Opinião

Prescrição e segurança jurídica: contradição em termos

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12 de março de 2022, 6h32

Prescrição é a perda da possibilidade de exigir um direito em razão do decurso do tempo. A definição é dada pelo artigo 189 do Código Civil: "Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue pela prescrição, nos prazos a que aludem os artigos 205 e 206". Esses prazos variam entre um e dez anos, dependendo do direito violado e da relação jurídica subjacente.

A função precípua do instituto da prescrição é garantir segurança jurídica e evitar que situações há muito consolidadas sejam revolvidas, gerando incertezas desnecessárias e que mais trazem prejuízos do que benefícios a um dos principais escopos da tutela jurisdicional, que é a pacificação social. Justamente por isso, a imprescritibilidade é absolutamente excepcional.

Paradoxalmente, a prescrição, ao menos no que toca a pretensões relativas à responsabilidade civil, é permeada de incertezas, a começar pelo evento que dispararia a contagem do prazo prescricional.

Seguindo a teoria da chamada actio nata, boa parte da doutrina defende a perspectiva objetiva, no sentido de que o início do prazo prescricional se dá com a violação do direito, independentemente de o ofendido ter ou não conhecimento da violação. Isso porque a lei, a regra geral do Código Civil, não faz nenhuma referência à necessidade de conhecimento pelo ofendido; quando quer, a lei faz exceções expressas a essa regra geral, como, por exemplo, em casos relacionados a relações de consumo.

Outros defendem a perspectiva da actio nata subjetiva, segundo a qual o prazo prescricional só se inicia a partir do conhecimento da ofensa pelo ofendido, havendo ainda divergências se esse conhecimento precisaria ser inequívoco ou se pode ser presumido, ou seja, que a partir de determinado momento não seria escusado ao ofendido desconhecer a ofensa.

Apenas em razão dessas duas concepções, já é possível vislumbrar grandes divergências sobre quando ocorreria a prescrição, ou seja, quando já não seria mais possível exercer a pretensão e demandar um determinado direito em juízo.

Se pela lei uma determinada pretensão prescreve, por exemplo, em cinco anos, esse prazo poderia se tornar muito maior se sua contagem se iniciar apenas com a ciência do ofendido quanto à violação do seu direito. Ainda, se for exigido que haja prova de ciência inequívoca para início dessa contagem, se deixará ao alvedrio do ofendido estabelecer quando se inicia o prazo prescricional, de forma que a pretensão que prescreveria em 5 anos passe a prescrever em dez, 15 ou 20 anos. A incerteza, a insegurança jurídica, é gigantesca.

Mas, infelizmente, a dubiedade não para por aí.

Nosso sistema possibilita a interrupção do prazo prescricional por uma vez, por meio de determinados atos também definidos na lei. Assim, o reconhecimento expresso do devedor quanto à existência do direito, o despacho do juiz que ordena a citação do réu, o protesto judicial ou ato judicial que constitua em mora o devedor são exemplos de causas interruptivas de prescrição (Código Civil, artigo 202).

O protesto interruptivo de prescrição é bastante utilizado para essa finalidade. Assim, aquele que entende ter tido um direito violado, mas que ainda não está pronto para ingressar com uma ação judicial, quer porque ainda não reuniu todas as provas, quer porque ainda precisa de mais tempo para avaliar se de fato tem ou não razão na discussão, pode requerer ao juiz competente que notifique o potencial devedor a respeito de sua pretensão. Preenchidos requisitos mínimos, o juiz determinará a notificação do devedor, ou devedores, notificados, a quem não cabe apresentar qualquer tipo de defesa ou resposta, pois não se está diante de uma ação. Com a notificação do protesto interruptivo será interrompida a prescrição e seu prazo recomeçará novamente. E mais uma vez, a data desse recomeço pode se tornar problemática.

Embora pareça evidente que o prazo recomeçaria da data em que requerido o protesto, como ocorre com a citação do réu em qualquer ação buscando a tutela de direitos (Código de Processo Civil, artigo 240, § 1º), algumas decisões judiciais entendem que o prazo só recomeçaria com o encerramento do procedimento do protesto interruptivo de prescrição, com o último ato judicial nele praticado, por conta de uma disposição do Código Civil (artigo 202, § único).

Desse entendimento advém um desequilíbrio entre os sujeitos envolvidos na relação jurídica, novas incertezas e uma insuperável perplexidade.

Primeiramente, se o requerente do protesto optar por incluir diversos requeridos, ou se um deles tiver de ser notificado no exterior, e a notificação demorar mais, se alargará o prazo prescricional; pior, se a notificação de um deles não for realizada, nunca se reiniciará o prazo prescricional? Além da insegurança jurídica, se atribuiria novamente ao requerente, a quem afirma ser o titular da pretensão, o arbítrio de estipular quando ocorreria a prescrição da sua própria pretensão.

A perplexidade insuperável gerada por essa interpretação é que, se o titular da pretensão tivesse já proposto a ação principal, a ação para buscar a tutela do direito que entende ter sido violado, a interrupção da prescrição retroagiria à data da propositura da ação, ainda que dependendo da citação do réu (Código de Processo Civil, artigo 240, § 1º). Já com o protesto, um acessório restrito a essa interrupção, e pelo qual não se discute a existência ou não do direito, teria um efeito muito mais potente do que a ação principal em relação ao prazo prescricional, pois poderia postergar indefinidamente o reinício do prazo.

O instituto que tem como principal objetivo conferir segurança jurídica em decorrência do decurso do tempo pode ser esvaziado por todas essas incertezas e, assim, deixar de cumprir sua finalidade. Cabe aos tribunais brasileiros aplicar o conteúdo da lei e firmar seu entendimento a respeito de matéria tão relevante, tendo em mira o propósito da prescrição: certeza e segurança; jamais o contrário.

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