Opinião

A nova resolução sobre sequestro internacional de crianças

Autores

  • Maria Thereza de Assis Moura

    é ministra do Superior Tribunal de Justiça corregedora Nacional de Justiça mestre e doutora pela Faculdade de Direito da USP e professora da USP.

  • Adriana Franco Mello Machado

    é juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) e juíza federal na 5ª Região. Exerceu os cargos de juíza auxiliar da presidência do Superior Tribunal de Justiça de assessora especial da presidência do Supremo Tribunal Federal e de procuradora federal.

  • Daniel Marchionatti Barbosa

    é juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) membro do Fórum Nacional da Infância e da Juventude (Foninj) juiz federal na 4ª Região doutor pela Faculdade de Direito da USP e Mestre pela Faculdade de Direito da UFRGS.

  • Evaldo de Oliveira Fernandes Filho

    é juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) juiz federal na 1ª Região e especialista em Propriedade Intelectual pela American University - Washington College of Law. Foi membro do Grupo de Estudos sobre Aspectos Civis da Subtração Internacional de Crianças do Conselho da Justiça Federal (Gesic) e exerceu os cargos de juiz auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça Federal de juiz auxiliar da Corregedoria Regional da 1ª Região e de procurador federal.

28 de março de 2022, 12h05

O Conselho Nacional de Justiça, em sua última sessão ordinária (22/3/2022), deu um importante passo para dar maior celeridade aos processos que versam sobre sequestro internacional de menores em trâmite no país.

A matéria é regida pela Convenção da Haia de 1980, que trata dos Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças e que foi internalizada no Brasil com a promulgação do Decreto Presidencial nº 3.413, de 14 de abril de 2000.

A despeito de a convenção ter entrado em vigor no ano de 2000, muitas ainda são as dúvidas sobre regras e procedimentos aplicáveis a estes casos em que a criança foi subtraída do local de sua residência habitual por um dos seus genitores, sem autorização do outro.

É que há necessidade de compatibilização entre a própria filosofia e os prazos previstos na norma internacional com aqueles previstos nas normas internas. Temos leis materiais importantes, como o Código Civil, que trata dos direitos de família, estabelecendo normas sobre o poder familiar, sobre a guarda, sobre a decisão quanto ao domicílio da criança. Temos o Estatuto da Criança e do Adolescente, que traz medidas de prevenção à subtração, estabelecendo normas sobre viagem de crianças sem a companhia dos pais, no espaço interno e internacional. Temos, ainda, uma lei sobre a alienação parental, com disposições sobre mudança injustificada de domicílio. Contudo, do ponto de vista processual, pouco se normatizou especificamente sobre o tema.

Para processamento dos casos concretos de sequestro e retenção trazidos à apreciação judicial, faz-se uso das regras gerais de processo. Ocorre que é muito difícil para o magistrado, observando o procedimento do Código de Processo Civil, tomar uma decisão em tempo adequado a esse tipo de litígio.

Todo arcabouço normativo mostrou-se, portanto, insuficiente.

Nessa ambiência anômica e considerando que o Conselho Nacional de Justiça pode exercer, de forma supletiva, a competência normativa, estabelecendo procedimentos e orientações para os magistrados, é que se impôs a necessidade da edição de resolução que tratasse especificamente da matéria.

Nesse sentido, foi aprovada a Resolução nº 257/2018, do CNJ. Diploma normativo que tratou de aspectos importantes, em especial, da relação existente entre o processo de retorno, que é da competência da Justiça Federal, e os processos em que se discutem os direitos de guarda da criança, que são da competência da Justiça estadual (artigos 4º e 5º).

Dispôs-se também sobre a criação de um assunto específico, na autuação do processo, para o sequestro internacional (artigo 1º), o que possibilitou o acompanhamento dos processos dessa natureza e a análise das estatísticas correspondentes.

O fato é que a resolução anterior carecia de atualização diante não só dos corriqueiros registros de demora em processos judiciais dessa natureza, mas, principalmente, porque tinha como base normativa o Código de Processo Civil de 1937. Determinava, por exemplo, a aplicação do procedimento adotado para as ações de busca e apreensão (artigo 9º), que nem mais existe no Código de Processo Civil atual.

Em verdade, embora constitua marco importante no tratamento da matéria, merecia uma revisita normativa. Foi aí que surgiu a ideia de uma nova resolução, que normatizasse o procedimento, com o intuito de auxiliar os juízes a decidir o processo em prazo razoável e com grande poder de direção da causa. Tudo conforme os princípios consagrados pelo Código de Processo Civil de 2015.

No ponto, buscou-se dar tramitação mais célere aos processos, considerando que o tempo é figura protagonista no cenário do sequestro internacional de menores.

Afinal, a criança, principal objeto da tutela normativa, é um indivíduo em formação, que sofre constantes mudanças físicas e psíquicas e que merece especial proteção do ordenamento jurídico, como previsto pelo artigo 227 da Constituição Federal.

