Opinião

O ressarcimento em regresso, o transporte aéreo internacional de carga e o STF

Autor

  • Paulo Henrique Cremoneze

    é advogado sócio fundador de Machado Cremoneze Lima e Gotas Advogados Associados mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos especialista em Direito dos Seguros em Contratos e Danos e em Direito Processual Civil e Arbitragem pela Universidade de Salamanca professor de Direito dos Seguros membro efetivo da Academia Nacional de Seguros e Previdência da Associação Internacional de Direito dos Seguros (Aida-Brasil) do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) da Ius Civile Salmanticense (Espanha) vice-presidente da União dos Juristas Católicos de São Paulo (Ujucasp) presidente do Instituto de Direito dos Transportes (IDTBrasil) membro do Clube Internacional de Seguros de Transportes (Cist) autor de livros de Direito dos Transportes e Direitos dos Seguros associado da Sociedade Visconde de São Leopoldo e laureado pela OAB-Santos pelo exercício ético e exemplar da profissão.

14 de março de 2022, 6h07

No último dia 7 de março, recebemos de colegas do mercado segurador uma importante decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o Tema 210 de repercussão geral e, portanto, sobre a Convenção de Montreal.

Isso aconteceu em caso que envolvia segurador sub-rogado e transportador aéreo internacional de carga (Recurso Extraordinário 1.1368.069-SP, relator ministro Alexandre de Moraes). Caso em que o segurador sub-rogado foi muito bem defendido pelos estimados colegas Debora Domesi Silva Lopes e Fernando da Conceição Gomes Clemente.

Grande vitória. Na condição de quem lida bastante com o ressarcimento em regresso da carteira de transportes, digo-lhes: parabéns e obrigado. Parabéns pelo trabalho e obrigado pela vitória (que a todos aproveita: seguradores, corretores de seguros, donos de cargas e advogados especializados em ressarcimentos).

A decisão será utilizada por todos os que defendem os direitos e interesses dos seguradores sub-rogados contra transportadores aéreos de cargas.

Faz tempo que eles, meus sócios e eu e outros profissionais defendemos que o Tema 210 não se aplica em casos de transporte de carga e/ou seguradores sub-rogados.

O distinguishing entre a decisão paradigma e os casos de nosso comum e imediato interesse não poderia ser desprezado, a considerar ainda uma certa ideia de modulação, aqui expressada em sentido amplo.

Ainda maior é a alegria porque a decisão não é apenas mais uma para somar ao acervo já existente (há decisões importantes, e no mesmo sentido, do TJ-SP e do próprio STF), porém uma com fundamentos especialmente relevantes.

Estes abraçam argumentos dos defensores do mercado segurador que podem mudar significativamente o desenho geral do ressarcimento em regresso em semelhantes litígios.

Afirmo-o porque a decisão foi além da simples declaração de não incidência do Tema 210 e da limitação de responsabilidade por alguma causa que na própria Convenção o justificasse (declaração de valor ou conduta temerária do transportador), e avançou para uma hermenêutica mais profunda do ordenamento jurídico.

O STF declarou que a relação jurídica entre o segurador sub-rogado nos direitos e ações do dono de carga e o transportador aéreo não se guia pela Convenção de Montreal ou pelo Código Brasileiro de Aeronáutica, e sim pelo Código Civil.

Isso não é fantástico? É, e muito.

Para além da discussão do distinguishing e de causas que autorizam a não incidência da limitação de responsabilidade, volta agora a possibilidade de defender, como no passado fazíamos, a não aplicação da própria Convenção de Montreal quando o autor da ação for o segurador sub-rogado, e não o dono da carga propriamente dito.

O que faz todo sentido, porque o direito do segurador não deriva da inexecução do contrato internacional de transporte aéreo de carga, mas do pagamento de indenização de seguro, e do que daí decorre: a sub-rogação.

Não são poucas as decisões, especialmente do Tribunal de Justiça, reconhecendo a amplitude da sub-rogação e a força invulgar do direito de regresso. O segurador sub-rogado — é muito importante repetir — não se submete aos termos de um contrato do qual não é parte, como o de transporte de carga, tampouco se sujeita às normas que tratam de assuntos ligados ao objeto deste.

