Licitações e Contratos

Reequilíbrio econômico-financeiro pelo combustível

Autor

  • Jonas Lima

    é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

25 de março de 2022, 8h00

É impraticável, do ponto de vista operacional, que as empresas contratadas pela Administração Pública para serviços como os de transporte de servidores e outros baseados nos valores de combustíveis, peticionem aos gestores, mês a mês, buscando reequilíbrio, para que se cumpra, verdadeiramente, o inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal.

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Além de combustíveis oscilando conforme mercado exterior, a pandemia de Covid-19, agora a guerra Rússia x Ucrânia, com reflexos nos preços finais de combustíveis no Brasil, ficou evidente que não se consegue dimensionar as consequências disso tudo nem para um curtíssimo prazo, sendo urgente pensar "fora da caixa" e separar o item do combustível, deixando-o variável, sim.

Essa é a única forma, respeitando o princípio da eficiência da Administração Pública e o postulado da manutenção das condições efetivas da proposta, que preserve de pronto o real equilíbrio para ambos os lados, a Administração e a empresa contratada.

No cenário excepcional que o país vem passando, chegou o momento de parar de aplicar de forma "cega" velhas posições jurisprudenciais no sentido de que a oscilação do combustível não implica em reequilíbrio, porque esse insumo sempre teria aumento.

Nas circunstâncias atuais do mercado, basta fazer um gráfico com o comportamento dos combustíveis pelo tempo para demonstrar (com provas) que as circunstâncias não são mais as mesmas da época na qual firmados os posicionamentos jurisprudenciais tão conhecidos.

Nem mesmo considerando uma matriz de risco, dentro da ideia do artigo 6º, inciso XXVII, da Lei nº 14.133/2021, como cláusula contratual definidora de "riscos e de responsabilidades entre as partes e caracterizadora do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, em termos de ônus financeiro decorrente de eventos supervenientes à contratação", se poderia ter em mente que neste ano algo que antes se entendia como de oscilação comum, no caso, o insumo combustível, repentinamente, passaria a ser incomum.

A teoria da imprevisão precisa ser considerada de modo mais realista e específico.

O artigo 65, inciso II, alínea "d", da Lei nº 8.666/93 tratava da manutenção de equação econômico-financeira, mas a regra, quase sempre, foi afastada para os combustíveis.

Como também afastada para a oscilação do câmbio.

Mas o Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, começou a abrir luzes de que algo que parecia de oscilação comum, por algum evento específico, implicaria em direito a reequilíbrio do contrato, como se observa dos trechos do precedente abaixo:

"(…)
1. Em consonância com o estabelecido no artigo 37, XXI, da Constituição Federal, que garante a manutenção das condições efetivas da proposta de contrato celebrado com a Administração, a Lei de Licitações prevê a possibilidade de revisão contratual com o fito de preservação da equação econômica da avença, podendo essa correção, dentre outras premissas, advir da teoria da imprevisão, a teor do disposto no artigo 65, II, d, da Lei nº 8.666/93.
2. De outro lado, os contratos que tenham por objeto a prestação de serviço firmados em real e executados no exterior, eventualmente submetidos a variação cambial significativa e inesperada, são passíveis de repactuação, conforme previsão do artigo 65, inciso II, d, da Lei 8.666/1993, caso constatada a oneração excessiva, com o rompimento da equação econômico-financeira firmada.
(…)
5. Como já decidido por esta Primeira Turma do STJ no RMS 15.154/PE, Rel. Ministro Luiz Fux, j. 19/11/2002, 'O episódio ocorrido em janeiro de 1999, consubstanciado na súbita desvalorização da moeda nacional (real) frente ao dólar norte-americano, configurou causa excepcional de mutabilidade dos contratos administrativos, com vistas à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das partes'.
6. Recurso especial conhecido e provido". 
(REsp 1.433.434/DF, rel. ministro SÉRGIO KUKINA, 1ª TURMA, julgado em 20/02/2018, DJe 21/3/2018).

Com isso, o antes comum (oscilação do câmbio) teve reconhecimento como incomum e gerando direito a reequilíbrio.

E aqui cabe lembrar que, pelo artigo 54 da Lei nº 8.666/93, "os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado", o que significa aplicar dois dispositivos específicos do Código Civil.

Primeiro, o artigo 317, que assegura seja fixado o valor real de alguma prestação quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução.

Segundo, o artigo 884, que proíbe o enriquecimento sem causa de uma das partes.

Agora cumpre partir para a conhecida missão de proceder a demonstração analítica da variação dos componentes dos custos efetivamente impactados e com as provas, a exemplo do que se teve partindo do Decreto 9.507/2018 e da IN/SEGES/ME 5/2017, alterada pela IN/SEGES 7/2018.

Como a oscilação de combustíveis está descontrolada e continuará com as suas consequências impossíveis de serem dimensionadas, é urgente que esse insumo específico seja colocado em planilha com fórmula específica que, todo mês, tenha alterações nos valores dos contratos como os de transporte por aplicativo e táxi para os servidores públicos, de modo que, sim, todo mês, as empresas terão um valor diferenciado de quilômetro rodado.

Isso não significa desprezar valores empenhados ou orçamentos, mas adequar o contrato à regra constitucional do equilíbrio, sendo evidente que, em caso de esgotamento de valor contratual e não cabendo mais aditivo de acréscimo de valor, haverá a descontinuidade do contrato.

O fato é que separar o insumo combustível para que fique como variável evitará a situação absurda que está começando a ser cogitada, de que todos os meses as empresas formulem pedidos de reequilíbrio já com novas perdas.

A conclusão é de que há solução, pelo fundamento maior, do artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, de modo a preservar o equilíbrio para a Administração e para a empresa contratada, em curtíssimo intervalo de tempo, pois cada fatura irá considerar aquele insumo como de valor dinâmico e não pelos índices dos demais insumos do contrato.

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    é advogado especialista em licitações e contratos, pós-graduado em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e sócio do escritório Jonas Lima Sociedade de Advocacia.

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