Mudanças urgentes

Plenário do CNJ aprova recomendações para sanear o sistema prisional cearense

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11 de março de 2022, 16h44

O Plenário do Conselho Nacional de Justiça decidiu nesta terça-feira (8/3) aprovar os relatórios e as recomendações elaborados pela Corregedoria Nacional de Justiça e pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas para superação de graves irregularidades identificadas no sistema prisional cearense.

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ReproduçãoPlenário do CNJ aprova recomendações para sanear o sistema prisional cearense

As recomendações são decorrentes dos resultados de inspeções realizadas, em novembro passado, em 26 unidades prisionais no estado e nas varas responsáveis pela fiscalização do cumprimento das penas e do funcionamento das prisões.

As mudanças mais urgentes e abrangentes se referem ao fim dos castigos coletivos, à fiscalização das unidades prisionais, à implementação de procedimento adequado ao tratamento de denúncias de tortura e violações de direitos e ao aprimoramento do controle processual por parte da magistratura. Por meio de procedimentos administrativos, o CNJ vai apoiar o Tribunal de Justiça do Ceará no enfrentamento a desafios do sistema carcerário local.

A lista de recomendações do CNJ é resultado de uma correição extraordinária realizada pela Corregedoria Nacional de Justiça a varas de execução penal da Justiça cearense de e uma inspeção a presídios conduzida pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, entre 16 e 19 de novembro do ano passado.

A qualificação da inspeção prisional tem o apoio do técnico do programa Fazendo Justiça, parceria em andamento desde 2019 entre o CNJ e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, com apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para incidir em desafios no campo da privação de liberdade em todo o país.

A atuação do CNJ no Ceará foi uma resposta às denúncias de violações de direitos humanos ocorridas no sistema penal do Estado, que envolviam tanto o descumprimento de prazos processuais quanto notícias da prática de tortura, maus tratos e tratamento cruel ou degradante no interior dos estabelecimentos penais.

Além disso, a missão esteve inserida no contexto do Plano Emergencial acordado em 2021 entre o CNJ e o TJ-CE, que contempla diversas iniciativas relacionadas ao saneamento de irregularidades encontradas no sistema penal daquele estado, afetas ao saneamento de sistemas informatizados, capacitação de magistrados e servidores, reestruturação administrativa, revisão normativa, implementação de novos fluxos e rotinas nas temáticas da audiência de custódia, alternativas penais, monitoração eletrônica, fiscalização de unidades prisionais, análise de processos de execução penal, e recebimento e tratamento de denúncias de tortura, maus tratos ou tratamento cruel e degradante contra presos.

O ministro Luiz Fux, relator do pedido de providências, destacou que “a Constituição Federal determina que todo preso tem direito inalienável à manutenção da sua integridade física e moral” e ressaltou que esse trabalho realizado de forma conjunta entre a Presidência do CNJ e a Corregedoria Nacional de Justiça visa a dar um exemplo para que Corregedorias e presidências de todo o país atuem num mesmo sentido para a verificação do cumprimento do devido processo legal e do tratamento concedido aos presos à luz dos cânones constitucionais.

De acordo com a corregedora nacional de Justiça, Maria Thereza de Assis Moura, os relatórios submetidos ao Plenário mostram a necessidade de avanços no sistema prisional do estado do Ceará. “Precisamos reconhecer que ainda temos um caminho a ser percorrido para que nós possamos eliminar, não só no Ceará, mas em termos nacionais, esse estado de coisa inconstitucional que reconheceu o STF na ADPF 347. Nossa vocação, enquanto CNJ, como órgão superior e central da administração do Poder Judiciário nacional, não permite que nos eximamos dessa responsabilidade.”

O supervisor do DMF/CNJ, conselheiro Mauro Martins, apontou que foi constatada uma situação de descumprimento de direitos constitucionais e fundamentais, recordando que o Brasil é signatário de tratados internacionais sobre a matéria, o que reforça a importância desse trabalho e da atuação conjunta para superação dos problemas identificados. Para o coordenador DMF/CNJ, Luís Lanfredi, a evolução positiva do trabalho nos últimos meses, com engajamento do judiciário local, mostra o potencial de replicação da metodologia para outras realidades.

“A superação do quadro de violação histórica e sistêmica de direitos que caracteriza o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro somente poderá ser superada mediante a atuação comprometida e articulada entre diversos órgãos e atores. O quadro reconhecido pelo STF não se limita a unidades da federação específicas. Com essa metodologia de trabalho, garantimos uma resposta robusta a desafios semelhantes que se apresentem para resultados rápidos e efetivos.”

