Opinião

A redução de alíquota do IPI e vigência da nova tabela Tipi

Autores

  • Halley Henares Neto

    é advogado em São Paulo sócio titular da Henares Advogados presidente da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat) especialista em Direito Tributário pela Ceeu-SP e membro do Conselho Superior de Direito da Fecomercio.

  • Stephanie Thaller

    é coordenadora do Consultivo Tributário Henares Advogados.

15 de março de 2022, 17h12

As alterações das alíquotas do IPI (reduções) entraram em vigor em 25/2/2022, por ocasião da publicação do Decreto nº 10.979/22, publicado no Diário Oficial da União. Trata-se de uma medida de incentivo a retomada econômica do país de abrangência ampla aos setores industriais que alterou as alíquotas da atual Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (Tipi) aprovada pelo Decreto nº 8.950 de 2016.

Destarte, para a indústria em geral houve uma redução de 25% das alíquotas aplicadas aos produtos. Determinados segmentos do setor automotivo tiveram uma redução menor de 18,5%. A indústria do tabaco (e seus sucedâneos manufaturados) foi a única não beneficiada com as reduções (vedação aos produtos classificados nos termos do capítulo 54 da atual tabela Tipi).

Sucede que, não obstante a inexistência de um prazo de vigência pré-determinado pelo Decreto nº 10.979/22 em relação ao benefício, muito se questionou sobre seus efeitos, diante do fato de que a Nova Tabela Tipi, instituída pelo Decreto nº 10.923/21 entrará em vigor no dia 01/4/2022.

Com efeito, o presente texto fará uma breve reflexão sobre a limitação ou não da vigência das reduções por ocasião da revogação em 1/4/2022 da atual tabela Tipi (Decreto nº 8.950 de 2016).

Vigência e validade
A regra-matriz de incidência tributária do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) foi instituída pelo artigo 153, inciso IV da Constituição. Por se tratar de um tributo que demanda certa elasticidade no tocante a sua seletividade, o artigo 153, §1º da Magna Carta outorgou ao Executivo o poder de, por meio de decreto, alterar suas alíquotas. Deste modo, é possível afirmar desde já que o Decreto nº 10.979/22 é o instrumento normativo hábil e competente a realizar a alterações das alíquotas do IPI.

Não obstante, a clareza normativa e a ausência de menção à limitação de sua vigência, os contribuintes questionam se as reduções seriam aplicáveis à nova tabela Tipi que entrará em vigor no dia 1/4/2022 ou se fruição deste benefício estaria limitada a vigência da atual Tabela Tipi.

Neste aspecto, sob a luz da hermenêutica jurídica e da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657 de 1942), é inquestionável que a norma posterior revoga a anterior tão somente quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que trata a lei anterior (artigo 2º, §1º).

Assim, imperioso notar que o Decreto nº 10.979/22 foi publicado posteriormente ao Decreto nº 10.923/21, o qual  por sua vez  revogou a Tabela Tipi instituída pelo Decreto nº 8.950/16, limitando sua vigência até o dia 31/03/2022. Deste modo, questiona-se inicialmente: como poderia a norma anterior (Decreto nº 10.923/21) limitar a vigência de uma norma posterior (Decreto nº 10.979/22)?

Não obstante, a incongruência temporal da limitação dos efeitos do novo Decreto, necessário ressaltar que a nova tabela Tipi não traz inovações materiais tributárias. Significa que não tem o poder e nem mesmo a competência para alterar a regra-matriz de incidência tributária e nem mesmo as alíquotas, como dispõe o próprio:

"Artigo 4º — Fica a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia autorizada a adequar a TIPI sempre que não implicar alteração de alíquota, em decorrência de alterações promovidas na NCM pelo Comitê-Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior – Camex do Ministério da Economia".

Imperioso relembrar que em matéria de vigência e revogação de norma jurídica, o critério que deve ser levado em conta é o da publicação (que exterioriza o conteúdo da regra de direito no ordenamento jurídico) e não o da eficácia (que apenas fixa e protrai a disposição de data para dessa mesma regra jurídica) da norma jurídica.

De mais a mais, é incontestável que os decretos exteriorizam competências materiais distintas, haja vista que, o Decreto nº 10.923/21 instituiu tão somente a nova tabela Tipi e o Decreto nº 10.979/22 alterou efetivamente o critério quantitativo da regra-matriz de incidência tributária, mediante a redução das alíquotas do IPI.

Sendo os decretos de matérias e campos de competência diferentes, aplica-se a regra de que norma posterior não altera norma anterior naquilo que elas não se conflitam e não se excluam. Com efeito, ambas as regras jurídicas veiculadas nos mencionados decretos em análise devem conviver e se harmonizar naquilo em que não se contradizem (antinomia).

Haja vista que o início da eficácia do Decreto nº 10.923/21 se dará apenas em abril de 2022, estaria naturalmente preenchido o requisito de haver um decreto regulamentar novo (Decreto nº 10.979/22), cuja extensão das reduções às alíquotas da Tipi se daria por simples recepção e conjugação, uma vez que não conflitante, com os termos do "anterior" (Decreto 10.923/21), encarregado de introduzir a referenciada nova tabela Tipi.

Por conseguinte, não é sustentável que a simples remissão do Decreto nº 10.979/22 ao atual Decreto nº 8.950/16 significaria que a vigência de um estaria limitada a do outro, para defender a tese da limitação dos efeitos dos benefícios do Decreto nº 10.979/22 à vigência do Decreto nº 8.950/16, pretendendo que seria necessária a edição de um mais um (novo) decreto regulamentar que estenda essas reduções para a nova tabela após o início de abril de 2022.

Ademais, nesse caso, a remissão trata-se de uma questão inerente à técnica do processo legislativo que de forma alguma limita a eficácia tributária da nova norma. Logo, por ocasião da entrada em vigor da nova tabela, que como vimos não inova ou altera a essência da matéria, a perenidade dos efeitos do Decreto nº 10.979/22 dar-se-á por remissão automática e tácita diante da recepção deste, enquanto absolutamente compatível com o ordenamento jurídico.

O Decreto nº 10.923/21, que instituiu a nova tabela Tipi, não traz inovação material, nem mesmo possui competência para alterar a regra-matriz de incidência tributária e seu critério quantitativo (alíquota). Por outro lado, o Decreto nº 10.979/22 está em harmonia com o ordenamento jurídico e é considerado o instrumento normativo competente para alteração das alíquotas, cujos efeitos não se limitam à vigência do Decreto nº 8.950/16.

Por fim, necessário ressaltar que quem defende a tese da limitação dos efeitos dos benefícios do decreto nº 10.979/22 à vigência do decreto nº 8.950/16, sustenta, sem razão, a nosso ver, que seria necessária a edição de um novo decreto regulamentar que estenda essas reduções para a nova tabela Tipi. Neste sentido, para evitar qualquer tipo de discussão, a Receita Federal divulgou em um comunicado publicado no dia 7/3/2022 que um novo decreto será editado para que as alterações das alíquotas do IPI sejam mantidas, o que demonstra que não teria sido a "intenção do legislador" trazer essa discussão, muito menos limitar a vigência do Decreto nº 10.979/22 aos efeitos da atual tabela Tipi.

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