Primeiros apontamentos, síntese
Início. A indústria, já no começo dos anos 1900, trouxe a urbanização às capitais, o que veio a ocorrer com maior volume nos anos 1950 e 1960, deslocando a população da área rural para a urbana, agravando o problema da moradia. Este deslocamento gerou o encarecimento dos terrenos, acarretando e construção de prédios abrigando as famílias; assim, o condomínio foi uma saída à necessidade de moradias, com o compartilhamento das áreas comuns. O solo foi parcelado, permitindo aos condomínios edilícios se estabelecerem pela propriedade em planos horizontais, atribuindo-se a cada condômino uma fração ideal (as partes comuns, fachadas, áreas de lazer, portaria e corredores), dos quais todos são coproprietários, excetuando a cada coproprietário sua propriedade exclusiva sobre suas unidades (lojas, salas, apartamentos, coberturas e garagens). Viver em condomínio permite melhor uso do espaço, mas ao mesmo tempo acarreta problemas advindos da convivência social. Torna -se necessário uma curta exposição sobre alguns institutos, tais como a propriedade, os direitos de vizinhança, o uso normal e anormal da propriedade, o condomínio em edifícios (com os direitos e deveres dos condôminos), e as penalidades aplicáveis ao condômino antissocial.
Propriedade: Aparece em nosso Código Civil Brasileiro como o direito real por excelência, elencada no artigo 1.225, da qual advém todo o direito das coisas. Trata -se de tema jurídico complexo, e que no condomínio surge com a relação nascida entre o titular do bem imóvel (assim individualizado) e os demais coproprietários (a coletividade de condôminos), que permite ao seu titular o exercício do domínio, do uso, gozo, de dispor e de reivindicar a coisa sobre a qual recai (artigo 1.228, CCB). Este instituto da propriedade, em nosso ordenamento jurídico, tem status de direito fundamental, ladeando os valores da vida, da liberdade, da igualdade e da segurança, compondo a norma estabelecida no artigo 5º, "caput", da Constituição Federal. É um direito subjetivo, garantido pela ordem jurídica, em que, se ao titular da propriedade é garantido o exercício dos seus poderes de domínio, podendo usar e fruir, esse uso demanda um comportamento colaboracionista com a coletividade, observando -se principalmente a função social da propriedade.
Do uso normal e anormal da propriedade
O direito de propriedade não é absoluto, e deve ser exercido dentro das limitações previstas na lei, em conjunto com próprias finalidades econômicas e sociais (artigo 1.228, §1º., CCB). Alguém, ao exercer seus direitos, não pode prejudicar a outra pessoa, ainda mais se esse exercício é desprovido de comodidade ou de utilidade, acarretando prejuízo, segundo o artigo 1.228 §2º, CCB: "São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem”. Nesse passo, a utilização da propriedade deve ser racional e limitada pelos interesses da sociedade (direitos de vizinhança, de ordem constitucional e administrativa). Ato ilícito é todo exercício de um direito com a intenção de prejudicar a outrem, sendo que o mau uso da propriedade dá -se pela prática de atos ilegais, abusivos ou excessivos. O nosso CCB (artigo 187), trata do abuso de direito e informa que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes". Conceitua-se o uso normal da propriedade como aquele que atende aos deveres de segurança, salubridade e sossego dos prédios vizinhos.
Por segurança podemos entender os atos que não atinjam e prejudiquem a solidez e estabilidade material do imóvel, bem como a incolumidade pessoal de seus moradores, devendo ser afastado qualquer perigo pessoal ou patrimonial. O sossego, por seu turno, é o direito à paz de espírito, ao repouso, ao refazimento no lar, à razoável tranquilidade, sendo permitido por lei o afastamento de ruídos excessivos que comprometam a incolumidade de pessoa. Fechando o tópico, vem a saúde, definida como o direito ao estado biológico normal, em sua acepção física e psíquica, diante de agentes físicos, químicos e biológicos hostis ao indivíduo.
Do direito de vizinhança
É lógico pensar que a lei põe limitações a tudo o que é absoluto, e nesse sentir, também o faz com relação à extensão das faculdades de usar e gozar por parte de proprietários e possuidores de imóveis vizinhos, atribuindo-lhes um peso ao impor restrições em favor de permitir a convivência social e para que a propriedade de cada um seja respeitada: podemos traduzir como limites ao uso individual que impõe restrições de parte à parte em relação ao exercício da propriedade.
E assim é para propiciar a necessidade de conciliação entre o exercício dos direitos de cada proprietário em relação aos seus vizinhos, objetivando a harmonia social.
Daí que a propriedade deve permitir a existência de conciliar o exercício por parte de proprietários confinantes, lembrando que o Homem é a "fonte permanente de conflitos". Desta forma, o conflito de vizinhança nasce sempre do ato do proprietário ou possuidor de um imóvel que vem repercutir no imóvel contíguo, prejudicando-lhe ou incomodando -lhe. Devemos entender que a propriedade vizinha não se restringe apenas aos confinantes, sendo assim considerada todas aquelas que puderem sofrer repercussão de atos propagados de propriedades próximos.
