Supremo valida possibilidade de policial conceder medida protetiva a mulher
23 de março de 2022, 19h47
A possibilidade de uma autoridade policial afastar o agressor da convivência com a vítima, quando constatado risco à sua vida ou integridade física, é medida razoável, proporcional e eficaz para proteger as mulheres. E não viola a reserva de jurisdição, pois será submetida à revisão de um juiz em até 24 horas.
Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, negou nesta quarta-feira (23/3) ação da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e declarou a constitucionalidade dos incisos II e III e do parágrafo 1º do artigo 12-C da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), introduzidos pela Lei 13.827/2019.
Os dispositivos permitem que delegados (quando o município não tiver vara judicial) e policiais (quando o município não tiver vara judicial e não houver delegado presente no momento da denúncia) afastem agressores da convivência com as mulheres caso eles representem uma ameaça à vida ou integridade física da vítima. Nesses casos, o juiz será comunicado em até 24 horas e decidirá, em igual prazo, pela manutenção ou revogação da medida.
A AMB argumentou que os dispositivos violaram a reserva de jurisdição ao permitirem que delegados e policiais afastem, sem ordem judicial, acusados de agressão de suas casas. Além disso, a entidade sustentou que os agentes não podem invadir domicílios sem o aval de um juiz.
O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, votou para negar a ação e declarar a constitucionalidade dos dispositivos. Segundo o magistrado, a possibilidade de delegados e policiais afastarem agressores é uma medida razoável, proporcional e condizente com o sistema internacional de proteção das mulheres.
A regra também é eficaz, pois permite o imediato afastamento dos acusados de suas vítimas, disse Alexandre. Ele destacou que 52% dos municípios brasileiros não têm juízes, o que atrasa a imposição de medidas de proteção a mulheres que sofrem violência doméstica.
"Não é possível que a mulher esteja na iminência de ser agredida e não haja uma medida célere para afastar o agressor da casa", afirmou o ministro, ressaltando que cerca de 70% dos feminicídios e 75% das agressões a mulheres ocorrem na residência do casal ou do homem.
E não se trata de uma autorização para policiais burlarem o Judiciário, pois os afastamentos devem ser revistos por um magistrado em até 48 horas, de acordo com Alexandre. Ele ainda citou que, desde 2019, houve 642 afastamentos de agressores ordenados por delegados ou policiais, o que demonstra que a medida não vem sendo banalizada.
Proteção mais rápida
Todos os demais ministros seguiram o voto do relator. André Mendonça avaliou que os dispositivos não ferem a reserva de jurisdição, pois o juiz deve revisar o afastamento em até 48 horas.
Cármen Lúcia lembrou o machismo reinante na sociedade brasileira. E deu um exemplo de quando um entregador foi à sua casa e perguntou para a pessoa que o atendeu: "Eu vim entregar um documento e me disseram que era para uma autoridade. Mas agora me disseram que aqui mora uma mulher. Afinal, aqui mora uma autoridade ou uma mulher?".
Gilmar Mendes opinou que a Lei 13.827/2019, que alterou a Lei Maria da Penha, é "extremamente bem-feita" e que o Congresso, em sua elaboração, pautou-se por critérios técnico-científicos. O ministro ainda criticou o corporativismo da AMB ao questionar a medida.
Durante o julgamento, informou-se que cerca de 2.500 municípios do país não são sede de comarca e 1.500 deles não têm delegados, promotores ou juízes. Gilmar dirigiu-se ao advogado da AMB para comparar: “É como se entrássemos com uma medida para fechar os postos de saúde porque eles não são hospitais — devemos ter hospitais e, como não temos hospitais, devemos, então, fechar os postos de saúde, eles não podem funcionar”.
O ministro chamou a iniciativa da AMB de “hermenêutica do interesse”. E provocou: “Eu acho que, diante da falta de juízes, que foi apontada aqui — e penso que todos nós concordamos — deveríamos rever as férias de dois meses para advogados públicos, para juízes e procuradores”.
E continuou: “Se já é grave o quadro de falta de delegados — veja bem, presidente, 52% dos municípios não são sede de Justiça estadual e, em muitos casos, por falta de juízes. Nem escafandristas têm férias de dois meses! Então, parece-me que seria uma abertura generosa da AMB discutir a temática das férias de dois meses dos juízes”.
O presidente da corte, Luiz Fux, avaliou que a possibilidade de delegados e policiais afastarem acusados de violência doméstica evita tragédias, como a da juíza do Rio de Janeiro Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, assassinada por seu ex-marido.
ADI 6.138
*Texto atualizado às 17h23 do dia 27/3/2022 para acréscimo de informações.
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