Repito insistente e enfaticamente, com base no casamento entre Direito dos Seguros e Direito dos Transportes: a lei é clara ao dizer que o segurador, ao pagar a indenização, se sub-roga nos direitos e ações do segurado, só. A sub-rogação não implica ônus e deveres eventualmente contraídos pelo segurado com o terceiro. Por isso que as normas que regulam as relações entre estes não atingem aquele quando busca o ressarcimento em regresso.

Mais do que direito, a busca do ressarcimento é dever do segurador, um ato de transparência e de lealdade com o colégio de segurados que representa. Defender o ressarcimento é defender o mútuo, proteger o princípio do mutualismo. É, por assim dizer, ainda que reflexamente, proteger os interesses e direitos de toda a sociedade, já que a função social do seguro e a importância de mantê-lo saudável são inegáveis.

Há algo de muito especial na sub-rogação e isso não é força de linguagem. Como me disse o excelente processualista Humberto Taba, colega e amigo, a sub-rogação é regra especial dentro de um sistema geral, que é o do Código Civil.

Segundo Taba (e aqui peço confiança ao leitor por se tratar de fonte oral), agiu bem o Supremo Federal na decisão porque aplicou corretamente a relação entre Convenção Internacional e regra especial dentro do sistema jurídico brasileiro.

A antinomia seria aparente; a regra da sub-rogação do segurador (art. 786 do Código Civil) é especial (e eu ouso dizer, ultra especial) e, portanto, selada com a primazia interpretativa e concreta.

Concordo e biso, não porque sou advogado que atua em defesa dos seguradores sub-rogados, mas porque convencido da força desse entendimento e de sua ótima posição dentro do quadro geral do Direito.

Daí a celebração da decisão que os colegas Domesi e Clemente conquistaram, já que seus fundamentos, em meu modesto entender, ratificaram a posição primacial da sub-rogação e enfatizaram que o segurador sub-rogado não se submete a nada que não seja ligado apenas e tão somente ao contrato de seguro e à legislação civil.

Ao buscar o ressarcimento em regresso, o segurador sub-rogado não litiga exatamente contra um transportador aéreo internacional, mas contra autor de ato ilícito, protagonista de dano. Uma busca fundada no Código Civil, contra quem maneja fonte de risco (artigo 927), informada pelo princípio da reparação civil integral (artigo 944).

A decisão bisa e reforça a expressiva ementa do acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo:

"Ação regressiva — pretensão da autora ao ressarcimento do valor pago à sua segurada em decorrência de avarias em sistema de microscopia a laser comprado na Alemanha durante o transporte para o Brasil — prescrição não caracterizada porque a ação foi ajuizada dentro do prazo trienal do artigo 206, §3º, V do CC/02 — decadência não caracterizada pois o artigo 754, parágrafo único, do CC/02 se refere à ação do destinatário contra o transportador — relação jurídica regida pelo Código Civil Brasileiro — dever de reparação civil integral dos danos — inaplicabilidade da Convenção de Montreal e do Código Brasileiro de Aeronáutica — demanda procedente — improvido recurso da requerida — provimento ao da autora".

Neste momento, para não me alongar e deixar de lado o foco, a defesa do ressarcimento integral e a não submissão do segurador sub-rogado à Convenção de Montreal, reconhecendo-se a força da sub-rogação, deixarei de comentar dois outros importantes fundamentos: prescrição e decadência.

Assuntos de que já falei em outros artigos, ensaios e peças forenses e que vi reconhecidos e consagrados pela Corte Suprema. Comprometo-me a escrever novamente a respeito, com base nessa magnífica decisão, e os tratarei com a atenção devida.

Pois bem. A emenda do Tribunal Paulista, adotada pelo ministro Alexandre de Moraes, é importantíssima por evidenciar a incidência do Código Civil, algo que sempre reclamei em se tratando de ação regressiva de ressarcimento contra quem quer que fosse.

Ecoa o acórdão algumas decisões do STJ e do próprio STF, e pode ser considerado espécie de catequese do direito de regresso, sendo de se destacar, com letras de fogo, estes fundamentos do ministro Alexandre de Moraes:

"Entretanto, em casos nos quais se debate vício na prestação de serviço de transporte aéreo de mercadoria, e o consequente reconhecimento do direito de regresso da parte recorrida decorrente de contrato de seguro, é inaplicável o referido precedente paradigma, pois não se trata de transporte de passageiros e de bagagem, mas de vício na prestação de serviço de transporte aéreo de mercadoria e o consequente reconhecimento do direito de regresso decorrente do contrato de seguro."