No artigo 1.277, CCB, jaz um critério para aferir a existência e medir a gravidade da violação, objetivando regular as relações entre vizinhos, mas não dispensando, para averiguar o uso anormal da propriedade, de se auferir: "a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança". Entre as edificações limítrofes, se aplica o direito de vizinhança no que respeita ao uso anormal da propriedade, com todas as repercussões aos vizinhos, especialmente em relação ao desrespeito aos deveres de sossego, salubridade e segurança; vale registrar que no caso do condomínio em edificações, existe regramento interno para as relações entre os condôminos. Os direitos de vizinhança se aplicam entre os prédios vizinhos, enquanto no condomínio edilício existem normas internas que se aplicam nas áreas comuns, bem como na relação destas com as áreas privativas, tendente a regular as relações entre os coproprietários e moradores.
Visto isso, podemos entender que o direito faculta à cada sociedade condominial, que discipline internamente as questões de convivência entre seus coproprietários e moradores, por meio da criação de um regramento interno próprio, composto pela convenção do condomínio, regimento interno e pelas decisões assembleares. O regramento interno do condomínio permite a aplicação de sanções nos casos de descumprimento dos seus preceitos, tudo em consonância com as demais normas jurídicas previstas na Constituição Federal, Código Civil, Lei de Condomínios e Incorporações (4.591/64) e demais legislações aplicáveis.
Condomínio edilício
Prosseguindo, depois de conceituar a propriedade, uso anormal e direitos de vizinhança, podemos avançar para o condomínio especial em edificações.
Segundo Stolze (2019), "O condomínio edilício refere-se exclusivamente aos imóveis onde coexistem partes comuns e partes exclusivas, por exemplo:
(1) num edifício residencial, o apartamento é propriedade exclusiva, e partes como elevadores, piscinas, portaria etc. são partes comuns, sendo que cada condômino é dono de seu apartamento mais uma fração ideal nas partes comuns".
Em síntese, com objetivo pedagógico, podemos dizer que o condomínio edilício se caracteriza pela justaposição de propriedades distintas, ao lado do condomínio de partes do edifício, forçadamente comuns (artigo 1.331 do Código Civil). Cada condômino tem uma fração ideal do condomínio, que representa a parte que o dono do apartamento tem no terreno em que está construído o prédio. Com efeito, cada proprietário de fração autônoma (apartamento, sala de utilização profissional, garagem) pode usar livremente das partes comuns, atendendo à sua destinação e não prejudicando a comunhão.
Principais deveres dos condôminos
São os principais deveres do condômino, sempre os bons costumes e as três letras "s". Invariavelmente, quando se trata das relações na sociedade condominial, os coproprietários possuem direitos que devem ser respeitados e obrigações que devem observar, visando a melhor utilização da propriedade individual para não conflitar ou retirar a harmonia da relação com os demais coproprietários. O CCB, nos traz alguns deveres do condômino, dentre eles o de não utilizar sua propriedade de maneira prejudicial ao sossego , salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes (artigo 1.336 inciso IV), no mesmo sentido dos direitos de vizinhança já abordados anteriormente.
O condômino antissocial na lei
A vida em condomínio permite um maior aproveitamento do espaço urbano, mas gera uma permanente tensão entre seus moradores, pelo forçado convívio entre eles. A maioria dos problemas da propriedade horizontal se iniciam no descumprimento das normas e obrigações junto à comunidade. O condômino antissocial é aquele coproprietário que exercita seus poderes de modo prejudicial ou potencialmente danoso aos outros condôminos, tendo um comportamento que gera incompatibilidade de convívio. Suas práticas desrespeitosas violam direitos alheios como o sossego, colocam em risco a segurança e a saúde alheias e não observam os bons costumes. O antissocial não se configura com a realidade social e coletiva do condomínio, infringindo os deveres do condômino previstos no artigo 1.336, inciso IV, CCB, normas do regramento interno e de sossego , segurança e salubridade, bem como os bons costumes da sociedade condominial.
A conduta antissocial deve ser reiterada, não se qualificando em atos isolados. Sua conduta é nociva à sociedade condominial.
Encontra-se no CCB, artigos 1.336 e 1.337, a disciplina sobre o condômino antissocial, como aquele coproprietário que descumpre "qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV (artigo 1.336)". O antissocial pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem. Na determinação posterior (artigo 1.337, CCB), há previsão de que "o condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem".
Aquele condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá pagar uma multa de dez vezes a contribuição condominial, mediante decisão assemblear.
As multas pelo mau comportamento do condômino do Código Civil, configuram-se autêntico instrumento da autotutela de defesa do bom uso da propriedade, devendo ser aplicadas pelo próprio condomínio administrativamente.
No entanto, as penalidades são de difícil aplicação, já que alguns casos dependem de elevado quórum de raro alcance em uma assembleia condominial, o que as torna praticamente ineficazes.
O artigo 1.336, parágrafo 2º, permite a aplicação de uma multa de cinco cotas, se constar da convenção do condomínio; mas, se não estiver expressamente prevista, necessitará de assembleia especialmente convocada (quórum de 2/3 dos condôminos).
