Opinião

Prática da antipolítica tem cobrado um preço elevado nas democracias

Autor

  • Roger Stiefelmann Leal

    é professor doutor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo visiting scholar na Harvard Law School (2019) e doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo.

16 de março de 2022, 6h12

Expressar tolices, ideias equivocadas e observações irrefletidas é comportamento comum, passível de ser praticado por qualquer ser humano. Naturalmente, quando manifestadas por pessoas públicas ou agentes políticos, ganham evidência e notoriedade. Mais expostos, tais personagens são frequentemente chamados a falar sobre diversas questões, aumentando as chances de cometerem erros e proferirem sandices e grosserias. Uma breve análise da crônica política das últimas décadas identificará inúmeras frases embaraçosas e preconceituosas que ganharam ampla exposição.

A gravidade de tais declarações, contudo, nem sempre condiz com a condenação pública e, sobretudo, com a responsabilização jurídica gerada. Não é incomum a manutenção do mandato político do agente público que tenha incorrido em reprovável incontinência verbal. Tal juízo, geralmente sujeito à deliberação parlamentar, implica a avaliação de diversos aspectos e circunstâncias.

Questão relevante a esse propósito guarda relação com a forma como o agente público se posiciona perante o ambiente político e a sociedade em geral. Cada vez mais corrente na vida pública, é o surgimento de novos atores que, em face da popularidade e do engajamento que obtêm nas redes sociais, conseguem votação suficiente para se eleger a cargos públicos. Atalho para essa notoriedade virtual tem sido a adoção de ações e discursos disruptivos, que propagam reações indignadas contra a classe política ou grupos que militam por determinada ideologia. Recorre-se, sob essa perspectiva, a fórmulas de constrangimento e ridicularização de pessoas comuns ante seu envolvimento emocional — e, geralmente, pouco racional — com ideais, partidos ou candidatos. Tudo isso online, em vídeo, à distância de um click. Rapidamente, alcançam-se milhares de visualizações e likes.

A votação consagradora que leva o influencer revoltado ao mandato eletivo reforça sua convicção de que o caminho seguido é o certo. Basta continuar na trilha da exposição vexatória daqueles que, a seu sentir, não estão do lado da verdade e da razão. Seu acesso privilegiado ao mundo da política lhe confere, ademais, novas atrações. A ridicularização passa a ter também como vítimas outros representantes eleitos. A atitude de confrontação é percebida por muitos como comportamento hostil. Ocupa-se a tribuna parlamentar para atacar, desdenhar e zombar de ativistas e grupos de pressão que acompanham presencialmente os trabalhos legislativos. Sua notoriedade advém do conflito aberto, da conflagração em alta temperatura.

Se, de um lado, tal comportamento sacia a sede de seguidores pelo escárnio e humilhação de adversários políticos, de outro, oblitera canais, destrói pontes e impede o diálogo. Aos poucos, vai sendo excluído do processo decisório. Não se conversa sobre soluções e projetos com quem agride, hostiliza e achincalha. Os princípios que cultivam seus apoiadores passam a ser paulatinamente menos influentes na arena pública.

Em vez de política, pratica-se sua negação. Em sociedades complexas, compostas por segmentos com crenças e ideais diferentes, é a política que permite construir soluções em comum para problemas comuns. Cuida-se de atividade amparada no diálogo e na concórdia. Requer de seus agentes capacidade de ouvir compreensivamente argumentos, ideias e opiniões contrárias, assim como expor convincentemente seu pensamento de modo a, em conjunto, encontrar formas de composição ou conciliação das diferentes posições. A inflexibilidade aliada à intimidação, ao contrário, são aspectos da imposição, típicos da tirania. Promovem antipolítica.

A prática da antipolítica cobra preço elevado. Basta uma frase infeliz, um comentário intragável, para que os hostilizados ganhem a chance de decretar sua exclusão da arena pública. Imagine-se o caso em que, de forma condenável, o influencer radical tenha insinuado aproveitar-se da vulnerabilidade enfrentada por mulheres em cenário de guerra. É um prato cheio para quem preza por um ambiente institucional com mais cortesia, civilidade e respeito. Como ensina Edmund Burke, "aquele que ousa se colocar como juiz da verdade e do conhecimento naufraga pela gargalhada dos deuses".

Eventual cassação de mandato, em tais circunstâncias, não é consequência de um isolado comentário execrável. É ele apenas a última gota d'água. Sua exclusão funda-se, sobretudo, no uso da confrontação como prática, da ridicularização como método, da antipolítica como forma de comportamento público. Afinal, quem semeia vento, colhe tempestade.

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