Opinião

As novas regras sobre fundamentação das decisões judiciais penais

Autores

  • Murilo Alan Volpi

    é promotor substituto no estado do Paraná (MP-PR) doutorando e mestre em Direito Político Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) especialista em Direito Tributário pela FDRP-USP ex-advogado e analista jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) e ex-delegado de polícia no estado de Minas Gerais (PC-MG).

  • Matheus Tauan Volpi

    é delegado de polícia no estado de Minas Gerais (PC-MG) doutorando em Direito Tributário pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) mestre e especialista em Direito Tributário pela USP professor de Direito Penal e Processo Penal na Unip-São José do Rio Preto (SP) e ex-advogado e analista jurídico do Ministério Público (MP-SP).

17 de março de 2022, 20h30

A Lei Anticrime (Lei nº 13.964/19) promoveu diversas modificações no ordenamento jurídico brasileiro, dentre as quais a inserção, no Código de Processo Penal, de disposições específicas acerca da fundamentação das decisões judiciais criminais (artigo 315, §2º, do CPP).

Por meio da Lei 13.964/19, o artigo 315, §2º, do Código de Processo Penal passou a prever que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial que "limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento".

Para além de discutir cada uma das hipóteses em que a decisão é considerada "não fundamentada", o presente trabalho objetiva fornecer uma resposta à questão atinente ao alcance do artigo 312, §2º, do Código de Processo Penal: referido dispositivo aplica-se apenas às decisões que decretem, substituam ou deneguem a prisão preventiva, ou aplica-se também às demais decisões judiciais criminais, como sentenças e acórdãos condenatórios?

Inicialmente, observa-se que, apesar de sua posição topográfica (inseridas em dispositivo que disciplina a prisão preventiva), as regras dispostas no §2º do artigo 315 do CPP nada mais são do que a transposição ao Código de Processo Penal das regras já previstas no artigo 489, §1º, do Código de Processo Civil [1] como padrões mínimos para que qualquer decisão judicial possa ser considerada devidamente fundamentada [2].

Caso a disposição do artigo 315, §2º, não houvesse sido incorporada no Código de Processo Penal, referidas exigências de fundamentação se aplicariam às sentenças e acórdãos condenatórios criminais por força de aplicação analógica do artigo 489, §1º, do Código de Processo Civil.

Rômulo de Andrade Moreira, em comentário à aplicabilidade do artigo 489, §1º, do Código de Processo Civil ao processo penal, pontua que não há dúvidas acerca da possibilidade da referida aplicação analógica, "especialmente porque a fundamentação é exigência constitucional, prevista no artigo 93, IX da Constituição, segundo o qual todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade. Portanto, o (…) dispositivo legal [do CPC] apenas realça em sede infraconstitucional o que já é um mandamento constitucional" [3].

A aplicabilidade da regra inserta no artigo 315, §2º, do Código de Processo Penal a todas as espécies de decisões judiciais penais (como sentenças e acórdãos condenatórios) é ainda extraída do argumento interpretativo "a minori ad majus", segundo o qual se é vedado o menos, também é vedado o mais. Carlos Maximiliano, em comentário ao referido argumento interpretativo ("a minori ad majus"), preleciona que, "se é vedado o menos, conclui-se que o será também o mais; a condição imposta ao caso de menor importância prevalece para o de maior valor e da mesma natureza; por exemplo, se alguém é privado de administrar os bens, não os poderá vender(…). Os argumentos a minori ad majus levam a aplicar uma norma aos casos não previstos, nos quais se encontra o motivo, a razão fundamental da hipótese expressa, porém mais forte, em mais alto grau de eficácia" [4].

No caso concreto, se as exigências de fundamentação (artigo 315, §2º, do CPP) se aplicam para o menos (decretação de prisão preventiva), certamente se aplicarão para o mais (condenação), reforçando o argumento "a minori ad majus".

Dessa forma, a posição topográfica do artigo 315, §2º, do Código de Processo Penal por si só não limita a extensão da aplicabilidade do dispositivo. Trata-se de disposição legal trazida do processo civil para o processo penal, e que evidencia pilares mínimos para que qualquer decisão judicial seja considerada adequadamente motivada e fundamentada.

Referida interpretação acerca do alcance da regra inserta no artigo 315, §2º, do Código de Processo Penal ainda se coaduna com a finalidade última do Processo Penal, consistente na concretização de direitos e garantias fundamentais, e na limitação do poder punitivo estatal [5]. 

 

 

[1] Artigo 489. (…) § 1º. Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I — se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II — empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III — invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV — não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V — se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI — deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

[2] Pacelli, Eugênio Curso de processo penal — 25ª ed. — São Paulo: Atlas, 2021. pag. 280

[3] MOREIRA, Rômulo de Andrade. O novo código de processo civil, a fundamentação das decisões judiciais e o processo penal brasileiro. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/o-novo-codigo-de-processo-civil-a-fundamentacao-das-decisoes-judiciais-e-o-processo-penal-brasileiro-por-romulo-de-andrade-moreira/. Acesso: 9/3/2022.

[4] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Apresentação Alyson Mascaro. (Fora de série) — 22ª ed. — Rio de Janeiro: Forense, 2020, pág. 223

[5] Como pontua Aury Celso Lima Lopes Junior, "o processo penal é um instrumento de limitação do poderpunitivo do Estado, impondo severos limites ao exercício desse poder e também regras formais para oseu exercício. É a forma, um limite ao poder estatal. Mas, ao mesmo tempo, a forma é uma garantiapara o imputado, em situação similar ao princípio da legalidade do direito penal" (LOPES JR, Aury.Direito processual penal — 18ª ed. — São Paulo: Saraiva Educação, 2021. 418).

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    é promotor substituto no Estado do Paraná (MP/PR), doutorando e mestre em Direito Político e Econômico pelo Mackenzie, especialista em Direito Tributário pela USP, já foi advogado, analista Jurídico do MPSP e delegado de polícia no Estado de Minas Gerais.

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    é delegado de polícia no Estado de Minas Gerais (PC/MG), doutorando em Direito Tributário pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), mestre e especialista em Direito Tributário pela USP, professor de Direito Penal e Processo Penal na Unip-São José do Rio Preto/SP e já foi advogado e analista jurídico do Ministério Público (MP/SP).

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