Alegram-me e até me envaidecem essas palavras porque são exatamente as que defendo nos planos acadêmico e profissional desde que a decisão de repercussão geral surgiu.

Em outro ensaio, publicado pelo portal jurídico Migalhas, disse:

"Pareceu-me bastante claro, para não dizer evidente, desde seu surgimento no cenário jurídico brasileiro, que o Tema 210 só incide nos casos de transportes aéreos internacionais de passageiros com extravios de bagagens, não nos de transportes de cargas, muito menos nos protagonizados pelos seguradores sub-rogados nos direitos e ações dos seus segurados, donos de cargas, vítimas de danos (provocados pelos transportadores aéreos).
Dizem alguns, apesar da clareza que afirmei, que o Precedente é replicável a todo e qualquer caso de transporte aéreo internacional. Discordei, discordo e sempre discordarei dessa forma de encarar o assunto.
Vou além: afirmo categoricamente que o entendimento é errado. Errado porque fere a ortodoxia dos Precedentes, que pretendem estabelecer no Brasil uma cultura das mais saudáveis, e porque desconsidera situações muito particulares, como a do transporte de carga e a do segurador sub-rogado nos direitos do segurado em ação de regresso. Sua indistinta aplicação poderá gerar grandes danos ao Direito e às vítimas de perdas anteriores.
Impossível falar em Precedente sem, ao mesmo tempo, considerar modulação, distinguishig, overrruling, simetria e conceitos afins. Ou se leva tudo isso em conta, quando da análise do caso concreto, ou o sonho da cultura dos Precedentes — algo de que até sou entusiasta —, tão importante para o fomento do ambiente de negócios, para a diminuição da judicialização, para a segurança jurídica, corre seríssimo risco de se converter em pesadelo.
Para minha satisfação, não são poucas as decisões, monocráticas e colegiadas, no mesmo sentido do que defendo: o Tema 210 não repercute imediata e indistintamente nos casos envolvendo transportes de cargas e/ou seguradores sub-rogados.
Satisfação que se tornou ainda maior quando os ministros da própria Suprema Corte começaram a decidir do mesmo modo, ainda que — por enquanto — monocraticamente."

A última frase é reiterada com ainda mais satisfação, já que a decisão que aqui comento é ainda mais robusta no que diz respeito ao núcleo de atenção presente: a integralidade do ressarcimento e a não incidência da limitação de responsabilidade.

Por oportuno e para mostrar que é mesmo posição forte, atual, da Suprema Corte, reproduzo o que já usei em outros ensaios e artigos, publicados, e em peças forenses:

