Nova lei de licitações e responsabilidade subsidiária da Administração Pública
30 de março de 2022, 17h02
A nova Lei de Licitações foi publicada no Diário Oficial da União em 1º de abril de 2021. No artigo 194 diz que a lei entrou em vigor na data da sua publicação.
Antes de tratar a responsabilidade subsidiária da Administração Pública conforme a nova lei de licitações, é importante ressaltar duas hipóteses normativas previstas no artigo 193, I e II do referido diploma, pois, disciplinam a revogação da antiga lei de licitações (8.666/93).
Primeiro, de acordo com o caput do artigo 193 e inciso I, estão revogados os artigos 89 a 108 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, na data de publicação desta Lei.
Segundo, nos termos do caput do artigo 193 e inciso II, estão revogadas a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e os artigos 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, após decorridos dois anos da publicação oficial desta Lei.
O inciso II do artigo 193 disciplina regra de transição para revogação dos demais dispositivos da Lei 8.666/93, não compreendidas as hipóteses dos artigos 89 a 108, pois, deverá ser observado o lapso de dois anos contados da publicação, ou seja, de 01/04/2021.
Desse modo, o §1º do artigo 71 da Lei 8.666/93, que trata da reponsabilidade subsidiária não automática da Administração Pública, permanecerá vigorando até 01/04/2023.
É importante lembrar que o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a Ação Direta de Constitucionalidade nº 16 (ADC/16), e entendeu que é Constitucional a norma inscrita no artigo 71 e §1º da 8.666/93.
Após a decisão do STF no julgamento da ADC/16, o Tribunal Superior do Trabalho inseriu o inciso V na Súmula 331, com o seguinte texto "Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.".
Não bastasse isso, a controvérsia sobre a responsabilidade subsidiária da Administração Pública permaneceu aquecida com a discussão sobre quem recairia o ônus de provar a conduta culposa do ente público na fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas da empresa prestadora de serviço.
Em 2017 sobreveio o julgamento do Recurso Extraordinário 760931/DF, no qual foi reafirmado o entendimento da ADC/16, bem como fixado a seguinte tese "O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do artigo 71, §1º, da Lei nº 8.666/93".
No julgamento do RE 760931, restaram vencidos os ministros Rosa Weber (relatora), Edson Fachin, Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, tendo o Acordão sido redigido pelo Ministro Luiz Fux, cujo voto foi acompanhado pela maioria do Tribunal. Além disso, salienta-se que o item 9 do voto da relatora ministra Rosa Weber, ora vencida no julgamento, tratou sobre a questão do ônus da prova, e que cabia a Administração Pública provar que fiscalizou o cumprimento das obrigações trabalhistas da empresa contratada.
Apesar do posicionamento do STF na ADC/16 e no RE760931, a justiça do trabalho continuou entendendo que o ônus da prova cabe à Administração Pública, inclusive, em razão do princípio da aptidão da prova.
Atualmente, tanto as Turmas (exemplo do Ag-ARR-21309-68.2015.5.04.0017) como a Subseção de Dissídios Individuais I do TST (exemplo do E-ED-RR-68600-52.2009.5.15.0087) entendem que cabe à Administração Pública provar que fiscalizou o cumprimento das obrigações trabalhistas da empresa contratada.
Não obstante, em de novembro de 2020, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a repercussão geral do tema tratado no Recurso Extraordinário (RE) 1298647 (Tema 1118), em que o Estado de São Paulo questiona decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que lhe impôs a responsabilidade subsidiária por parcelas devidas a um trabalhador contratado por empresa prestadora de serviço.
No referido Recurso Extraordinário, o Estado de São Paulo pede que o STF defina de quem é o ônus de provar eventual conduta culposa na fiscalização de obrigações trabalhistas nesses casos: se do ente público contratante ou do empregado terceirizado, pois a prova da falha da administração pública é fato constitutivo do direito em discussão. O relator do recurso, ministro Luiz Fux, reconheceu a necessidade de que o STF pacifique, em definitivo, a controvérsia.
