Nova era de influenciadores artificiais e os limites legais na publicidade
1 de novembro de 2022, 11h05
A associação da imagem ou nome de pessoas conhecidas e influentes sempre fizeram parte das estratégias de marketing. Ao agregar a credibilidade que determinadas personalidades exercem sobre seu público, o conteúdo publicitário potencializa a divulgação de produtos e serviços e ganha visibilidade nos meios de veiculação.
Com a evolução tecnológica e o surgimento das redes sociais, novas figuras ganharam evidência. Nos últimos anos, o influenciador digital [1] passou a ocupar cada vez mais espaço no ambiente online e, assim, transformando-se em uma alternativa interessante para as empresas anunciantes. Além de licenciar o uso de sua imagem ou nome, seu papel de criador de conteúdo também pode ser relevante para a contratação, que, muitas vezes, se estende inclusive para participação em decisões estratégicas da campanha.
Para quantificar esse cenário, vale citar que o relatório da Global Consumer Survey mostrou que, "em 2021, o Brasil passou a China em uso de marketing de influência: mais de 40% da nossa população já foi impactada por ações com influencers" [2].
Nota-se, portanto, que, com a flexibilidade criativa apresentada pelas plataformas, novas maneiras de expressão e criação se desenvolvem e, atualmente, não somente vinculadas a personalidades reais, mas também associadas a personagens virtuais, como acontece com os influenciadores digitais artificiais.
Os influenciadores digitais artificiais "são personalidades virtuais, gerenciadas por marcas ou agências de mídia e criadas com tecnologias de computação gráfica e algoritmos de aprendizado de máquina" [3]. Diferentemente do que é disseminado, os influenciadores artificiais não são robôs. São personagens online, sendo a maioria, atualmente, desenvolvida de forma humanizada , também, conhecidos no mercado como computer generated model.
Neste cenário de influencers artificiais, em 2016, a Miquela Sousa [4], popularmente conhecida como Lil Miquela estreou no Instagram gerando agitação como pop-star, na qualidade musicista. Era real ou não? Assim que este enigma foi desvendado, diversas notícias foram publicadas esclarecendo ser uma garota propaganda criada digitalmente [5].
Em 2017, a Shudu.gram [6], diferentemente da Lil Miquela,foi criada como a primeira modelo artificial do mundo, mas também teve seu perfil lançado na plataforma Instagram, cuja autoria é do fotógrafo britânico Cameron-James Wilson, tornando-se famosa a partir de um compartilhamento realizado por marca de produto de beleza. Segundo seu criador, o intuito era desenvolver uma imagem realmente forte e poderosa que celebrasse uma beleza que, até então, ele não teria visto ser representada na mídia com frequência suficiente [7].
No Brasil, a Lu da Magalu [8] e a Satiko [9], por sua vez, são alguns exemplos que já ganharam fama. A primeira de titularidade da empresa Magazine Luiza e, a segunda, associada à imagem da apresentadora Sabrina Sato.
Nesta nova era tecnológica, os influenciadores digitais artificiais já transitam pelo universo online e, consequentemente, revertendo-se uma forte aposta para o Metaverso [10]. Dotados de personalidade própria ou associados, de alguma maneira, a determinadas pessoas públicas ou ainda a marcas, esta nova figura já está atraindo a atenção de juristas para desvendar os desafios legais de sua atuação, servindo o presente artigo para compartilhamento de algumas reflexões sobre o tema.
O processo de contratação de influenciador digital artificial acompanha etapas que requerem a mesma atenção dada a um influenciador digital não-artificial [11], desde o processo de curadoria, reconhecimento da relação existente, condução da negociação e formalização de contratos, até mesmo orientação quanto à observância das normas legais e de autorregulamentação publicitária para desenvolvimento e criação de conteúdo.
O controle da publicidade no Brasil é exercido de maneira mista, pelo Estado e pela autorregulamentação publicitária. Assim, uma vez configurado o caráter publicitário de um determinado conteúdo, seja ele nos padrões tradicionais, associados à imagem ou nome de um influenciador digital e/ou ainda no caso de contratação de influenciador digital artificial, as regras aplicáveis a esta natureza de atuação devem ser observadas.
Em linhas gerais, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) já se manifestava sobre a importância da preservação da publicidade de maneira a impedir conteúdo abusivo e/ou inverídico. O cuidado na forma de transmissão de uma mensagem ao consumidor prevalece em qualquer meio de veiculação, seja ele o convencional ou ainda o digital.
O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) datado de 1978, apesar de não ser dotado de força coercitiva, exerce um papel complementar à legislação vigente e serve de um manual de importância para a manutenção de um ambiente saudável entre concorrentes e em benefício do consumidor.
Muito embora não haja qualquer previsão legal de forma expressa para regulamentar especificamente a atuação de influenciadores artificiais digitais no mercado publicitário, há diversos dispositivos em lei ou na autorregulamentação que podem ser aplicados na situação em tela.
Partindo dessa premissa, o princípio da identificação publicitária prevê de forma expressa que toda publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor a identifique como tal de forma fácil e imediata [12].