Recomendações
A premissa que inspirou a atuação do CNJ foi de que se trata de ação preventiva, pedagógica, corretiva e continuada, destacando o protagonismo e a cooperação que o TJ-CE assumiu desde o início do planejamento da missão.

A partir das constatações, foram elaboradas recomendações que têm por objeto assuntos complexos e de responsabilidade de distintos atores e instituições. Além da atuação dos magistrados e magistradas, requerem o envolvimento direto da alta administração do TJ-CE, com capacidade para adotar medidas de caráter abrangente e estratégico, assim como mobilizar as representações dos outros Poderes e órgãos locais, de forma a impactar nas políticas sob suas esferas de competência.

O CNJ recomendou à presidência do TJ-CE e à Corregedoria-Geral de Justiça que procure a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado para revogar em 30 dias atos normativos que originaram o quadro em questão. De acordo com o relatório das inspeções ao sistema prisional cearense, há relatos de maus-tratos e tortura contra presos por parte da polícia penal. Castigos seriam aplicados sem representar resposta a um ato de indisciplina de um preso, cela ou ala do presídio.

Além disso, o TJ deverá apoiar a criação de uma Ouvidoria específica para o sistema penitenciário local, que deve ser um canal independente, confiável e sigiloso de tratamento de denúncias relativas à atuação de servidores e à situação das pessoas presas.

A corte cearense deverá acionar também o Ministério Público do Trabalho para que acompanhe, continuamente, as condições de trabalho dos servidores do sistema prisional, principalmente no que diz respeito às situações de adoecimento mental e de tratamento das denúncias de assédio e impedimento da atuação sindical dos trabalhadores de casa penal.

O TJ-CE e Corregedoria-Geral de Justiça também devem estabelecer junto às autoridades prisionais do estado, no prazo de 30 dias, novos procedimentos para as visitas sociais nos estabelecimentos prisionais. O objetivo é aumentar o tempo de contato entre a pessoa presa e familiares, que está comprometido pelas regras da administração prisional para reduzir o do risco de disseminação da pandemia da Covid-19.

Segundo o relatório, as visitas sociais ocorrem a cada 21 dias, com duração máxima de 30 minutos, incluído o tempo dos procedimentos de identificação, revista pessoal, entre outros.

Dentro de 45 dias, o TJ-CE e o CNJ devem definir um cronograma de ações para regularizar a documentação civil de pessoas presas, tanto as que ingressaram via audiências de custódia, quanto as que já se encontram presas. A ação é uma das 28 atividades desenvolvidas pelo programa Fazendo Justiça, que vem estruturando um fluxo permanente de identificação civil e documentação em todo o país.

Outras recomendações
Os relatórios do CNJ documentam uma série de irregularidades ocorridas e aponta soluções específicas para as diferentes situações encontradas. Há recomendações que dizem respeito ao aprimoramento de rotinas processuais aplicadas na execução penal e saneamento dos sistemas disponíveis para acompanhamento das prisões, mas também há medidas direcionadas à garantia das condições das prisões e da dignidade das pessoas detidas.

O CNJ recomenda também uma revisão de tratamento dispensado a públicos específicos do sistema prisional, como LGBTQIA+, mães, gestantes e lactantes, conforme já previsto em Resoluções do CNJ.

Há demandas relacionadas a demandas básicas da população carcerária, como acesso a água potável, atendimento de saúde, além de material de higiene pessoal e limpeza das instalações físicas. Há queixas de falta de oportunidades de estudo e trabalho dentro das unidades prisionais, com os respectivos benefícios, ao contrário do que prevê a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84).

Para o juiz Antônio Patiño, o trabalho conjunto desenvolvido por magistrados de todo o país traz ganhos diversos. “Fica evidente que há uma unidade de resposta do judiciário nacional quanto a desafios que são comuns, no sentido de qualificar a prestação jurisdicional no campo da justiça criminal e de execução penal, mas também saímos com um ganho importante para incidirmos em nossas próprias realidades”.

Coordenadora-geral do programa Fazendo Justiça, Valdirene Daufemback, destaca a customização das atividades no Ceará, com metodologia e instrumento adequados à realidade do estado. “Houve análise de ambientes e documentos, entrevistas com servidores e pessoas presas, oitiva de movimentos sociais e autoridades dos diferentes poderes, resultando em documento com importantes recomendações”.

Em 2022, o Fazendo Justiça apoiará o CNJ com atividades voltadas ao fortalecimento de inspeções em todo o país. O monitoramento das recomendações será realizado pelo DMF/CNJ e pela Corregedoria Nacional de Justiça. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.

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