Opinião

Contratos do setor de saneamento devem mudar até o fim deste mês

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30 de março de 2022, 21h10

O Novo Marco do Saneamento Básico ("NMSB"), Lei 14.026/2020, foi publicado como grande aposta de aperfeiçoamento do setor. A norma alterou a Lei Nacional de Saneamento Básico ("LNSB"), Lei 11.445/2007, e estabeleceu prazos e metas aos prestadores e reguladores, presentes e futuros.

Dentre suas principais disposições, salvo exceções, a universalização da prestação de serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, em índices de 99% e 90% de atendimento da população, foi prevista para 31 de dezembro de 2033 em toda a área de abrangência dos prestadores. Para atender a esse objetivo, o Novo Marco prevê uma série de prazos, um deles é que as novas metas sejam inseridas nos contratos atuais até o dia 31 de março de 2022.

Porém, as questões são: o que ocorrerá se essa adequação não se der até a data prevista? As Companhias Estaduais, que detém a maioria dos contratos, perderão esses contratos e os direitos deles decorrentes?

Adequações
Para responder a esses questionamentos, é importante definir as adequações que o NMSB determina. Para os contratos novos, é obrigatório apresentar previsão para as metas, ainda, que o contrato atenda a requisitos previstos no artigo 10-A da LNSB, que restringem bastante a autonomia das partes para contratar. Porém, para os contratos já existentes, a obrigatoriedade se refere apenas à inclusão de metas, o que deve ser providenciado até o dia 31 de março de 2022 (artigo 11-B, §1º, da LNSB).

Observe-se que o Novo Marco determinou a inclusão de metas finais de universalização; metas quantitativas de não intermitência do abastecimento; de redução de perdas; e de melhoria dos processos de tratamento. Porém, ao estabelecer as diretrizes gerais de aditamento dos contratos, a Norma de Referência nº 2, da ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) (NR 2/ANA), previu que os termos aditivos contratuais devem prever metas intermediárias e finais de universalização, mas, previu que as demais metas ainda serão objeto de Norma de Referência posterior.

Sobre as metas de universalização, o Novo Marco prevê que tal inserção está condicionada a que haja a comprovação econômico-financeira do prestador em cumprir com estas metas (artigo 10-B da LNSB). Já em relação às outras metas, não há como prevê-las de forma devida, porque a norma de referência que a ANA prometeu, apesar do limite do prazo para os aditamentos, não foi publicada. Para cumprir o prazo, os prestadores devem prever algum tipo de meta, no entanto, é provável que os contratos precisarão ser aditados novamente por conta da norma de referência a ser editada.

Prazo
Chega-se ao ponto central: e se não houver a inclusão de metas, ou comprovação econômico-financeira, o que acontece com os contratos depois de 31 de março de 2022?

Os contratos que não previrem metas, ou cujo prestador não tiver comprovada sua capacidade econômico-financeira em cumprir com as metas de universalização, segundo o Novo Marco, serão considerados irregulares. Aqui, cabe uma ressalva: por irregulares consideram-se os contratos que não atendem as novas diretrizes de política pública. É uma questão de mérito, não de legalidade, pelo que continuam como contratos válidos, até porque protegidos pela garantia constitucional conferidas ao ato jurídico perfeito.

Mas isso não quer dizer que o fato de o contrato ser considerado irregular não tenha consequências. Se ato de delegação de prestação de serviço público não atende mais ao interesse público, o titular, no caso o Município, poderá decretar a sua extinção, por meio do instituto da encampação, a que sempre estão sujeitos os atos de delegação de prestação de serviço público, em especial as concessões, quando não atendem ao sempre cambiante interesse público.

Porém a encampação possui requisitos. Precisa ser autorizada especificamente por lei. Além disso, não pode haver encampação sem que a entidade reguladora, após procedimento adequado, se manifeste nesse sentido (v. artigo 9º, caput, inciso IX, da LNSB). E, por fim, a saída do atual prestador depende do pagamento prévio de indenização (artigo 42, § 5º, da LNSB)  e a indenização aqui não se refere apenas aos investimentos ainda não amortizados pelas receitas emergentes da prestação dos serviços, mas, também, aos lucros cessantes, considerando-se o prazo remanescente do contrato. O pagamento da indenização poderá ser atribuído ao prestador que vier a substituir o prestador atual.

Consequências
Logo, ao contrário do que muitas vezes se lê na imprensa, que noticia o tema de forma muito superficial, os contratos nos quais não houve a inserção de metas ou nos quais o prestador não teve comprovada a sua capacidade econômico-financeira para prover a universalização dos serviços até 2033, não se extinguem automaticamente. A decisão deverá ser tomada caso a caso e, muito provavelmente, a maior parte dos contratos deve continuar, até porque os custos de seu rompimento, que exige longo e exigente procedimento, podem ser contraproducentes.

Outra consequência é que, a partir do momento em que se der uma situação de contrato irregular, seu serviço objeto do contrato não poderá receber recursos orçamentários federais (com exceção das emendas parlamentares, cujo acesso não pode ser condicionado) ou não poderá contar com recursos de entidades de crédito federais, especialmente financiamentos com recursos do FGTS e do FAT.

A vedação aos recursos federais é bastante lógica. Se o serviço público não atende às diretrizes de política pública fixadas por lei federal, não faz sentido que receba recursos federais — sob pena de se esvaziar tais diretrizes. Porém, doutro lado, em face da crise fiscal, a verdade é que quase não há recursos federais, sendo que esta forma de incentivar o rompimento dos contratos irregulares é bastante limitada.

Contexto
Na promulgação do Novo Marco, já existiam no Brasil quase dois mil Municípios em que os serviços eram prestados sem apoio de ato de delegação ou cujo prazo de vigência para a delegação já alcançou seu termo. Tais situações perduram, especialmente porque tais contratos estão em regime de prorrogação extraordinária. Não basta a chegada de termo para o contrato se encerrar, necessário que, antes, haja o pagamento das indenizações devidas — e sem esse pagamento, o contrato vai continuar a vigorar, até que novas receitas tarifárias venham amortizar o valor devido, ou até que o titular, ou o novo prestador, faça o pagamento da indenização. O Novo Marco Regulatório do Saneamento é muito claro ao proibir o calote.

Porém, mesmo havendo o pagamento da indenização, deve haver um prestador substituto, com capacidade de prestar os serviços de forma adequada. O atual prestador não pode embolsar a indenização e abandonar o Município e os usuários, interrompendo ou colocando em risco um serviço público essencial à saúde da população. A prorrogação extraordinária obriga o atual prestador a continuar em seu posto até que seja devidamente substituído, de forma a que o serviço público de saneamento básico não seja interrompido ou exposto a demasiado riscos.

Como se vê, a transição para o novo modelo de saneamento básico não é imediata. O mundo não acaba, nem tudo muda após o dia 31 de março de 2022. Isso porque será necessária uma transição, cujos temas relevantes são o cálculo de indenizações, a decisão do titular no que pretende fazer com seus contratos — decisão que é colegiada, no caso de município integrados às regiões metropolitanas, microrregiões e unidades regionais de saneamento. Há muitas formas de se obter a universalização, como são exemplo as parcerias público-privadas, pelo que nem sempre o melhor caminho é o rompimento, especialmente litigioso, dos contratos, até porque os investimentos gostam de segurança, não de conflitos.

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