Condenado a indenizar Lula

Deltan Dallagnol deve declarar doações ao Fisco e não pode usá-las em eleição

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27 de março de 2022, 17h32

As doações recebidas pelo ex-procurador da República Deltan Dallagnol para pagar indenização de R$ 75 mil ao ex-presidente Lula devem ser declaradas ao Fisco. E tais valores não podem ser usados em sua campanha eleitoral a deputado federal.

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Dallagnol causou danos morais por abusos ao divulgar denúncia contra Lula em 2016
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O Superior Tribunal de Justiça, na última terça-feira (22/3), condenou Dallagnol a pagar indenização de R$ 75 mil ao ex-presidente Lula pelos danos morais causados na entrevista em que apresentou uma denúncia contra o petista em um documento de PowerPoint. Com correção monetária e juros de mora, o valor ultrapassa R$ 100 mil.

Em suas redes sociais, o ex-procurador da finada “lava jato” afirmou que já recebeu mais de R$ 500 mil de doações via PIX em sua conta bancária.

Os tributaristas Luiz Gustavo Bichara, Maurício Faro e Sergio André Rocha afirmam que as doações devem ser declaradas, tanto por Dallagnol quanto pelos doadores, à Receita Federal e a autoridades estaduais.

Segundo os advogados, as doações têm que ser inseridas na declaração anual de Imposto de Renda. Tais valores não são tributáveis, mas a falta de declaração gera uma infração fiscal.

O que incide sobre as quantias é o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Em alguns estados, tal tributo é cobrado do doador. Em outros, do donatário. De qualquer forma, a não declaração das doações também gera penalidades.

Nos vídeos e postagens em que relatou ter recebido as doações, Dallagnol não informou aos doadores que eles têm que declarar os valores que lhe repassaram.

O pré-candidato a deputado federal pelo Podemos pelo Paraná ainda acusa Lula de querer aumentar o valor da indenização para pagar sua festa de casamento com Rosângela da Silva, a Janja, como noticiado pelo jornalista Robson Bonin, da coluna Radar da revista Veja.

“Esse dinheiro todo que excedesse o valor da indenização iria para crianças com câncer e com autismo. Ele [Lula] quer tirar o dinheiro dessas crianças e pegar para ele e usar no casamento. Não passa pela cabeça dele ajudar as pessoas”, ataca Dallagnol, em discurso de candidato.

Lula disse na sexta (25/3) que pode recorrer para aumentar o valor da indenização a ser paga pelo ex-procurador da “lava jato”.

“Antes de ontem, teve uma notícia que me deixou feliz. Eu tinha aberto um processo contra o procurador Deltan Dallagnol, pelas mentiras que ele contou no PowerPoint. Antes de ontem, ele foi condenado”, disse. “A gente estava reivindicando R$ 1 milhão. A Justiça só deu R$ 75 mil, que com a correção deve dar uns R$ 130 mil. Ele disse que não podia pagar, arrecadou mais. Então agora talvez a gente entre com recurso para a gente cobrar mais, porque se ele pode arrecadar, ele pode pagar mais”, declarou o ex-presidente, afirmando que Dallagnol não está “acostumado a lidar com gente decente” e com “político sério”.

Caso semelhante
Um advogado conta um caso parecido no qual atuou. Um cliente, do nada, recebeu um depósito milionário em sua conta, de origem desconhecida.

Como o dinheiro não pertencia ao cliente, o advogado o orientou a informar o banco, exigindo o estorno do valor e a adoção de medidas cabíveis. Afinal, sem declarar tal quantia às autoridades, como a Receita Federal, o homem poderia ter problemas.

Uso proibido
Filiado ao Podemos, Deltan Dallagnol deverá se candidatar a deputado federal pelo Paraná. No entanto, ele não poderá usar os valores que recebeu nas doações em sua campanha eleitoral.

Irapuã Santana, diretor jurídico do movimento político Livres, aponta a impossibilidade desse uso das quantias. Ele destaca que os artigos 22 e 23 da Lei das Eleições exigem que candidatos abram conta específica para registrar todo o movimento financeiro da campanha.

Os dispositivos estabelecem que o pagamento de despesas eleitorais com recursos que não venham dessa conta específica implica a desaprovação da prestação de contas do partido ou candidato. Comprovado abuso de poder econômico, será cancelado o registro da candidatura ou cassado o diploma, se já houver sido outorgado.

O advogado eleitoral Renato Ribeiro de Almeida lembra que a arrecadação de recursos para campanha por meio de “vaquinha” deve obedecer às regras eleitorais. Tal procedimento só pode ser feito a partir de 15 de maio. E deve ser operacionalizado por empresa registrada no TSE, que promova a arrecadação e forneça recibo de doação eleitoral. Os recursos só podem ser liberados quando o registro de candidatura for aceito, em agosto. Até lá, a companhia atua como fiel depositária do dinheiro, explica Almeida.