O artigo 1.337, permite uma multa de cinco contribuições condominiais para as condutas reiteradamente contrárias às normas condominiais, e, no parágrafo único, permite como medida extrema a aplicação de multa de dez cotas condominiais ao condômino que gera incompatibilidade de convivência, até "ulterior decisão em assembleia".
Nesses últimos casos será necessário o quórum de 3/4 dos condôminos restantes.
Necessidade de prévia notificação para o exercício de defesa
Há decisão exarada pela 4ª Turma do STJ, determinando que a sanção prevista para o condômino antissocial (CCB/2002, artigo 1.337, parágrafo único) não pode ser aplicada sem que antes lhe seja conferido o direito de defesa. Sendo necessário conferir ao condômino a possibilidade de defesa, a 4ª Turma do STJ anulou multa imposta pelo condomínio ao condômino tido como antissocial, considerando decisões do STF para aplicar os direitos fundamentais às relações de natureza privada (CF/88, artigo 5°). Eis o que expressa, no raciocínio, o relator. De fato, o CCB na linha de suas diretrizes da socialidade, cunho de humanização do direito e de vivência social, da eticidade, na busca de solução mais justa e equitativa, e da operabilidade, alcançando o direito em sua concretude, previu, no âmbito da função social da posse e da propriedade, no particular, a proteção da convivência coletiva na propriedade horizontal.
Nesse passo, como sabido, os condôminos podem usar, fruir e livremente dispor das suas unidades habitacionais, assim como das áreas comuns (CCB/2002, artigo 1.335), desde que respeitem outros direitos e preceitos da legislação e da convenção condominial. Realmente, o bom exercício da propriedade se lastreia na sua função social, boa -fé, nos bons costumes, sem abuso e com respeito ao meio ambiente e aos vizinhos, notadamente os padrões de segurança, sossego, saúde e privacidade a quem a norma visa proteger (CCB/2002, artigo 1.277). A depender da conduta do condômino, prevê a norma nos parágrafos (§§ 1º e 2º), também, penalidades pelo inadimplemento das obrigações financeiras ou pelo descumprimento das regras de convívio. Em complemento e com viés mais rigoroso, estabeleceu o artigo 1.337 a sanção dirigida ao condômino que reiteradamente infrinja seus deveres para com o condomínio, além de instituir, em seu parágrafo único, punição extrema àquele que reitera comportamento antissocial.
Emerge a necessidade de prévia notificação ao infrator, possibilitando-lhe, assim, o exercício do seu direito de defesa, alicerçada por se tratar de aplicação de sanção por conduta contrária ao direito (registrado pelo sistema civil -constitucional), incidindo os princípios que protegem o ser humano nas relações entre particulares, a reconhecida eficácia horizontal dos direitos fundamentais que, também, as relações condominiais, assegurando a ampla defesa e o contraditório.
Torna ainda efetivo o princípio da dignidade da pessoa nas relações privadas, a CRFB ápice do ordenamento, donde emanam os direitos fundamentais nas relações particulares.
Naturalmente, fica estabelecido que a presença do instituto do contraditório alcança contornos altíssimos a justificar que, concedida esta oportunidade, sejam outorgadas ações mais contundentes ao condômino tido como antissocial ou nocivo, ainda mais se a multa revelar-se pouco para garantir a função social da propriedade e a cessação do abuso de direito, qual seja, a sua expulsão, com a perda do direito de propriedade.
De tudo o que exposto antes, máxime entendendo a gravidade extremada da punição do condômino nocivo ou antissocial, há que se garantir e conceder a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal, para que não se aplique o estado de exceção a onerar ainda mais o suposto infrator, medida sem a qual fica impossibilitado de demonstrar, por qualquer motivo, que seu comportamento não era antijurídico nem afetou a harmonia, a qualidade de vida e o bem-estar geral, sob pena de sofrer restrição ao seu próprio direito de propriedade. Assim sendo, ao contrário do entendimento que possa ser sufragado no caminhar deste vasto procedimento extrajudicial, a prévia notificação não visa conferir uma última chance ao condômino nocivo, facultando-lhe, mais uma vez, a possibilidade de mudança de seu comportamento nocivo. Revela -se que a advertência em forma de notificação é para que venha ofertar esclarecimentos aos demais condôminos e, posteriormente, para que a assembleia possa deliberar sobre o mérito da pretensão.
"STJ – Condomínio em edificação. Condômino. Atividade antissocial. Multa. Ampla defesa. Direito de defesa. Aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas. Direito civil. Recurso especial. Condomínio. Ação de cobrança de multa convencional. Ato antissocial (CCB/2002, art. 1.337, parágrafo único). Falta de prévia comunicação ao condômino punido. Direito de defesa. Necessidade. Eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Penalidade anulada. Precedentes do STF. CF/88, art. 5º, LIV e LV. CCB/2002, art. 1.336. 1. O CCB/2002, art. 1.337 – Código Civil estabeleceu sancionamento para o condômino que reiteradamente venha a violar seus deveres para com o condomínio, além de instituir, em seu parágrafo único, punição extrema àquele que reitera comportamento antissocial, verbis: «O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia."
Continua parte 2.