Liberdade dos artistas

Advogados eleitorais criticam proibição a manifestações políticas no Lollapalooza

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27 de março de 2022, 14h31

O ministro Raul Araújo, do Tribunal Superior Eleitoral, concedeu liminar neste sábado (26/3) para proibir manifestações políticas de músicos no festival Lollapalooza, que ocorre em São Paulo. Para advogados eleitorais, a decisão é equivocada e representa censura prévia.

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Ministro do TSE classificou manifestações no festival como propaganda eleitoralDivulgação

A determinação, com multa de R$ 50 mil para cada descumprimento, ocorreu após representação do Partido Liberal (PL), do presidente Jair Bolsonaro, contra manifestações políticas das cantoras Pabllo Vittar e Marina na sexta-feira (25/3). Vittar ergueu uma bandeira com a foto do ex-presidente Lula, enquanto Marina xingou Bolsonaro.

A decisão do ministro conflita com o entendimento do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.970, de outubro de 2021. Na ocasião, o Plenário decidiu que os dispositivos que vetam showmícios (apresentações voltadas à promoção de candidatos) são constitucionais, mas que esse veto não impede que artistas manifestem suas opiniões políticas em apresentações próprias.

O item 3 do acórdão afirma especificamente que é "assegurado a todo cidadão manifestar seu apreço ou sua antipatia por qualquer candidato, garantia que, por óbvio, contempla os artistas que escolherem expressar, por meio de seu trabalho, um posicionamento político antes, durante ou depois do período eleitoral"

Um ministro do Supremo Tribunal Federal avalia que é difícil impedir os cidadãos de dar opiniões e apoiarem candidatos. Porém, ressalta que existe o período eleitoral para campanha e questiona como seriam cultos evangélicos, motociatas e inaugurações de obras sem decisões impeditivas da Justiça Eleitoral.

De acordo com Fernando Neisser, presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), "criticar um governante em exercício ou cantar o nome de um possível candidato não são atos de propaganda antecipada ilegal, pois não há pedido explícito de voto nem uso de meio proibido pela lei".

Neisser também critica a imposição da multa: "Mesmo com relação à organização do evento, não se pode exigir que sejam responsáveis por atos de terceiros".

O advogado Cristiano Zanin, responsável pela defesa do ex-presidente Lula, afirmou ao jornal digital Poder360 que a manifestação espontânea é resguardada pela liberdade de expressão. "A garantia constitucional da liberdade de expressão não pode ser colocada em risco e tampouco pode ser confundida com propaganda eleitoral antecipada, especialmente neste caso concreto, em que houve manifestação espontânea de artistas e do público. Esse entendimento, aliás, já foi reafirmado pelo STF no ano passado, no julgamento da ADI 5.970", afirmou o advogado.

Já William Gabriel Waclawovsky, especialista em Direito Eleitoral, pontuou, também ao Poder360, que a decisão do ministro do TSE esbarra no acórdão do STF e "destoa da jurisprudência firmada tanto pelo STJ como pelo STF acerca da liberdade de expressão. A expectativa que temos é que a decisão seja reformada nas próximas horas, reafirmando o entendimento predominante dos Tribunais Superiores quanto à liberdade de expressão".

Arthur Rollo, especialista em Direito Eleitoral, entende que a bandeira com a foto de Lula não configura pedido de voto, enquanto as críticas a Bolsonaro também não caracterizam pedido de não voto. Os atos são apenas manifestações políticas. Por isso, a decisão representa censura prévia.

O advogado, que também é especialista em Direito do Consumidor, ressalta que o festival não é um local adequado para manifestações do tipo, tendo em vista os clientes que pagaram ingressos para ver os shows. Mas, mesmo assim, afirma que "não existe uma irregularidade eleitoral digna de intervenção da Justiça".

Rollo ainda indica que a decisão de Araújo "incide em prejulgamento quando afirma que houve a propaganda eleitoral antecipada", pois já adianta o resultado da análise colegiada.

O advogado eleitoral Renato Ribeiro de Almeida acredita que a decisão deve ser modificada pelo Plenário do TSE. Ele destaca que o Lolapalooza não é um showmício, pois não é "convocado para a prática eleitoral".

Para Almeida, o caso se trata de "livre manifestação do pensamento do artista que está no palco", que "não necessariamente reproduz o pensamento dos organizadores do evento".

Ainda de acordo com o advogado, a decisão do ministro extrapola as próprias capacidades do Judiciário, já que centenas de eventos ocorrem diariamente Brasil afora. "É improvável e impraticável que a Justiça Eleitoral venha a se manifestar e aplicar sanções em todos esses eventos", diz.

 Irapuã Santana, diretor jurídico do movimento político Livres, crê que a decisão viola a própria jurisprudência do TSE, pois a corte sempre exigiu pedido explícito de votos para caracterizar a propaganda antecipada.

Além disso, o entendimento de Araújo é inconstitucional. "A proibição dessas manifestações em shows é uma grave censura, que atenta contra toda a tradição de manifestações populares ocorridas, desde sempre, em eventos culturais", pontua Santana.

A decisão do ministro do TSE "foi muito restritiva em relação ao que seja manifestação pessoal de opinião", afirma Ricardo Penteado, especialista em Direito Eleitoral. Além disso, diz, ampliou demais o sentido do que é "campanha eleitoral".

"Acredito que o poder de polícia é o de disciplinar direitos, não o de aniquilá-los. A definição do que é 'campanha eleitoral' pede mais discussão. A lei estabelece que é vedada a propaganda eleitoral antes de agosto, mas não suspende a liberdade de expressão de ninguém", opina Penteado. 

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