Ora, ao passar por um processo de desenraizamento abrupto, ao ser levada de sua residência habitual para outro país, a criança pode ser vítima de consequências traumáticas. Trauma cuja renovação deve ser evitada pelo Poder Judiciário por meio de uma resposta célere e não posterior à readaptação do infante. E o fato é que esse segundo trauma, o trauma do retorno, será tanto maior, quanto mais longa for a tramitação do processo. Portanto, é do Poder Judiciário a responsabilidade pela concessão da resposta judicial em tempo adequado.

Tempo adequado que foi previsto pela Convenção da Haia de 1980, no seu artigo 11, em seis semanas. Tal interstício temporal é um desafio a ser cumprido pelos juízes brasileiros, mormente considerando os prazos atualmente previstos pela legislação processual pátria para a designação de audiência de conciliação, contestação, réplica, instrução e julgamento.

Assim, toda a construção da nova norma se deu com o deliberado objetivo de desburocratizar procedimentos judiciais, para que a resposta dada à lide seja a mais célere possível, sem prejuízo, por óbvio, do cumprimento das garantias do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana.

Exemplo dessas providências previstas no novel diploma normativo é a permissão do uso de tradutores automáticos. É que um dos grandes problemas enfrentados na lide jurisdicional sobre o tema é a necessária tradução de documentos estrangeiros e a escassez de recursos para pagamento de peritos juramentados (ou até mesmo a ausência destes), mormente quando se está diante de casos em que há assistência judiciária gratuita deferida.

Outro ponto que mereceu regulamentação foi o da premissa legal de que a integração da criança ao Brasil não é motivo para recusa da entrega, nos casos em que decorreu menos de um ano desde a subtração. Apesar de haver disposição expressa na convenção nesse sentido (artigo 12), é comum que surja esse tipo de alegação, o que gera um prolongamento desnecessário do processo, com a ampliação indevida do objeto da lide.

É que o magistrado, muitas vezes, inadvertidamente, permite a produção de provas quanto à adaptação da criança, com a determinação de prova pericial, por exemplo. Daí, quando a prova termina de ser produzida e a causa finalmente amadurece para julgamento, a criança está, de fato, adaptada ao Brasil. Nesse momento, qualquer sentença — de retorno ou de permanência — será uma sentença ruim. Terá falhado o sistema jurídico brasileiro duplamente: ao descumprir a norma internacional que se obrigou a obedecer e ao permitir a adaptação da criança ao Estado que pode não ser o seu de origem ou a que foi trazida ilicitamente. Enfim, o desenvolvimento da criança e o direito do pai ou da mãe que foi deixado(a) para trás estarão irremediavelmente prejudicados.

Ainda na perspectiva de solução célere da contenda, não se pode olvidar a responsabilidade internacional do Estado brasileiro no cumprimento das convenções internacionais a que adere. Zelar pela boa reputação do Brasil como fiel cumpridor de suas obrigações internacionais e dos prazos por elas estabelecidos vai ao encontro da concretização do princípio da cooperação entre os povos, previstos no artigo 4.º da Constituição Federal, sendo também tarefa do Conselho Nacional de Justiça.

Nessa toada, também definiu o ato normativo aprovado as funções dos juízes de enlace para a Convenção da Haia de 1980. Tudo com o objetivo não só de capacitar, orientar e especializar os magistrados que atuam com a matéria, como também para que atuem aqueles como elemento facilitador na prática de atos processuais que envolvam a jurisdição do Estado estrangeiro.

Cumpre registrar, ademais, que, buscando dar efetividade às orientações impostas, foi previsto o acompanhamento permanente de cada uma das ações desta natureza pela Corregedoria Nacional de Justiça, pelo Conselho da Justiça Federal e pelas Corregedorias Regionais, em apoio e interlocução contínua com o magistrado da causa.

Por fim, voltando, uma vez mais, os olhares para a Constituição Federal, é possível ver o diploma normativo em epígrafe como importante instrumento de concretização dos direitos fundamentais das crianças que, não raro, apresentam-se ao Judiciário, nesses casos, como vítimas de um tipo muito particular de violência. Para tanto, buscou-se não dizer aos juízes como decidir essas causas, mas sim trazer visibilidade para o tema e eficiência para a prestação jurisdicional, garantindo que os processos de retorno recebam o tratamento particular e célere que merecem.

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Autores

  • é ministra do Superior Tribunal de Justiça, corregedora Nacional de Justiça, mestre e doutora pela Faculdade de Direito da USP e professora da USP.

  • é juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) e juíza federal na 5ª Região. Exerceu os cargos de juíza auxiliar da presidência do Superior Tribunal de Justiça, de assessora especial da presidência do Supremo Tribunal Federal e de procuradora federal.

  • é juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ), membro do Fórum Nacional da Infância e da Juventude (Foninj), juiz federal na 4ª Região, doutor pela Faculdade de Direito da USP e Mestre pela Faculdade de Direito da UFRGS.

  • é juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ), juiz federal na 1ª Região e especialista em Propriedade Intelectual pela American University - Washington College of Law. Foi membro do Grupo de Estudos sobre Aspectos Civis da Subtração Internacional de Crianças do Conselho da Justiça Federal (Gesic) e exerceu os cargos de juiz auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça Federal, de juiz auxiliar da Corregedoria Regional da 1ª Região e de procurador federal.

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