Em dezembro de 2020, a dúvida no sentido de identificar a configuração da natureza publicitária de determinado conteúdo foi mitigada, pois o Conar publicou o seu Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais [13], elaborado pelo grupo de trabalho para a publicidade digital, com intuito de esclarecer as diretrizes voltadas aos anúncios e campanhas publicitárias realizadas em redes sociais.
De acordo com o guia, em geral são três os elementos cumulativos que caracterizam uma publicidade por influenciador: (1) a divulgação de produto, serviço, causa ou outro sinal a eles associados; (2) a compensação ou relação comercial, ainda que não financeira, com o anunciante e/ou agência de publicidade; e (3) a ingerência por parte do anunciante e/ou agência de publicidade sobre o conteúdo da mensagem.
O tema relacionado à publicidade responsável por influenciadores é tão relevante que mobilizou diversas associações, sendo, uma delas, a Associação Brasileira de Licenciamento de Marcas e Personagens (Abral), que por sua vez, também, publicou a cartilha Publicidade Responsável com Influenciadores Digitais: o Jeito Certo de se Comunicar [14]. As atenções estão voltadas ao conteúdo digital, tendo sido a mencionada cartilha inspirada no CBAP e no Guia de Publicidade para Influenciadores Digitais, recentemente publicado pelo Conar.
Além dos cuidados necessários para a preservação da legalidade e da ética presentes no processo criativo de desenvolvimento de uma campanha publicitária, os titulares dos influenciadores artificiais e seus parceiros comerciais devem estar atentos com relação aos direitos e obrigações na esfera da propriedade intelectual, uma vez que sua criação enseja proteção e seu desempenho requer cuidados com relação a eventuais direitos de terceiros envolvidos nesta prática.
A negociação dos aspectos comerciais e a formalização de contrato para regular a rotina desta relação são ferramentas importantes para estabelecer a dinâmica entre as partes e os limites de sua exploração.
Fato é, o mercado publicitário se inova a todo momento e com o surgimento de ambientes multiplataformas para a atuação deste setor, a força da criatividade move novas estratégias. Os influenciadores digitais artificiais que já existiam nas plataformas digitais, especialmente no Instagram, estão, neste momento, preparados para transitar pelo Metaverso. A sua flexibilidade permite expandir os focos de atenção, merecendo o cuidado de parceiros comerciais. Neste panorama, esta possibilidade torna-se concreta, no entanto, sem afastar os cuidados jurídicos necessários para a sua viabilização bem-sucedida.
[1] Influenciador digital, para efeitos deste artigo, é o usuário das redes sociais, independentemente do número de seguidores, que cria conteúdo, por meio de fotos, vídeos (gravados e/ou ao vivo), textos, compartilha experiências e expõe opinião sobre diversos temas, gerando proximidade com seus seguidores.
[2] Disponível em https://medium.youpix.com.br/marketing-de-influ%C3%AAncia-um-panorama-do-mercado-5bc8ef1b18bd . Acesso em 18 out. 2022
[3] CASAROTTO, Camila. Qual é o papel dos influenciadores de inteligência artificial na estratégia de Marketing Digital?. Disponível em https://rockcontent.com/br/blog/influenciadores-inteligencia-artificial/. Acesso em 18 out. 2022.
[4] Informações completas sobre o perfil da Lil Miquela disponíveis em: https://www.virtualhumans.org/human/miquela-sousa.
[5] Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/geral-49917748. Acesso em 18 out 2022.
[6] Dados em relação ao perfil da Shudu, confira: https://www.virtualhumans.org/human/shudu.
[7] CEMIC, Sara. Meet the man behind the world´s first digital supermodelo. Disponível em https://www.elle.com/uk/fashion/a28394357/man-behind-worlds-first-digital-supermodel/. Acesso em 18 out. 2022
[8] Mais informações sobre o perfil da Lu da Magalu disponíveis em: https://www.virtualhumans.org/human/lu-do-magalu.
[9] Informações adicionais sobre o perfil da Satiko consulte o site: https://www.virtualhumans.org/human/satiko.
[10] Ambiente virtual imersivo, construído por meio de diversas tecnologias, como realidade virtual, realidade aumentada e hologramas, no qual os usuários podem interagir a partir de avatares digitais em comunidades virtuais interconectadas.
[11] KAC, Larissa Andréa Carasso. Atividade Publicitária no Brasil: Aspectos Jurídicos. São Paulo: Editora Almedina, 2021. p; 185-203.
[12] BRASIL, Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em 18 out. 2022 Art. 36 e CONAR. Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais. Disponível em www.conar.org.br. Acesso em 18 out. 2022. Art. 18.
[13] CONAR. Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais. Disponível em www.conar.org.br. Acesso em 18 out. 2022
[14] ABRAL. Publicidade responsável com influenciadores digitais: o jeito certo de comunicar. Disponível em https://abral.org.br/wp-content/uploads/2021/08/ABRAL21_CARTILHA_INFLUENCERS_H.pdf. Acesso em 18 out. 2022
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