Em sua manifestação, o ministro Luiz Fux afirmou que compete ao Supremo definir, em razão do julgamento da ADC 16 e do RE 760931, a validade da imposição de responsabilidade subsidiária à administração com fundamento na não comprovação da efetiva fiscalização, isto é, pela inversão do ônus da prova.
Para o ministro Luiz Fux, a questão transcende os limites subjetivos da causa e os interesses das partes, em razão de sua relevância sob as perspectivas econômica, social e jurídica, especialmente em razão da declaração de constitucionalidade do artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8.666/1993, pelo STF, "e o possível esvaziamento do seu conteúdo normativo pela inversão do ônus probatório, lastreado, inclusive, no item V da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho e na jurisprudência pacificada daquela Corte Superior".
Posto isso e em atenção à nova lei de licitações, parece que o legislador infraconstitucional solucionou a controvérsia de quem é o ônus de provar a conduta culposa da Administração Pública na fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas da empresa prestadora de serviço.
O §1º do artigo 121 diz que "A inadimplência do contratado em relação aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transferirá à Administração a responsabilidade pelo seu pagamento e não poderá onerar o objeto do contrato nem restringir a regularização e o uso das obras e das edificações, inclusive perante o registro de imóveis, ressalvada a hipótese prevista no §2º deste artigo.".
E o §2º do referido dispositivo legal diz que "Exclusivamente nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, a Administração responderá solidariamente pelos encargos previdenciários e subsidiariamente pelos encargos trabalhistas se comprovada falha na fiscalização do cumprimento das obrigações do contratado".
Da leitura do parágrafo primeiro do dispositivo citado, o legislador editou que a inadimplência do contratado em relação aos encargos trabalhistas não transferirá à Administração Pública, ressalvada a hipótese do parágrafo segundo.
E da leitura do parágrafo segundo do dispositivo citado, o legislador restringiu a hipótese de responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelos encargos trabalhistas, como sendo apenas nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra.
Além disso, no mesmo parágrafo segundo, o legislador disciplinou que a Administração Pública responderá pelos encargos trabalhistas se comprovada falha na fiscalização do cumprimento das obrigações do contratado.
Desta feita, ao introduzir no §2º do artigo 121, da nova lei de licitações, a expressão "se comprovada falha", o legislador disciplinou regra cuja leitura permite interpretar que o ônus de provar a falha da Administração Pública caberá ao empregado da empresa contratada.
O texto inscrito no §2º do artigo 121 da nova lei de licitações estabeleceu regra que supera o entendimento do inciso V da Súmula 331 do TST. Enquanto o dispositivo legal diz "se comprovada falha", o entendimento do inciso V da Súmula 331 diz "caso evidenciada a sua conduta culposa".
Na Súmula não fica claro de quem é o ônus de provar a conduta culposa ou a falha da Administração Pública. E por isso o TST vem aplicando o princípio da aptidão da prova. Contudo, a nova lei de licitações disciplinou regra mais clara sobre quem recairá o ônus da prova.
Dessa forma, é possível deduzir da nova lei de licitações que o ônus da prova relativo a falha da Administração Pública na fiscalização dos encargos trabalhistas, cabe ao empregado da prestadora de serviço, prevalecendo a regra do artigo 818, I, da CLT, que "o ônus da prova incumbe ao reclamante, quanto ao fato constitutivo de seu direito".
Por fim, a questão também reclama cautela, pois, é importante verificar se o STF no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1298647 (Tema 1118), considerando a ADC/16 e o RE760931, levará em conta a superveniência da nova lei de licitações e, portanto, entenderá em definitivo que o ônus da prova da falha da Administração Pública cabe ao empregado do contratado.
Ou se o STF no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1298647 (Tema 1118), apesar do entendimento da ADC/16 e do RE760931, entenderá que o ônus da prova cabe à Administração Pública em razão do princípio da aptidão da prova, modulando os efeitos do julgado para aplicação da tese às ações propostas antes da entrada em vigor da nova lei de licitações, por ausência de disposição legal específica acerca do ônus da prova, e, aos casos propostos após a nova lei de licitações, a aplicação do §2º do artigo 121.
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