Direito ao esquecimento

Condenação da Globo por citar suspeito inocente no Linha Direta volta ao STF

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21 de março de 2022, 14h11

O Supremo Tribunal Federal terá a oportunidade de analisar se, ao condenar a Globo por citar um absolvido como suspeito pela Chacina da Candelária no programa Linha Direta¸ o Superior Tribunal de Justiça desrespeitou o acórdão em que a corte constitucional refutou a ideia da existência do direito ao esquecimento.

Tânia Rêgo/Agência Brasil
Globo foi condenada a indenizar suspeito citado em programa sobre crime ocorrido em frente à igreja da Candelária, em 1993
Tânia Rêgo/Agência Brasil

Em decisão monocrática na sexta-feira (18/3), o vice-presidente do STJ, ministro Jorge Mussi, admitiu o recurso extraordinário ajuizado pela emissora contra o acórdão da 4ª Turma. Ele identificou, em princípio, dissonância entre o que foi decidido no colegiado e a tese firmada pelo STF em repercussão geral.

Trata-se da primeira oportunidade que o STJ teve de fazer a aplicação prática da decisão do STF. A corte constitucional entendeu, em 2021, que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição. Mas pontuou que eventuais abusos ou excessos no exercício do direito de informar podem ser passíveis de punição.

O caso
O caso trata de edição do programa Linha Direta em que a Globo retratou o episódio em que policiais à paisana abriram fogo contra as cerca de 70 crianças e adolescentes que dormiam nas escadarias da igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro, em 1993.

A emissora citou como suspeito um homem que esteve entre os acusados e foi preso, denunciado e absolvido pelo Tribunal do Júri. Ele foi procurado pela Globo por ocasião da produção do episódio e pediu para não ser citado. Ainda assim, teve nome e imagem exibidos.

Por isso, moveu ação contra a emissora com pedido de indenização porque sua imagem no programa reacendeu na comunidade onde reside a imagem de chacinador e provocou ódio social e ameaças de morte. Ao fim, teve que se mudar de residência.

Lucas Pricken
Em acórdão relatado pelo ministro Luís Felipe Salomão, STJ aplicou direito ao esquecimento no caso do Linha Direta
Lucas Pricken

Direito ao esquecimento
A chegada desse processo ao STJ marcou a primeira vez em que o tribunal discutiu e aplicou o direito ao esquecimento, em 2013. A tese parte do princípio de que atos que praticados pelas pessoas no passado distante não podem ecoar para sempre, como se fossem punições eternas.

A 4ª Turma julgou e condenou a Globo em dois processos, ambos por episódios retratados no programa Linha Direita. Um deles foi o da chacina da Candelária. A outra ação foi movida pela família Aída Curi, estuprada e morta em 1958 por um grupo de jovens, em crime que ganhou destaque nacional.

Ambas as ações geraram recursos ao Supremo Tribunal Federal. Foi no processo do caso Aída Curi que a corte, sob o regime da repercussão geral, fixou a tese que afasta a possibilidade do direito ao esquecimento.

Assim, o caso da Candelária foi devolvido ao STJ para, em juízo de retratação, aplicar a tese.

Em novembro de 2021, a 4ª Turma assim o fez, mas decidiu manter a condenação da Globo. Entendeu que, mesmo sem o direito ao esquecimento, a emissora abusou do direito de informar ao citar como suspeita do crime no Linha Direta uma pessoa que foi julgada e absolvida.

O novo recurso
No novo recurso extraordinário, a Globo, que é representada por José Perdiz de Jesus e pelo escritório Gustavo Binenbojm & Associados, defende que o acórdão da 4ª Turma violou frontalmente a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal e aponta que manter a conclusão significaria perpetuar violações frontais ao sistema constitucional de proteção à liberdade de expressão.

Supremo Tribunal Federal declarou que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal, em 2021

A petição afirma que não houve abuso do direito de informar, já que as instâncias ordinárias e o STJ reconheceram que o episódio da chacina tem notoriedade e foi retratado pela emissora de forma fidedigna com a realidade.

"Logo, evidente que a Globo exerceu regularmente o direito de informar. Aliás, o fez duas vezes: quando, à época em que os fatos ocorreram, noticiou licitamente a absolvição; e depois, quando relembrou os fatos, novamente agindo de forma lícita — pois como pontuou o STF, o decurso do tempo não transforma uma informação lítica em ilícita", diz a petição.

Para a defesa, se a 4ª Turma do STJ, ao julgar a ação pela primeira vez, identificou que se tratava de discussão sobre direito ao esquecimento, não poderia rejulgar o caso sob outro viés no momento do juízo de retratação.

"O retorno dos autos se deveu, exclusivamente, à opção do legislador de oportunizar a retratação. Jamais o rejulgamento, inaugurando-se argumentos e supostos direitos novos", afirma a petição.

O pedido ao STF é pela reforma do acórdão da 4ª Turma do STJ, o que levaria ao afastamento da condenação a indenizar o autor da ação em R$ 50 mil pelos danos morais.

Lucas Pricken/STJ
STJ vai aplicar tese do STF em caso relatado pelo ministro Marco Aurélio Bellizze
Lucas Pricken/STJ

Por vir
Há, ainda, mais um recurso em que o STJ aplicou o direito ao esquecimento e que passará por juízo de retratação, por ordem do STF. Trata-se do Recurso Especial 1.660.168, em que, em 2018 a 3ª Turma Google, Yahoo e Microsoft a filtrar resultados em suas páginas de busca referentes às suspeitas de fraude em concurso para magistratura que teria sido praticada por uma promotora.

Ela foi inocentada pelo Conselho Nacional de Justiça, que reconheceu problemas no método  adotado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e até emitiu recomendações para os concursos seguintes. Ainda assim, quaisquer buscas de seu nome na internet a vinculavam diretamente às acusações.

Os autos estão conclusos ao relator, ministro Marco Aurélio Bellizze. Ainda não há previsão para o julgamento.

Clique aqui para ler a petição do recurso extraordinário
REsp 1.334.097

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