Contas à Vista

Custos empresariais: tributação e juros versus renúncias fiscais e Refis

Autor

  • Fernando Facury Scaff

    é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Mello Bentes Lobato & Scaff Advogados.

15 de março de 2022, 8h00

Estudar o Direito dentro de delimitadas caixinhas metodológicas nem sempre nos permite compreender a dinâmica dos fatos e visualizar a realidade concreta, sendo um desafio interligar várias áreas do conhecimento com essa finalidade. Tento fazer isso nas colunas semanais em que escrevo alternadamente nesta Conjur — coluna Contas à Vista (terças-feiras, sobre Direito Financeiro), que divido com Élida Graziane, e na coluna Justiça Tributária (segundas-feiras, sobre Direito Tributário), com Raul Haidar.

Spacca
O tema desta coluna me ocorreu durante um evento acadêmico dias atrás. Ouvi um comentário afirmando que no Brasil a renúncia fiscal era um contraponto à alta taxa de juros que sempre vigorou entre nós, de modo a aliviar a alta carga tributária sobre as empresas. Em síntese, a ideia é que, para as empresas, a equação econômica corresponderia à um regime jurídico tributário elevado, somado ao alto custo do dinheiro (juros bancários), compensado pelas renúncias fiscais, de tal modo a permitir alavancar os negócios. A resultante econômica seria menos onerosa em seu conjunto.

A lógica exposta é comparatística, pois, em outros países ocidentais, a carga de juros bancários é incomensuravelmente mais baixa, permitindo que as empresas usem empréstimos rotineiramente e com baixo custo, seja como capital de giro ou para compra de máquinas e outros investimentos. Como no Brasil os juros sempre estiveram nas alturas, e o conjunto da carga tributária é igualmente alto, as renúncias fiscais ajudariam a calibrar os encargos econômicos necessários para o desenvolvimento das empresas.

Intuitivamente gosto da tese, embora não tenha condições de confirmá-la por falta de dados estatísticos para sua comprovação. Olhemos o assunto por partes.

Tem lógica a afirmação de que os juros bancários no Brasil são estratosféricos. Nem vale a pena olhar a taxa Selic, pois esta, embora alta, é muito menor do que a utilizada efetivamente nas operações bancárias de financiamento empresarial, sob qualquer de suas modalidades, em perspectiva com o que ocorre em outros países.

Por outro lado, a tributação no Brasil também é alta em seu conjunto. Embora seja possível dizer que o Imposto de Renda é mais alto em outros países, quando somado aos tributos sobre o consumo (acrescidos dos exóticos tributos sobre a receita bruta), chega-se a uma carga tributária bastante alta. Se considerarmos ainda outros encargos empresariais, que nem sempre são tributários, mas se constituem em encargos econômicos, como taxas diversas, CFEM, FGTS, salário-educação e muitos outros penduricalhos, chegaremos à um percentual verdadeiramente alto de obrigações fiscais (lato sensu).

Logo, alavancar um empreendimento com tantos custos econômicos é de uma dificuldade sem fim, sem falar de outros aspectos, como as altíssimas multas tributárias, a enormidade de obrigações acessórias que aumentam exponencialmente, e o dumping social que existe em outros países, como China e Índia, onde os encargos trabalhistas são ínfimos.

A ideia então exposta é que as renúncias fiscais existem como um contrabalanço disso, de tal modo a reduzir o impacto econômico sobre as empresas e permitir sua existência e concorrência no mercado.

Acresceria outro aspecto: os diversos Refis, sejam federais, estaduais ou municipais, existem e são renovados periodicamente como uma forma de aliviar juros e multas tributárias, sempre nas alturas, muito embora a inflação tenha sido fortemente reduzida desde a década de 90 do século passado, a despeito de seus efeitos estarem ressurgindo com alguma intensidade. Tais programas especiais de parcelamento tributário (nome genérico: Refis) raramente alcançam o principal, atuando como redutores de multas e juros.

Tudo isso, observado em seu conjunto, é uma forma de compensação econômica que as empresas brasileiras, em especial as médias e grandes, se utilizam para concorrer e sobreviver. As micro e pequenas empresas normalmente se utilizam de regimes especiais de tributação, sofrendo os impactos aqui referidos de modo diferenciado, embora sofram com os juros ainda mais altos, pois carecem de garantias para a obtenção de crédito barato. Desse modo, na média, o custo econômico empresarial se tornaria comparativamente mais adequado com o que ocorre em outros países.

É uma ideia instigante, que merece atenção para uma análise interdisciplinar, a ser desenvolvida.

Tudo se tornaria mais fácil se tivéssemos juros menores e uma sistema tributário mais adequado, o que, infelizmente, não está sequer no horizonte, nem mesmo com as propostas de reforma tributária em curso no Congresso.

Por outro lado, para isso, seria necessária uma reforma do Estado brasileiro, a fim de reduzir seu custo, sejam com as despesas obrigatórias, seja com a política de juros — que sequer está sob o teto de gastos, já tão rompido. As propostas em curso no Congresso também não enfocam a questão das despesas públicas com a devida atenção, sendo que, quanto aos juros, sequer estão no radar de análise do Congresso.

Parece que estamos andando em círculo neste país.

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    é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff Advogados.

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