Abro aspas
"(…) Por isso é que nos preocupa muito o Tema 210 nos litígios de ressarcimento em regresso demandados por seguradores de cargas. Estes não se ajustam em nada ao conteúdo e ao teor da decisão paradigma do julgado em repercussão geral. O fato de falarmos em cargas e em seguradores reclama uma atenção diferente.
Embora não pareça (para muitos), isso muda tudo (para todos). Tanto muda que o próprio Supremo várias vezes tratou de dizer que a situação deste caso é inteiramente distinta do precedente em que a transportadora busca encaixá-lo, à força de uma uniformização do essencialmente diferente, apenas para fugir do dever de indenizar.
Foi o que, por exemplo, entendeu o ministro Alexandre de Moraes (ARE 1.146.801/SP), em momento posterior à fixação do tema nº 210 de repercussão geral:
'No caso dos autos, inaplicável o referido precedente paradigma, pois não se trata de transporte de passageiros e de bagagem, mas de vício na prestação de serviço de transporte aéreo de mercadoria e o consequente reconhecimento do direito de regresso da parte recorrida decorrente de contrato de seguro.' (Grifos nossos)
E foi o que a ministra Cármen Lúcia, no RE 1252909/SP, ressaltou, em distinguishing realmente exemplar:
'Inviável a aplicação do Tema 210 da repercussão geral, pois ausente identidade entre a matéria trazida na espécie e a tratada no Recurso Extraordinário nº 636.331, relator o ministro Gilmar Mendes. Na espécie vertente discute-se direito de regresso decorrente de contrato de seguro em transporte aéreo de cargas entre companhia aérea e seguradora, não de limitação da responsabilidade de transportadoras aéreas de passageiros por extravio de bagagens em voos internacionais.' (grifos nossos)
É exatamente como entende ainda a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Ag. Reg. no RE com Agravo 1.240.608/RJ, acórdão de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski:
'I – A discussão em torno de eventual direito de regresso para reparação de danos decorrentes de extravio de mercadoria em transporte aéreo internacional pago pela seguradora, não se submete ao Tema 210 da Repercussão Geral.'
Ressaltando que essa é, mesmo, a jurisprudência recente da Suprema Corte, imediatamente posterior ao Tema 210, a ministra Rosa Weber, no RE 1.196.955/SP, reforçou os termos do acórdão que a precedia e condenava a transportadora ao ressarcimento integral, asseverando que a limitação de responsabilidade de forma alguma poderia afetar a seguradora sub-rogada:
'O entendimento adotado no acórdão recorrido não diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribunal Federal, no sentido de inaplicabilidade do leading case objeto do Tema 210 à hipótese em que discutido mero direito de regresso decorrente de contrato de seguro em transporte aéreo de cargas entre companhia aérea e seguradora, razão pela qual não se divisa a alegada ofensa aos dispositivos constitucionais suscitados.' (grifos nossos)
O ministro Luiz Fux, na relatoria do acórdão do AG.REG. no AI 822.191, seguido pelos outros ministros, também distingue muito bem um caso de outro:
'Por outro lado, destaco a existência de distinção entre o caso sub examine, que versa sobre danos decorrentes de falha na prestação de serviço de transporte aéreo de cargas e o consequente direito de regresso decorrente de contrato de seguro, e o leading case objeto do Tema 210 da repercussão geral (RE 636.331, rel. min. Gilmar Mendes), em que controvertida a limitação da responsabilidade de transportadoras aéreas de passageiros por extravio de bagagens em voos internacionais, não se aplicando à espécie, por conseguinte, a tese firmada no referido precedente.' (grifos nossos)
O tiro de misericórdia, por assim dizer, foi disparado pelo ministro Gilmar Mendes — exatamente o relator da decisão paradigma (a que gerou o tema de repercussão geral), que expressamente disse que o precedente não se aplica aos casos envolvendo cargas e seguradores sub-rogados:

ARE 1.331.340/SP
Decido.
O recurso não merece prosperar.
No caso, verifico que o Tribunal de origem, ao examinar a legislação infraconstitucional aplicável à espécie (Código Civil/2002), consignou que o caso dos autos distingue-se da matéria debatida no tema 210 da repercussão geral, posto que, neste paradigma, discutiu-se o direito de indenização pleiteado em caso de extravio de bagagem por transporte de passageiros quando estes são os destinatários finais do serviço prestado, enquanto que o caso dos autos se refere ao direito de regresso de seguradora que pagou indenização em razão de danos decorrentes do extravio de mercadoria no transporte aéreo de carga em situação em que a empresa contratante do seguro não é a destinatária final das mercadorias.

"Logo, é simplesmente impossível se basear no entendimento prevalente do STF para afastar a integralidade da indenização. Ele justifica precisamente o contrário, e múltiplas vezes, por mais que o CDC não prevaleça sobre a Convenção de Montreal (Varsóvia), aliás a única coisa que foi realmente firmada no Tema 210. Nem a limitação de responsabilidade foi estendida a todo e qualquer caso. Nem o critério da especialidade foi visto como absoluto." Fecho aspas.

Celebradas as conquistas, especialmente dos colegas pela decisão que constitui objeto e foco deste texto, deixo alguns pontos para aplicação prática, na forma (ao menos pretensamente) de máximas:

1. Definitivamente, o Tema 210 de repercussão geral não se aplica aos litígios envolvendo transportes de cargas e/ou protagonizados por seguradores sub-rogados nos direitos e ações de donos de cargas. Quem diz isso é o Supremo Tribunal Federal.

2. A sub-rogação é direito de natureza especial e goza de primazia na interpretação e na aplicação do sistema jurídico brasileiro. Na sua defesa reside a da própria saúde do negócio de seguro. Ao buscar o ressarcimento, o segurador sub-rogado, por força do princípio do mutualismo, não defende apenas os seus legítimos direitos e interesses, mas os de todos os seus segurados e, indiretamente, os da sociedade.

