Agressão na alma

Qualificadora da deformidade permanente não se aplica a mudança de personalidade

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17 de março de 2022, 18h46

A qualificadora de deformidade permanente em caso de lesão corporal deve representar consequência estética capaz de causar desconforto a quem a vê ou a seu portador. Ela abrange, portanto, apenas danos físicos, não sendo aplicável ao caso de lesões na personalidade da vítima.

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Agressão causou lesão que fez a vítima ter alterada a personalidade permanentemente
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A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça utilizou esse entendimento para conceder a ordem de ofício para diminuir a pena de um réu condenado por agressão que teve como resultado a alteração permanente da personalidade da vítima.

O crime foi cometido por um aluno de engenharia que, suspenso por uma transgressão disciplinar, tentou ingressar no campus da faculdade, mas foi impedido. Ele tentou argumentar com o coordenador do curso, sem sucesso.

O diálogo foi encerrado com um soco do aluno no coordenador. A vítima caiu e bateu a cabeça, desmaiando em consequência do choque. Teve amnesia lacunar por 24 horas, em quadro que evoluiu para estresse pós-traumático. A agressão resultou em 30 dias de incapacidade e alteração permanente da personalidade, comprovada por exame e laudo.

Com isso, o réu foi condenado por lesão corporal de natureza grave, qualificada por deformidade permanente, conforme previsto no artigo 129, parágrafo 2º, inciso IV, do Código Penal. A pena final ficou em quatro anos de reclusão, em regime inicial semiaberto.

No STJ, a defesa conseguiu afastar a incidência da qualificadora. Relatora, a ministra Laurita Vaz apontou que é possível que o crime de lesão corporal consista em dano ocasionado por alguém à saúde mental de outra pessoa.

Lucas Pricken/STJ
Qualificadora da deformidade está relacionada à estética, explicou Laurita Vaz
Lucas Pricken/STJ

A qualificadora da deformidade permanente, no entanto, está relacionada à estética. Ela citou doutrina de Nelson Hungria segundo a qual a verificação do ponto depende de critério objetivo e subjetivo, de forma concomitante.

"Nesse sentido, leciona que a qualificadora estará presente quando houver uma deturpação ou vício de forma capaz de causar 'uma impressão, se não de repugnância ou de mal-estar, pelo menos de desgosto, de desagrado'", citou a relatora.

A jurisprudência do STJ segue o mesmo caminho. Ambas as turmas entendem que a deformidade permanente deve representar lesão estética de certa monta, capaz de causar desconforto a quem a vê ou ao seu portador, abrangendo, portanto, apenas lesões corporais que resultam em danos físicos.

A ministra ainda destacou que a lesão causadora de danos psicológicos pode, a depender do caso concreto, ensejar o reconhecimento de outra qualificadora ou ser considerada uma circunstância judicial desfavorável.

"Na hipótese, contudo, o enquadramento em qualificadora diversa é vedado em razão da natureza jurídica do Habeas Corpus e da impossibilidade da reformatio in pejus (agravamento da pena em recurso do réu, medida vedada)", argumentou ela.

O HC julgado pela 6ª Turma refez a dosimentria ao considerar também a atenuante da confissão espontânea. A penal final ficou em cinco meses de detenção, mantido o regime inicial semiaberto.

A votação foi unânime, conforme a posição da ministra Laurita Vaz. Ela foi acompanhada pelos ministros Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz e Antonio Saldanha Palheiro e pelo desembargador convocado Olindo Menezes.

HC 689.921

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