Opinião

O pluralismo familiar à luz do presente sistema constitucional

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12 de março de 2022, 11h24

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trouxe uma nova ótica para a ordem jurídica brasileira. Dentre todas as inovações, a promoção da diversidade se destaca cada vez mais tanto no seu texto, como nas interpretações jurídicas geradas por ele. No âmbito familiar, essa transformação fica evidente quando se trata das várias ramificações que se formaram nas esferas de constituição, composição e formação do núcleo familiar, consagrando assim o Princípio do Pluralismo Familiar.

Em vista disso, a família passou de um instituto de controle estatal e baseado exclusivamente no teor econômico para um meio afetivo, com fulcro na liberdade, igualdade e dignidade humana. Desse modo, o fenômeno do Pluralismo Familiar surge para legitimar e reconhecer essas características como os requisitos essenciais para a constituição de uma família.

A entidade familiar tem início juntamente com a humanidade, isto porque, desde os primórdios, os indivíduos se interligavam por meio do afeto. Desse modo, a formação de vários entes com essas propriedades foram base para a criação da sociedade e, consequentemente, do Estado.

Por conseguinte, a regulamentação do direito de família, por meio do sistema jurídico, passou a evoluir gradativamente. Assim, direitos que, a priori, eram tidos como inconcebíveis, foram moldados diante das evoluções históricas e dos direitos adquiridos, progredindo para o caminho da diversidade.

Diante disso, a Carta Constitucional de 1988 firmou os novos e necessários direcionamentos jurídicos a respeito das famílias.

Seria, no mínimo, incoerente tentar dimensionar e taxar as transformações trazidas pelo Princípio do Pluralismo Familiar ao Direito de Família, visto que a essência dessa faceta é, de fato, a dinamicidade. Isto porque o respectivo princípio possibilita que existam diversas e incontáveis formas de organização e formação familiar dentro de uma sociedade, inclusive permitindo uma disponibilidade para que outros modelos e espécies venham a surgir com as inovações trazidas pelo decurso do tempo. Nesse sentido, MADALENO (2018, p. 46) discorre:

"Por isso não é admissível preordenar espécies estanques de unidade familiar e destiná-las como emissárias únicas da proteção estatal, quando a sociedade claramente acolhe outros dignificantes modelos de núcleos familiares e demonstra que aquelas previamente taxadas não espelham todo o alicerce social da família brasileira".

Contudo, torna-se imprescindível tratar de alguns pontos que são, claramente, pilares divisores para a efetivação do Princípio do Pluralismo Familiar, pós instituição do Diploma Constitucional de 1988.

De início, cumpre destacar que o direito de família se consagrou com base no modelo tradicional, composto pelo homem, pela mulher e pelos filhos havidos exclusivamente dentro da respectiva união, que necessariamente deveria ser firmada pelo casamento. Assim sendo, o casamento era o instrumento central da jurisdição familiar, por meio dele que todos os demais regramentos se formaram e passaram a transformar a legislação afetiva do Direito.

Com o estabelecimento da Lei Maior de 1988, especialmente no seu artigo 226 e seus parágrafos, houve um grande impacto nesse ramo. Observa-se aqui, a equiparação do casamento à união estável, preceituado no §3º, do referido artigo, diversificando assim a forma de oficialização de uma família e conferindo liberdade aos indivíduos pertencentes á ela, os quais não se restringem mais apenas a um modelo específico e tradicional. Desse modo, foi-se reconhecida a multiplicidade dentro das entidades de familiares.

Além disso, os institutos da união estável e do casamento se estenderam a união homoafetiva, a qual é oriunda da junção de pessoas do mesmo sexo. Consequentemente, tiveram seus direitos, como família, consagrados e efetivados por meio das interpretações geradas a partir do respectivo texto constitucional.

O §4º, do artigo 226, da Constituição Federal de 1988, promove a regularização da família monoparental, ao discorrer que: "entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes". Desse modo, as famílias em que apenas um indivíduo assume a responsabilidade familiar, em decorrência, por exemplo, do abando familiar, tem seus direitos reconhecidos e diretamente expressos no Diploma Legal em análise.

Também, cumpre destacar a formação da família pluriparental. Ocorre que, com a desburocratização das questões relacionadas ao divórcio, diversas entidades familiares passaram a se formar com extensão à maternidade e/ou paternidade, já que a quebra de um núcleo familiar e, possivelmente, a constituição de um novo núcleo com membros pertencentes ao anterior, produziriam efeitos idênticos, baseado no afeto e no sentimento recíproco.

Paralelo à isso, o fenômeno da socioafetividade,  importante fator promotor da pluralidade familiar, surge para concretizar desmistificação do tradicional e ultrapassado modelo familiar. Essa, de longe, é uma das mais recentes transformações sofrida no ramo jurídico da família. Nesse fenômeno, o fator biológico, apesar de válido, deixa espaço para a constituição de novos laços formados pelo ponto intrínseco ao pluralismo familiar, qual seja, o afeto.

Assim, uma relação entre indivíduos que possuam características familiares com reflexo na sociedade, em consonância com o respeito e o amor recíproco, se tornaram os fatores necessários para criar um laço familiar.

Logo, resta evidente que, o que já era ocorrência dentro de uma esfera fática, se tornou possível nas vias jurídicas. DIAS (2009, p.80) conclui:

"O direito das famílias é o mais humano de todos os direitos. Acolhe o ser humano desde antes do nascimento, por ele zela durante a vida e cuida de suas coisas até depois de sua morte. Procura dar-lhe proteção e segurança, rege sua pessoa insere-o em uma família e assume o compromisso de garantir a sua dignidade. Também regula seus laços amorosos para além da relação familiar. Essa série de atividades nada mais significa do que o compromisso do Estado de dar afeto a todos de forma igualitária, sem preconceitos e discriminações".

Diante disso e por se referir á um fenômeno dinâmico, a Multiplicidade Familiar encontra respaldo em diversos princípios presentes no ordenamento jurídico pátrio. Qualquer preceito jurídico que venha a proteger ou impulsionar, direta ou indiretamente, a diversidade e disponibilidade dentro dos direitos de família, sustenta o Princípio Constitucional do Pluralismo Familiar. Entretanto, merece destaque aqueles que possuem uma ligação direta e necessária, no que diz respeito ao referido princípio, quais sejam: afetividade, dignidade da pessoa humana, igualdade, liberdade e solidariedade.

Desse modo, é notório o grande avanço proporcionado pela Carta Magna de 1988, através do Princípio do Pluralismo Familiar, tanto em sua literatura, como pelas interpretações legais geradas por ele. Concluindo-se, portanto, que o meio familiar não mais se restringe a questões econômicas e políticas, baseadas no liame estatal, mas sim no que de fato é o fundamento essencial para sua existência: o amor.

Por conseguinte, o princípio em análise, consagrou o que, a priori, era, por uma ótica social, algo distante e corruptível, no que de fato é: comum, natural e necessário.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>  Acesso em 20.02.2022.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 5. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

MADALENO, Rolf. Direito de família. 8ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2018.

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