3. O direito do segurador sub-rogado, autor de ação regressiva de ressarcimento contra transportador de carga, não deriva do contrato de transporte inadimplido, mas do pagamento da indenização ao segurado. O transportador não responde civilmente como tal, mas como manejador de fonte de risco e autor de ato ilícito, causador de dano.

4. Além da não incidência do Tema 210 de repercussão geral, que já é algo praticamente pacífico no Supremo Tribunal Federal em litígios demandados por seguradores sub-rogados contra transportadores aéreos e em transportes de cargas, a decisão do Recurso Extraordinário 1.368.069-SP autoriza dizer que há forte tendência de antigos argumentos serem adotados por juízes como novos fundamentos: a não incidência da Convenção de Montreal e da limitação de responsabilidade, independentemente da apuração da conduta temerária do transportador e da declaração ou não de valor (frete).

Finalizando, e sem em momento algum deixar de festejar a vitória, deixo-me tomar, em nome da ética profissional e da arte da prudência, de algum cuidado a mais, fazendo-o, no melhor estilo de Machado de Assis, "mais por cálculo do que por índole".

Embora poderosa, a decisão não constitui precedente vinculante ou obrigatório. É uma que se soma a outras, autorizando, porém, confiança, otimismo e espírito de luta.

A incidência da Convenção de Montreal é ainda forte na maior parte dos litígios versados em Direito dos Transportes (conectado ao Direito dos Seguros). O que se tem por praticamente certa é a não aplicação automática e irrestrita do Tema 210 de repercussão geral e da limitação de responsabilidade.

A grande luta é contra a limitação. Mesmo se a Convenção de Montreal for aplicada, a limitação não será. Argumentos não faltam para superá-la. O Direito atual, fomentado em sociedades de riscos, não pode mais admitir regras que tenham por objetivo atenuar a ampla responsabilidade de causadores de dados. É preciso cuidar da dignidade das vítimas e do negócio de seguro. Proteger o causador de dano é prejudicar novamente a vítima.

Por isso, até que o assunto esteja mesmo pacificado, minha modesta sugestão é a de não aceitar nenhum acordo com base na limitação de responsabilidade. Não há motivo para isso, e a decisão em estudo torna a sugestão ainda mais forte. Todavia, acordos em bases mais flexíveis do que as comumente usadas são recomendáveis, porque rios de tintas ainda correrão até que tenhamos posição definitiva da Justiça.

Os ventos por enquanto sopram a favor dos seguradores; mas que não causem acomodamento, porque — e ninguém sabe isso melhor do que os trabalham com seguro — eles podem mudar de direção a qualquer tempo. Como disse o inesquecível poeta português: "navegar é preciso, viver não é preciso". E a imprecisão da vida também se sente pelos ventos que viabilizam ou não uma navegação precisa.

Ensina a antiga sabedoria árabe que não se deve deixar de fazer um bom negócio por achar que ele pode ser ainda melhor.

Que a decisão, pois, inspire advogados e seguradores nos litígios contra transportadores aéreos, que fortaleçam posições, aliás justíssimas; mas não inibam acordos. Nenhum acordo é ruim quando feito de cabeça erguida, com plena consciência de direitos e riscos, e breve solução de uma pendência.

Feito o alerta, que todos os que se dedicam ao ressarcimento festejem a conquista e façam bom uso da decisão, que descrevo como muito importante para o ressarcimento integral. Agradeço a atenção e espero que este esclarecimento possa ser útil.

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  • Brave

    é sócio de Machado, Cremoneze, Lima e Gotas Advogados Associados, pós-graduado lato sensu em Direito e mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos, especialista em Direito dos Seguros e em Contratos e Danos pela Universidade de Salamanca (Espanha), acadêmico da Academia Nacional de Seguros e Previdência, professor (palestrante) de Direito dos Seguros da Escola Superior de Advocacia e da Escola Nacional de Seguros, associado da Sociedade Visconde de São Leopoldo (mantenedora da Universidade Católica de Santos), autor de livros de Direito dos Seguros, Direito dos Transportes e Direito Marítimo, membro da Ius Civile Salmanticense, da Aida-Brasil, do Iasp, vice-presidente da Ujucasp e presidente do IDTBrasil, laureado pela OAB-Santos pelo exercício ético e exemplar da advocacia.

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