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Recurso de Dirceu levanta discussão sobre prescrição em corrupção

22 de março de 2022, 21h37

Por Sérgio Rodas

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Recurso em Habeas Corpus do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu contra condenação na "lava jato" levantou, na sessão desta terça-feira (22/3) da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, a discussão sobre o início da contagem do prazo prescricional em caso de corrupção passiva.

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Dirceu argumenta que ocorreu prescrição quanto à acusação de corrupção passiva
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O relator, ministro Edson Fachin, defendeu que o prazo tem início na última parcela da vantagem indevida recebida pelo acusado. Já o ministro Ricardo Lewandowski, que abriu a divergência, opinou que o termo inicial é o da solicitação do benefício ilícito. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro André Mendonça. Ainda não votaram os ministros Gilmar Mendes e Nunes Marques.

Em março de 2017, o então juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, condenou Dirceu a 11 anos e três meses de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. No ano seguinte, a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região reduziu a pena para oito anos, dez meses e 28 dias de reclusão.

Dirceu foi condenado por ter recebido R$ 2.144.227,73 em propina proveniente de contrato firmado em 16 de outubro de 2009 pela empresa Apolo Tubulars com a Petrobras, por intermédio de Renato Duque, diretor de Serviços da petroleira estatal à época. De acordo com a denúncia, R$ 1.445.107,86 da propina foi pago por meio de serviços de táxi aéreo, mediante o custeio de despesas pela utilização, por Dirceu, de duas aeronaves pertencentes ao lobista Julio Camargo. Já R$ 699.119,87 foram repassados ao petista, conforme o Ministério Público Federal, por meio da Credencial Construtora da Auguri Empreendimentos.

O TRF-4 considerou que a corrupção passiva do ex-ministro perdurou até abril de 2012, "período durante o qual sustentou a manutenção de Renato Duque no cargo de direito da Petrobras e se manteve percebendo vantagem ilícita". O Superior Tribunal de Justiça manteve tal entendimento.

A defesa de José Dirceu argumentou ao STF que ocorreu a prescrição da pretensão punitiva quanto à corrupção passiva. Isso porque, entre a data dos fatos (outubro de 2009) e o recebimento da denúncia (junho de 2016), transcorreu período superior a seis anos, período limite para punir o petista — como ele fez 70 anos em 2016, o prazo prescricional cai pela metade.

O ministro Edson Fachin negou monocraticamente o Habeas Corpus em outubro de 2020, mas Dirceu recorreu. No julgamento do agravo regimental nesta terça, Fachin manteve o entendimento e votou para rejeitar o recurso.

De acordo com ele, a corrupção foi efetivamente consumada por Dirceu, na modalidade de "receber", em valores recebidos de modo parcelado, com o último pagamento feito em 23 de abril de 2012, data em que se aperfeiçoou o crime.

O parágrafo 1º do artigo 110 do Código Penal, com redação dada pela Lei 12.234/2010, estabelece que, ainda que haja condenação, a prescrição entre a data do fato e a do recebimento da denúncia é regulada pela pena máxima em abstrato do delito, segundo o ministro.

Com base no artigo 109, III, do Código Penal, disse Fachin, a pretensão punitiva estatal em relação à condenação à pena de quatro anos e sete meses de reclusão por corrupção passiva deve ocorrer no período de 12 anos, o qual, no caso, deve ser reduzido à metade, já que José Dirceu tinha mais de 70 anos à época da sentença (proferida em 8 de março de 2017).

"Assim, tem-se que, entre a data do recebimento da denúncia, em 29 de junho de 2016, e a da publicação da sentença, em 8 de março de 2017, causas interruptivas ocorridas na hipótese, conforme elenco constante do artigo 117 do Código Penal, não transcorreu o prazo prescricional superior a seis anos", avaliou o relator.

Mesmo caso se tratasse do prazo prescricional contado com base na pena em abstrato aplicável à espécie, ou seja, 16 anos (artigo 109, II, do Código Penal), contados também à metade pelo critério etário, a situação permanece inalterada, declarou o magistrado. Isso porque não houve o transcurso do lapso de tempo necessário entre a data de consumação do delito, em 23 de abril de 2012, e a do recebimento da denúncia, em 29 de junho de 2016.

Dessa maneira, Fachin opinou que não há flagrante ilegalidade ou abusividade da decisão que não reconheceu a prescrição da condenação de José Dirceu por corrupção passiva.

Voto divergente
Ricardo Lewandowski abriu a divergência, votando para reconhecer a prescrição da pretensão punitiva estatal quanto à corrupção passiva e declarar extinta a punibilidade de José Dirceu por tal delito.

O crime de corrupção passiva, tipificado pelo artigo 317 do Código Penal, tem a seguinte redação: "Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem".

Lewandowski apontou que há três modalidades de corrupção passiva: "solicitar" vantagem indevida; "aceitar promessa" de vantagem indevida e "receber" vantagem indevida. As duas primeiras são crimes de natureza formal, que dispensam o resultado. Assim, o delito ocorre no momento em que alguém solicita ou aceita promessa de vantagem indevida, e os recebimentos posteriores são meros exaurimentos do crime. Já a terceira espécie de corrupção passiva se concretiza quando a pessoa recebe a vantagem indevida, e pode se alongar no tempo.

Para o ministro, a corrupção passiva imputada a Dirceu não se restringiu à modalidade recebimento. O magistrado destacou que a denúncia acusou o petista de corrupção desde 2009, mas não mencionou que ele recebeu recursos naquele ano. "Então, na verdade, a denúncia foi por 'solicitar' vantagem indevida, não apenas por 'receber'", ressaltou ele.

Portanto, o crime foi consumado em 16 de outubro de 2009, data da celebração do contrato entre a Apolo Tubulars e a Petrobras, de acordo com Lewandowski. E o recebimento posterior de valores é mero exaurimento do delito.

O prazo prescricional no caso é 12 anos (artigo 109, III, do Código Penal), reduzido pela metade, pois Dirceu fez 70 anos em 2016 (artigo 115 do Código Penal). Entre a consumação do crime (16 de outubro de 2009) e o recebimento da denúncia (ocorrido em 29 de junho de 2016), passaram-se mais de seis anos. Logo, ocorreu prescrição quanto à acusação de corrupção passiva contra Dirceu, concluiu Lewandowski.

RHC 181.566