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Há motivos para sermos parabenizadas pelo Dia da Mulher?

11 de março de 2022, 8h00

Por Fernanda Moretzsohn, Patricia Burin

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Na última terça-feira (8/3) foi "comemorado" o Dia Internacional da Mulher. A data foi escolhida pela Organização das Nações Unidas, na década de 1970, para marcar a luta das mulheres por equiparação ao tratamento dado aos homens em suas mais diversas vertentes, em especial direitos fundamentais e igualdade salarial.

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A origem da data não é um evento único, mas uma sucessão de eventos que marcam a luta das mulheres. Foram greves e manifestações em busca de equiparação ao tratamento dado aos homens. As mulheres, antes afetas ao ambiente doméstico, assumiram espaços no mercado de trabalho e foram além, demonstrando engajamento político.

Desde o início do século 20, diversos movimentos e eventos ocorreram, simbolizando essa luta histórica. Um dos mais conhecidos foi um incêndio ocorrido em 1911 em Nova York, em que 125 mulheres e 21 homens foram mortos na fábrica em que trabalhavam e dentro da qual se encontravam trancados, como forma de repressão às greves e manifestações. No ano de 1917, temos outro marco histórico: a Revolução Bolchevique, ocorrida na Rússia. Mulheres operárias trabalhadoras do ramo de tecelagem iniciaram uma greve que foi tida como o prenúncio da revolução. Após a Segunda Guerra Mundial, os movimentos feministas ganharam ainda mais força, até que 1975 foi declarado, pela ONU, o ano internacional das mulheres, sendo o oito de março oficializado como Dia Internacional da Mulher.

A data, instituída originalmente para reflexão e enfrentamento, foi há muito descaracterizada, passando a ser tratada como data comemorativa e comercial. E, não, isso não está certo! O movimento por igualdade (real, material) não se presta a impor a homens que ofereçam às mulheres ao seu redor flores e chocolates numa data específica. O Dia Internacional da Mulher não é momento de homenagens e parabéns.

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Há mesmo motivos para sermos parabenizadas neste dia? Seria o fato de sermos uma minoria que sofre com a desigualdade de gênero? Ou o fato de que ainda ocupamos menos de 10 % dos cargos de chefia nas maiores empresas mundiais? Seria por termos sobrevivido a mais um ano diante dos índices crescentes de violência física, moral, sexual? Seria por estarmos já "praticamente integradas à sociedade" [1]? Ou será que nos dão flores para tentar nos calar pelo fato de percebermos salários 20% mais baixo do que os percebidos pelos homens que exercem as mesmas funções?

Parece-nos ilógico recebermos flores e parabéns. Mas é claro, é mais fácil entregar flores e chocolate do que tentar entender essa tal desigualdade de gênero.

A desigualdade de gênero prejudica as mulheres não apenas no mercado de trabalho, mas em todos os campos, seja no convívio social, seja no ambiente familiar, seja no campo político.

Ora, mas o que tanto querem as mulheres? Por que fazem tanta questão de ter uma data específica? Não queremos muito e não somos eternas insatisfeitas, como muitos costumam dizer.

No trabalho, queremos apenas ocupar as mesmas posições de poder que sempre ocuparam os homens e sem receber 20% a menos por isso. Queremos tirar do poder essa "cara de homem". Queremos atuar em nossas profissões, seja ela qual for, sem ter que nos amoldar a padrões predefinidos. Queremos deixar de ser julgadas em razão de eventual promoção ("Ah, mas ela está 'saindo' com o chefe, por isso foi promovida").

Por mais esdrúxulo que isso possa parecer, queremos andar sozinhas à noite na rua temendo a abordagem de dois homens em uma moto que querem roubar nosso telefone celular e não nossa dignidade sexual. Dignidade esta que há até pouco tempo nem sequer era protegida pelo direito penal (o estupro que tinha como bem jurídico tutelado os costumes).

Queremos deixar de ser julgadas por nossas escolhas, por nosso comportamento, por nossas vestimentas. Queremos o fim da cultura do estupro. Queremos, simplesmente, que nossos direitos (humanos e fundamentais que são) sejam naturalizados, não questionados, não desafiados. Queremos não ser violentadas por sermos pobres, por estarmos bêbadas, sozinhas na rua àquela hora da noite, ou vestindo uma roupa reveladora.

Queremos respeito e equidade!

É verdade que há avanços a serem celebrados, mas o dia internacional da mulher deve ser encarado pelo que ele é: uma data política, não um evento comemorativo ou comercial.

Que não apenas o dia 8 de março, mas todos os demais, sejam datas marcadas para refletirmos a respeito da desigualdade e da violência contra as mulheres no mundo e do abismo que separa homens e mulheres (aqui incluídas todas nós: a branca, heterossexual e cisgênero, a negra, a trans, a lésbica, a indígena, a idosa, a criança). Passemos a ver essa data como um dia de luta por tudo que ainda falta evoluir.