Opinião

A teoria do risco integral e dano ambiental causado por pessoas jurídicas

Autor

  • Eduardo Mazarotto

    é advogado especialista em Direito Administrativo mestre em Direito com ênfase em Poder Estado e Jurisdição e sócio Júnior do escritório Peregrino Neto Advogados.

13 de março de 2022, 9h42

Muito se discute em ações que perquirem a responsabilização por danos ambientais causados por pessoas jurídicas, sejam prestadoras de serviço público (tal como concessionárias), sejam empresas executando atividades de interesse privado, por meio da aplicabilidade da teoria do risco integral e seus reflexos processuais.

Segundo dispõe a teoria do risco integral, o agente causador obriga-se a reparar o dano em toda sua extensão, criando barreiras inclusive para a admissão de causas excludentes da responsabilidade civil, a exemplo de caso fortuito, força maior, etc.

Embora esta teoria não tenha sido aceita de forma irrestrita e unânime na última década, recentemente sobrevieram decisões, provenientes de diversos Tribunais pátrios, em que se aplicou a teoria do risco integral de maneira bastante abrangente.

Nestas decisões, basicamente responsabilizaram-se pessoas jurídicas por dano ambiental, sem considerar a eventual ocorrência de causas excludentes de responsabilidade, de modo a aplicar a responsabilidade objetiva sob um prisma aparentemente equivocado.

Contudo, deve-se considerar que a teoria do risco integral, ainda que aplicada a responsabilidade objetiva em sede de reparação de dano ambiental, não desonera a parte autora (no caso o Ministério Público, Município, Estado e/ou União) do ônus de comprovar a existência do necessário liame entre o ato e o dano, conhecido como nexo causal.

Esta necessidade é oriunda do artigo 373 do Código de Processo Civil, em que a parte interessada deve comprovar fato constitutivo de seu direito, não bastando a mera alegação de dano.

Afinal, a responsabilidade objetiva não desonera a parte autora quanto a produção de provas, pois somente através dela é que poderá ser realizada  eventualmente  a análise da existência do nexo causal no caso concreto.

Fato é que, ainda no âmbito da teoria do risco integral, é necessária a comprovação do nexo causal para fins de responsabilidade civil. Deve a parte interessada produzir provas hábeis para o fim de demonstrar o nexo de causalidade e comprovar, mensurar e detalhar os danos suportados.

Anderson Furlan e William Fracalossi afirmam que no âmbito da responsabilidade objetiva, é necessária a comprovação "(…) do nexo causal que enlace a conduta do agente ao dano causado ao meio ambiente" [1].

E considerando a necessidade de elementos probatórios que demonstrem a ocorrência de ato, dano e nexo causal, pessoas jurídicas que estejam respondendo por danos ambientais encontram importante mecanismo de defesa, para o fim de lhe garantir o devido processo legal, a apuração da real extensão de suas ações e dos danos eventualmente provenientes da atividade comercial exercida.

Deve-se ter em vista, ainda, que a ocorrência de caso fortuito/força maior também pode afastar o dever de indenizar – quando comprovada a ocorrência de causas excludentes.

Isto, pois a ocorrência de caso fortuito e/ou força maior são elementos hábeis à desconstituição do nexo de causalidade, o que por sua vez elide o dever de indenizar.

O referido entendimento encontra suporte na doutrina que aborda a temática, e, sobretudo, no princípio da razoabilidade e proporcionalidade.

Paulo Affonso Leme Machado sustenta que "(…) quem alegar o caso fortuito e a força maior deve produzir a prova de que era impossível evitar ou impedir os efeitos do fato necessário  terremoto, raio, temporal, enchente" [2].

De outro norte, Maria Luíza Machado Granziera afirma que "há que se analisar a questão à luz do risco ao qual a atividade causadora de dano expôs a sociedade e o meio ambiente. Se não ficar claramente evidenciado que o fato ocorrido estava totalmente fora da previsão e do controle do empreendedor e que nenhum ato seu colaborou para a realização do dano, é cabível a sua responsabilização" [3].

O entendimento doutrinário acima citado indica que devem os magistrados buscar, com base nas provas constantes nos autos, a eventual ocorrência de fatores que podem afastar a responsabilidade civil.

E se constatado que o perseguido dano ambiental se deu por intempéries da natureza, o que não poderia ser previsto e muito menos evitado, estando comprovado ainda que a pessoa jurídica demandada realizou as cautelas necessárias e aplicáveis para a operação de sua atividade, afastam-se os requisitos da responsabilidade civil.

Assim, a ocorrência de caso fortuito/força maior, quando comprovada, perfaz causa excludente de responsabilidade e desconstitui o dever de indenizar.

A aliança entre os dois elementos acima apresentados, quais sejam, a necessidade de comprovação pela parte autora do nexo causal, bem como a existência de causas excludentes de responsabilidade, configuram importantes instrumentos de defesa para pessoas jurídicas que estejam sendo demandadas por danos ambientais.

Conforme já assinalado, a teoria do risco integral não afasta a necessidade de comprovação do nexo causal, assim como não desmantela as causas excludentes de ilicitude.

A correta análise destes elementos e o posicionamento destes como matéria de defesa, quando aplicáveis, permitem a assunção do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, impedindo em muitos casos, a indevida responsabilização de pessoa jurídica por dano ambiental.


[1] SILVA, Anderson Furlan; FRACALOSSI, William. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Forenese, 2010, p. 510.

[2] LEME MACHADO, Paulo Affonso. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 21. ed. 2015, p. 424-425.

[3] GRANZIERA, Maria Luiza M. Direito Ambiental. São Paulo: Atlas, 2009, p. 590.

Autores

  • é advogado, especialista em Direito Administrativo, mestre em Direito com ênfase em Poder, Estado e Jurisdição e sócio Júnior do escritório Peregrino Neto Advogados.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!