isso possam ser trabalhadas as melhorias devidas para a efetivação do plano estratégico. Afinal, o serviço público está para servir a população, e assim, o deve fazer.
Do mesmo modo, são tidas como atividades fundamentais do programa de integridade a atuação da corregedoria, ouvidoria, comissão de ética, conselho da polícia, controle externo do Ministério público, constituindo-se de mecanismos independentes e complementares a fim de tornar a gestão alinhada com o serviço desempenhado em prol do cidadão.
Neste nicho, tem-se também a investigação interna, a fim de reprimir condutas contrárias ao código de conduta e as leis, demonstrando que é necessário seguir as regras sob pena de sanções efetivas, uma verdadeira pronta resposta àqueles que não estão engajados com a finalidade almejada na instituição. Este canal se mostra por demais eficiente para punir todo aquele que praticar atos antiéticos, ilegais e a corrupção, demonstrando a implementação efetiva das novas legislações de regulamentação.
Inclusive, há diversas legislações que punem qualquer desvio ético e ilegal, desde a punição administrativa com base no estatuto dos órgãos, como as legislações de abuso de autoridade (Lei n° 13.869/2019), improbidade administrativa (Lei n° 8.429/1992), lei anticorrupção (Lei n° 12.846/2013), Lei Geral de Proteção de Dados -LGPD (Lei n° 13.709/2019).
Outro norteador fundamental para o plano de integridade funcionar é o treinamento, é neste pilar que se visa a propagação e o enraizamento dos valores da instituição, contribui para o programa de compliance ser efetivo, e para se caminhar para o alcance da visão estratégica. Afinal, de nada adianta um plano de integridade completo, se ele não é de conhecimento daqueles que compõe e fazem a instituição.
Por fim, está a auditoria e monitoramento, que é o acompanhamento da real aplicação do programa de compliance, se a instituição está efetivamente comprometida, quais são as deficiências do planejamento e o que precisa ser melhorado. Ou seja,
"O compliance tem a função de nortear a atuação e a conduta dos indivíduos da organização, que devem respeitar o código de conduta, as diretrizes da organização e as normas externas. Assim, entre os benefícios do Programa de Integridade cabe indicar a diminuição da possibilidade de cometimento de atos ilícitos — conflitos de interesse, lavagem de dinheiro e fraudes —, bem como o fortalecimento da imagem e da reputação da organização" [10].
Ora, do exposto, percebe-se que o programa de compliance é baseado teoricamente em referências a fim de que se torne executável e possa exercer um controle em todas as suas formas.
Na segurança pública, a conduta dos profissionais é a razão de ser do trabalho, ou seja, a segurança pública é feita por pessoas, e assim, precisam estas serem valorizadas, incentivadas, preparadas pelo Estado a fim de atuar em conformidade com os fins previstos.
O que exige a otimização da gestão como um todo para que os recursos, cada vez mais escassos pelos problemas sociais, possam ser usados de modo a ter profissionais cada dia mais preparados e comprometidos com a causa. O trabalho direto na qualificação e nova doutrina de integridade faz com que as próprias partes integrantes da instituição atuem para repelir todo aquele que a adentra com objetivos escuros ou a fim de satisfazer interesses pessoais permaneça no órgão.
Do mais, a atuação focada no objetivo, e estabelecido de forma clara a missão, visão e valores da instituição, o uso dos recursos se torna mais eficiente, tendo o direcionamento de onde precisa chegar, sabe-se onde investir e quais as demandas primordiais, tornando-se o plano de integridade uma ferramenta de otimização.
Posto isso, é possível concluir que a nova era de gestão pública exige a implementação de ferramentas a assegurar integridade dos seus agentes e o compliance é uma aliada nesta evolução. Isso especialmente quando analisamos a segurança pública, que é e sempre será, mesmo com todas as tecnologias disponíveis, uma instituição de pessoas, é o agente público que faz a segurança pública.
Verifica-se que o compliance é um programa de matriz teórica e filosófica, originário das organizações privadas, que por exigência externa foi implementado na administração pública, e que se mostra fundamental para a gestão da segurança pública.
É necessário adequar-se para este fenômeno cada dia mais fundamental. Afinal, a sociedade e o próprio aparato estatal primam por uma atuação em conformidade, moral e legalmente, que esteja pronta a identificar falhas, detectar e corrigir desvios e más condutas, reprimir atos de corrupção.
Assim sendo, a implementação de programas de integridade neste ramo público tende a otimizar, e melhor qualificar o trabalho e os profissionais, para que se sintam direcionados e motivados a um fim claro e determinado e que com isso, possam ser integrantes das mudanças concretas na sociedade decorrente de uma segurança pública efetiva.
Isto porque, uma gestão de segurança pública pautada por bases sólidas e comprometidas por todos seus membros integrantes, de modo colaborativo e eficaz, pode finalmente, dizer que é uma administração pública pautada efetivamente nos princípios básicos constitucionais.
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Referências
1. Constituição (planalto.gov.br)
2. Constituição (planalto.gov.br)
3. OCDE — Português (Brasil) (www.gov.br)
4. OCDE — Português (Brasil) (www.gov.br)
5. Recomendacao_conselho_ocde_integridade_publica.pdf (legiscompliance.com.br) — pág. 03.
7. Compliance na Administração Pública – Blog do Juris (juriscorrespondente.com.br)
8. Compliance na Administração Pública – Blog do Juris (juriscorrespondente.com.br)
9. Compliance e Direito Administrativo: algumas reflexões iniciais – Jus.com.br | Jus Navigandi
10. Compliance na Administração Pública – Blog do Juris (juriscorrespondente.com.br)
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