“Devido a todas essas formalidades previstas por lei, Dallagnol não pode simplesmente pegar o dinheiro que arrecadou em vaquinha ou ação entre amigos e utilizá-lo em sua campanha, pois são recursos de origem ilícita. Afinal, não integram o patrimônio do candidato [que pode usar até 10% de sua renda na eleição] e não é possível aferir a lisura dos recursos, de onde eles vieram”, avalia o advogado.

Cobrança por investigações
O advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador-geral do Grupo Prerrogativas, cobrou explicações de Deltan Dallagnol sobre a origem das doações. 

“É importante falar sobre isso. Se Dallagnol e aqueles que integraram a tal ‘República de Curitiba’ fossem coerentes, aplicariam a mesma métrica que aplicaram a todos os cidadãos que foram investigados por eles na 13ª Vara Federal de Curitiba. Essas operações financeiras, essas doações, seriam objeto de um inquérito, para ser apurada então a natureza dessas doações e o destino que está sendo dado a cada uma delas”, disse Carvalho ao site Fórum.

O coordenador-geral do Prerrogativas declara que o valor da indenização imposta a Dallagnol (R$ 75 mil) é insignificante se comparado aos  abusos cometidos contra Lula, que ficou um ano e meio preso e não pôde se candidatar em 2018 em virtude de condenações que foram posteriormente consideradas ilegais pelo Supremo Tribunal Federal.

“A consequência natural dessa arrecadação é que se aumente a indenização. O prejuízo sofrido pelo presidente Lula e por sua família é absolutamente irreparável. Ninguém conseguirá restituir a ele uma hora sequer de cada um dos 580 dias em que ele foi privado indevida e criminosamente da sua liberdade. Essa indenização de R$ 75 mil é muito tímida. Visto isso, repito, a consequência natural dessa arrecadação é que ela aumente a indenização e, mesmo que ela chegue no limite, jamais será suficiente para reparar o dano que foi causado a Lula e à família dele”, avaliou o advogado.

“Sem falar no aspecto político, porque nós brasileiros fomos privados do direito de votar em Lula para presidente em 2018. O erro foi cometido contra o ex-presidente Lula, contra a família dele, contra a ordem constitucional e aos sistema democrático vigentes, causando um impacto direto nas eleições, ao retirá-lo do último pleito, mudando os rumos políticos do Brasil”, destacou Carvalho.

O famoso Power Point
O caso que gerou a ação ocorreu em 2016, quando a "lava jato" curitibana reuniu a imprensa em um hotel na capital paranaense para apresentar a denúncia que seria oferecida contra o petista pelo caso do tríplex do Guarujá.

Foi o processo que levou à condenação de Lula em 2017 e o tirou da corrida eleitoral no ano seguinte. Essa decisão foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar a ação. Em 2021, o Ministério Público Federal reconheceu a prescrição.

Na ocasião, Deltan Dallagnol preparou apresentação em Power Point com slide que se tornaria notório, no qual ligava termos à figura de Lula para justificar a ação penal. Ele chamou o ex-presidente de "comandante máximo do esquema de corrupção" e de "maestro da organização criminosa". E ainda fez menção a fatos que não constavam da denúncia: afirmou que a análise da "lava jato", aliada ao caso do "mensalão", apontaria para Lula como comandante dos esquemas criminosos. O "mensalão" foi julgado pelo STF na Ação Penal 470 e não contou com o petista como réu.

Assim, no STJ, o ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso, concluiu que as falas de Dallagnol configuraram abuso de direito, pois resultado de postura inadequada do procurador da República, com o uso de expressões e qualificações desabonadoras da honra e da imagem de Lula e afastadas da tecnicidade adotada no texto da denúncia.

"É imprescindível, para a eficiente custódia dos direitos fundamentais, que a divulgação do oferecimento da denúncia se faça de forma precisa, coerente e fundamentada. Assim como a peça acusatória deve ser o espelho das investigações, sua divulgação deve ser o espelho de seu estrito teor", afirmou o relator.

"Se na peça de acusação não foram incluídas adjetivações atécnicas, evidente que sua anunciação deveria resguardar-se daquelas qualificadoras, que enviesam a notícia e a afastam da impessoalidade necessária, retirando o tom informativo", acrescentou ele.

O condenação a Dallagnol na 4ª Turma do STJ foi alcançado por maioria de votos, conforme a posição de Salomão. Ele foi acompanhado pelos ministros Raul Araújo, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi.

Ficou vencida a ministra Isabel Gallotti, para quem a ação de Lula só poderia ser ajuizada contra a União, já que Dallagnol teria cometido os abusos no exercício de sua função pública de procurador-geral da República.

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