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STJ reafirma que reconhecimento fotográfico fora das regras do CPP é nulo

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24 de março de 2022, 19h29

Por causa dos efeitos e dos riscos de uma falha, o descumprimento do procedimento descrito no artigo 226 do Código de Processo Penal torna inválido o reconhecimento de suspeito, que não pode ser usado para fundamentar eventual condenação, mesmo se confirmado em juízo.

Rafael Luz/STJ
Ministro Sebastião Reis reafirmou entendimento da 6ª Turma do STJ
Rafael Luz/STJ 

O ministro Sebastião Reis Júnior, do Superior Tribunal de Justiça, reafirmou esse entendimento da 6ª Turma da corte para determinar liminarmente o trancamento de duas ações penais contra um homem acusado de dois roubos ocorridos em 2013.

No caso concreto, o homem — que é acusado de homicídio — estava foragido no Paraguai na época dos supostos roubos. As denúncias adicionais eram baseadas em um reconhecimento fotográfico realizado em delegacia fora dos procedimentos descritos no artigo 226 do CPP.

No pedido de Habeas Corpus, a defesa do homem apontou a ilegalidade do reconhecimento e alegou constrangimento ilegal para pedir o trancamento da ação penal.

Ao analisar a matéria, o ministro lembrou que, conforme os autos, não houve confirmação do reconhecimento fotográfico de modo pessoal posteriormente. "A fragilidade do elemento de informação fez com que a inicial acusatória nem sequer demonstrasse os indícios de autoria da prática do crime em relação ao paciente".

O magistrado também lembrou que a 6ª Turma do STJ já firmou entendimento sobre a matéria e, por isso, decidiu trancar a ação penal.

O advocado do acusado, Mathaus Agacci, celebrou a decisão e afirmou que a ausência de justa causa no caso era manifesta. "Essa decisão reafirma a importância de as Cortes Superiores racionalizarem acerca dos entraves jurisprudenciais ao instituto do Habeas Corpus para tratar de questões que não se relacionam de forma imediata com a liberdade ambulatória, mas que buscam garantir a observância do devido processo legal. Por vezes, como no caso, é preciso chegar às Cortes Superiores para que uma manifesta ilegalidade seja reconhecida", lamenta ele.

Prova problemática
A jurisprudência recente do STJ sobre reconhecimento fotográfico tem tem sido reiteradamente reafirmada. Ela foi definida por ocasião do julgamento do HC 598.886, em que o relator do caso, ministro Rogerio Schietti, destacou que as formalidades descritas no artigo 226 do CPP são essenciais para o processo. Por causa disso, propôs as seguintes diretrizes a serem seguidas:

1) O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime;

2) À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo;

3) Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento;

4) O reconhecimento do suspeito por mera exibição de fotografia(s), ao reconhecer, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo.

A jurisprudência do STJ também tem sido adotada por ministros do Supremo Tribunal Federal. No último dia 21 de novembro, o ministro Gilmar Mendes, citou o entendimento da 6ª Turma do STJ para votar pela declaração da nulidade de reconhecimento fotográfico e, assim, absolver um homem condenado por roubo devido à ausência de outras provas de autoria do crime. Na ocasião, Gilmar afirmou que, diante da ausência de regulação normativa e das deficiências práticas, a prova obtida por meio de reconhecimento fotográfico deve ser analisada com cautelas. "Além disso, é necessário fazer a produção posterior de provas em juízo e a sua corroboração em outros elementos probatórios produzidos em contraditório na fase judicial", ensinou o decano do STF.

Clique aqui para ler a decisão
HC 729.802

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